sábado, 30 de janeiro de 2010

Viver: O castigo de Dostoiévski



Tudo é psicológico, inclusive o dinheiro. Vida social é acomodação. As idéias são um campo vasto de realizações. Tudo o que manifestamos é, objetivamente ou subjetivamente, autobiográfico. Raskolnikov. Uma outra migalha de Dostoievski ; parou de estudar, faltou dinheiro.
Pensamentos transcendentais. Era um pouco mais do que os demais, pelo menos em articulação de pensamento. Extremamente analítico. A irmã iria casar por conveniência. Ele tinha amigos. Relacionava-se com eles por meio de frestas no muro que continha sua essência fechada e introspectiva em uma Rússia nublada.
Soberano dentre os vermes; era ele o germe da prosperidade derradeira em uma Rússia nublada. Matou a velha que trocava coisas por dinheiro. Era Lea uma agiota bondosa que destinava seu dinheiro a sedentos atores sociais falidos. Matou com machado. A moleira dura ao beijar a lâmina do machado goza um muco viscoso e rubro. Morte. O acaso e os impulsos físicos. Outra machadada outra moleira. A irmã da velha. Tempos nublados. O dinheiro. Psicológico, assim tudo é.
O corpo passa a não responder e a mente a responder e bater. Conflituosamente Rodka anda entre suas pernas e pensa nos passos que deu e nos que deveria dar. Entregar-se, usar do que roubara, embora tenha tido uma fuga invejável. Deveria levantar a pedra, rasgar o forro, pegar e usufruir os seus ganhos? O sangue na ponta do calçado ainda existia em sua mente perturbada por uma realidade cinza.
Rodka se assemelha do Sr. Meursault, do Estrangeiro de Camus. Ambos não se consideravam criminosos, mas sim as idéias e o meio. Mimetismo e conflitos. Há quem diga que seu crime foi ter se entregado e se considerado criminoso, ou ainda ter deslacrado a machadadas o corpo da anciã podre e rica. Seu castigo são suas idéias, sua doença, seus conflitos, a Sibéria. A salvação seria Sonia, a bíblia na cela, o trabalho forçado, a possibilidade de recondução à sociedade por meio da pena, da culpa, do trabalho. Sibéria.
Ainda na semelhança com Meursault de Camus, Rodka torna-se amigo do delegado. Os amigos aos poucos deduziam sua sina, sua trajetória, seu; crime. Antes de à tona putrefazer ainda mais a realidade de uma Rússia nublada, ele se entrega.
Conflito? Confuso? O mundo gira e nós parados cremos girar. Repetição? Todos são. Dilemas. Culpa. O ato visto à luz de padrões estabelecidos por uma sucessão de contextos, denuncia o erro. Assassinar por dinheiro ou para eximir do mundo uma alma sebosa?
Viver é o castigo em um mundo em que a Rússia nublada se expande e se instala também dentro de cada um. Viciados seja em jogo, seja em ar, seja em palavra, seja em qualquer coisa. A produzir e divagar para buscar suprir uma solidão e medo do silêncio de assumir que somos seres nublados. Contemos o sol, mas o embaçamos e escondemos por detrás de um discurso romântico. Discurso criado para entretenimento pelo pensamento moderno. O mesmo que criou sua maior utopia, sua superação, a pós-modernidade.

Mas aqui começa já uma nova história, a história da gradual renovação de um homem, a história do seu trânsito progressivo dum mundo para outro, do seu contato com outra realidade nova, completamente ignorada até ali. Isto poderia constituir o tema duma nova narrativa... mas a nossa presente narrativa termina aqui.

Dostoievski – Vida e obra
Em uma Rússia conturbada, na cidade de Moscou, nasce Fiódor Mikháilovitch Dostoievski, em outubro de 1821, descendente de uma aristocrática família lituana, porém agora sem fortuna alguma. O pequeno Dostoievski cresce em meio à pobreza e a pessoas doentes; seu pai é médico em um sanatório para pobres em Moscou e é aí que reside a família.
A inesperada notícia do assassinato do pai, em 1839, pesa na consciência do jovem Fiódor, que tanto rezara para ver-se livre do pai déspota. Amargurado, angustiado pelo remorso, sentindo-se responsável por toda a miséria do ser humano, ele busca se redimir por meio da criação literária.
Em 1880 torna-se finalmente o ídolo de seus leitores, guia espiritual, exemplo de força e coragem, o “Escritor da Rússia” que retrata a alma do povo. Mas já não há tempo para vanglória. Num dia nevado de 1881, vítima de hemorragia, morre aos 60 anos Fiódor Mikháilovitch Dostoievski, consagrado até hoje como um dos mestres da literatura universal.

Cronologia
1821 – Em 30 de outubro, nasce Fiódor Mikháilovitch Dostoievski
1837 – Morre a mãe de Dostoievski. Transfere-se para escola de Engenharia Militar de São Petersburgo.
1839 – Seu pai é assassinado.
1841 – Inicia as obras Boris Godunov e Maria Stuart, mas não as conclui.
1843 – Passa a trabalhar na seção de Engenharia de São Petersburgo. Traduz Eugênia Grandet, de Balzac e Dom Carlos, de Schiller.
1844 – Demite-se do cargo público para dedicar-se à literatura.
1845 – Publica Pobre Gente.
1847 – Sofre crise de epilepsia. Sai segunda edição de Pobre Gente.
1848 – Publica O Duplo.
1849 – É preso e condenado à morte. Comutada a pena, parte para a Sibéria.
1854 – É incorporado como soldado raso em uma guarnição siberiana.
1857 – Casa-se com Maria Dimítrievna Issáievna.
1859 – Volta à São Petersburgo.
1861 – Publica Recordações da Casa dos Mortos. Funda o jornal O Tempo.
1862 – Viaja ao exterior com sua musa Polina Súslova.
1863 – Retorna à Rússia.
1864 – Funda o periódico A Época. Morrem sua esposa e seu irmão.
1867 – Casa-se com Ana Grigórievna. Publica Crime e Castigo.
1868 – Nasce a primeira filha. Publica O Idiota.
1869 – Nasce a segunda filha.
1871 – Publica Os Possessos
1874 – Publica O Adolescente e Diário de um Escritor.
1880 – Publica Os Irmãos Karamázovi
1881 – Morre em 28 de janeiro e é sepultado três dias depois, em São Petersburgo.

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