sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

POETAS DA DOR

 

POETAS DA DOR

 

Porque nenhum de nós vive para si. E nenhum de nós morre para si.

 

 

Até que o ultimo suspiro transcenda as lágrimas de sangue que o cérebro jorra. Madrugada. Os pensamentos são o gozo e a porrada. Desordenados, são o câncer orquestrada que leva à ruina. A apatia controlada de estar sozinho em sua doença, em suas concepções. Mesmo tendo alguém ao lado, mesmo dividindo o lençol, mesmo no meio da massa. Solidão.

 

A solidão e seu negrume, os pensamentos sem rédeas, como um cavalo selvagem agonizando, à espera de alguém para sacrificá-lo. Acompanhada, a solidão vem com o derradeiro suspiro do arrependimento. Traz nos braços a morte. O último gongo do relógio.

 

Alimenta-se do que corrói. A filosofia e os demais poetas da dor constataram o colapso do ser humano em demasia, se prendendo à matéria e tudo o que o raciocínio humano concebe e digere. Esquadrinha a realidade e como os diversos de Pessoa ser perdem e entram em colapso. Seja Caeiro, Reis, Soares, Campos, todos experimentaram do gosto da cor da morte.

 

Jostein Gaarder leva seu personagem a afirmar que não há duas pessoas iguais neste mundo. Em Irmãos Karamázov, Fiódor Dostoiévski, por meio de Ivan K. constata que é impossível sentir a dor do outro. Impossível saber o que o outro sente. Pode-se ao máximo imaginar como se aquela dor fosse sua. Imaginar como você sentiria algo semelhante. Neste caso verifica-se o isolamento do ser humano em sua inacessibilidade. Apenas a compaixão pode romper com este isolamento. Ao se destituir de si, da soberba do intelecto e procurar ver e sentir o outro.

 

Friederich Wilhelm Nietzsche afirma que a compaixão enfraquece o homem. E que homens fracos atravancam o fluir da existência. Declara que é possível identificar o cristianismo como a religião da compaixão. A religião que enfraquece o indivíduo.

 

Importante lembrar que para fluir a existência e os relacionamentos dos seres humanos entre si e com os demais seres e objetos existentes, é necessário que o indivíduo (que não se divide) seja também grupo, coletivo. Para ser coletivo, social, ele precisa ver o outro e entender. Para realizar isso com eficiência e eficácia, é preciso a compaixão. É necessário abrir mão da soberba do saber e sentir. Não ver sua dor como se fosse a maior (segundo Ivan Karamázov sua dor parece ser a maior, porque ela é sua e você não tem como sentir a do outro. A do outro, por sua vez, é maior para ele.), não ver suas qualidades e potencial como o superior da raça. É fundamental se enfraquecer, como diria Wilhelm N. e ter compaixão. Mas um certo Jesus Cristo orientou que devemos ter compaixão uns com os outros. E amar o próximo como nos amamos.

 

Jesus pede para não nos acomodarmos a corrente social. Segundo Clifford Gertz e Ruth Benedict, a vida social é estabelecida por acomodação. Identificação e acomodação dos indivíduos a padrões moralmente concebidos por conveniência do grupo controle. A intelectualidade determina que aqueles que não se encaixam a esta vida social, são estrangeiros errantes, são os estrangeiros de Albert Camus, ou os andarilhos de Nietzsche; onde não importa o destino apenas a caminhada que não cessa, mas se renova. Devemos seguir para o alvo que é Cristo e não cair no estranhamento da autodestruição.

 

Heidger e Wilhelm e suas concepções de que devemos ser fiéis à terra e a tudo o que nela há, assim como Alberto Caeiro, de Pessoa. Pensavam estes que nada haveria de existir de maior ou fora daquilo que a mente humana pode conceber e provar materialmente nesta terra. Entregue às divagações, a vida seria então um processo degenerativo. Sendo assim, a trajetória do ser humano, desde o nascimento, seria a caminhada para a desgraça maior.

Apenas é fundamental lembrar da família. Dessa forma, seriam desnecessárias as famílias, os relacionamentos, as ordens sociais. Os seres humanos poderiam ser concebidos em fábricas. E não haveria cabimento ter carinho ou qualquer outro sentimento pela prole. Ela deveria, até mesmo, servir de alimento ou banco de órgãos caso os seres pensantes nascidos anteriormente necessitassem. Homem lobo do homem. O que é sua família?

 

Nietzsche chamou a moral cristã de moral escrava, mas a liberdade aclamada por ele, onde o pensar livre se ancora nas amarras da amargura, na mente que perde os valores e alimenta o vazio que fica com divagações que aceleram o processo degenerativo do ser.

 

Manuel de Barros alega ser preciso desaprender para aprendermos, Nietzsche defende uma revalorização de todos os valores, repousando seu ceticismo no caricato niilismo. Então emerge o colapso. Não apenas o colapso das instituições humanas, mas também da família: um projeto de Deus que o homem não tem honrado.

 

De acordo com Émile Durkein, o suicídio propriamente dito e o suicídio social ocorre em duas distintas situações: quando o indivíduo passa por alguma mudança ou série intensa de acontecimentos e na ausência deles. A avalanche provocada pela desistência do pensar e buscar pode levar ao colapso, bem como a desenfreada entrega aos pensamentos cancerígenos, amparada na falta de valores. Pois a revalorização sugerida destituiria o valor de Deus, da família, do Certo e Errado, de diversas entidades, instituições e conceitos.

 

A madrugada empurra os poetas da dor a ejacularem sua dor, manifestarem sua angústia muitas vezes assistida com incompreensão por quem está ao lado. A solidão das ideias conduz seu interlocutor à desgraça que ele cultivara em um jardim secreto, dentro de seu cérebro, onde poeticamente chama de coração, de alma. Não se entorpeça com a imagem da cobra que come o próprio rabo, nem busque ver o que sobrará desta fúnebre refeição ocultista.

 

O Dedo Torto, personagem do filme A excêntrica família de Antônia, retrata o ser que encontrou o colapso mental e físico de Durkein. Seu suicídio primeiro foi social, exilado em sua biblioteca. Depois materializou-se nas amarguras de seu ventre, de suas palavras. Finalmente, findou-se em uma carta de letras tortas e no pescoço estrangulado em uma corda.

 

Entre linhas subliminares, entre discursos escrachados, na apatia controlada dos relacionamentos, os poetas da dor manifestam o colapso do ser, do sentir, do existir. Ele é um passo. Um passo para a desgraça maior. É a comprovação do pensamento da revalorização e suas consequências.

 

O que sabe o homem de seus caminhos, se na verdade eles são direcionados por Deus. O pensamento de Deus não pode o homem esquadrinhar. Eis aí uma aflição do pensador humano. Não ter a capacidade de esquadrinhar o pensamento de Deus. O ser humano não reconhece inteligência digna (equivalente ou superior à sua) a um ser se estes não raciocinar conforme o modo humano.

 

O Enigma de Kasper Hauser (e seu curioso nome no idioma original) brinca ao levantar a hipótese de uma maça sentir e pensar e até mesmo agir. Há seitas que alegam as plantas sentirem dor e assimilarem sentimentos. Tudo pensamento defecado em divagações errantes.

 

Um tal de Arthur Schopenhauer afirma que " o saber humano se espalha para todos os lados, a perder de vista, de modo que nenhum indivíduo pode saber sequer a milésima parte daquilo que é digno de ser sabido".

 

Poesias que apenas destroem. Palavras da demolição em um coração que clama por amor. Um amor e um sentido que satisfaça. Mas pede em lágrimas secretas, e pede errado, pede para quem não pode dar alívio e sentido à vida. Pede ao acaso, busca nos homens, revela-se em poemas sombrios. Sombrios como tem se tornado o interior do poeta em questão.

 

O povo perece por falta de conhecimento. Falta sabedoria para lidar com as informações adquiridas. A Sabedoria vem daquele que deu a Salomão sabedoria. George Orwell e sua fazenda de porcos, e seu futuro em 1984. A ignorância como porta à felicidade. A verdade como a chave para a felicidade. Mas dói ao abrir. Dói. É a dor da liberdade.

 

Injusto traduzir em palavras um sentimento. Arthur Schopenhauer constatou como o ato de traduzir gera perdas. Seja traduzir obras, letras ou sentimentos e pensamentos. A perda no processo aumenta cada vez mais, pois depende do repertório do espectador. Mas existe alguém que vê o que está em secreto. Que sabe o que você precisa mesmo antes de pedir.

 

Perdido em algum lugar na zona de tiroteio entre reconhecimento e poder. A vontade e representação do poeta da dor se manifesta na repulsa. Repulsa da realidade que vive, repulsa das responsabilidades que tem que assumir. Repulsa que se manifesta por meio de uma apatia. Uma apatia controlada pelo vazio. O vazio que o impulsiona a divagar pelas madrugadas, pela escuridão das ideias.

Do que adianta voar com asas artificiais, limitadas, e ainda assim voar em rebeldia,  morrendo no oceano. Ícaro.  Melhor seria o labirinto? Dédalos. Arthur Schopenhauer diz que a peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem os cabelos próprios.

 

Onde estão teus cabelos? O que fez deles? Enquanto é tempo. Entreis pela porta estreita. Porque larga é a porta e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. E porque é estreita a porta e apertado O Caminho que leva a vida, e poucos há que a encontrem. Apenas os que o fazem em espírito e verdade.

 

De sua masmorra, construída por restos mortos de seus sonhos, o Poeta da dor joga suas trançadas palavras em busca de um príncipe que o satisfaça e o liberte da pedra que comprime seu peito. Lá embaixo, afogado em seu reflexo o príncipe paira o olhar como um narciso a ignorar o eco das palavras do poeta. Mas o poeta, por onde olha, vê seu rosto desfigurado na figura do escritor, do leitor e do carrasco. Mas o alívio não está onde tens olhado ó poeta. Assim como eu, perceba a porta que deve abrir, a porta pela qual deve passar e o caminho pelo qual deve levar os que ama. Ama. Ligue-se à fonte de amor. Este sentimento que é injustiçado pelas palavras, pois nem todas as belas palavras e construções e conjecturas podem revelar o que vem a ser o amor. Ame. Ame. Conheça ti a ti mesmo e encontre a semelhança do seu criador pulsando em você.

 

"Eis que estou a porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua  casa e com ele cearei e ele comigo. Ap 2: 20".

 

 

 

Um comentário:

  1. e tem gente ainda que se ilude em interpretações viajadas que só afastam de Deus

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