sábado, 1 de janeiro de 2011

Cílio que cai



Foto do post. CC Tempos Modernos (vale assistir novamente seus filmes)


Chocolate em constante promoção. Ópio emocional. Tratamento paliativo contra o vírus da degeneração emocional que tem causado separações, amarguras, vícios, traições, agressões e desequilíbrio.


Poesia havia se lastrado como uma ilógica esperança aos corações. Era preciso matar os poetas. No registro da existência, apenas um ressuscitou, alguns sumiram vivos, outros sucumbiram às pedras. Mas aqui lembro-me de uma vila esférica, em algum lugar quente, onde chovia morno e adocicado.


As poesias foram queimadas. Os livros tiveram suas páginas rasgadas, mas as capas mantidas à estante. Todo papel fabricado recebia um número de série; quem comprava registrava-o em seu nome. Pouquíssimos podiam ter acesso ao papel; menor quantidade ainda tinha direito a materiais para escrever.


Entretanto, poetas teimavam em pensar e sentir. O profano ato de escrever e bater marreta no concreto ainda persistia. Quando é que isso acaba? A solução foi matar os poetas. Ou qualquer um que não tivesse a cabeça de papelão. No início foi fácil. Foram realizados concursos de literatura. Após o período de inscrição, reunia-se os participantes num galpão, ás 12 horas, sob a telha de amianto e arrancava-se o cérebro de cada um, com ternura.


Depois dos concursos, foi feito um levantamento bibliográfico. Mais cérebros. Frequentadores de bibliotecas. Mais cérebros. Namorados e casados de pouco. Mais cérebros. Locatários de filmes de vanguarda ou clássicos. Mais cérebros. Jardineiros. Mais cérebros. E assim por diante. Corpos e corvos. Uma praia cheia de urubus. O sonhos ensacolados como carniça tremulam na maresia. A tempestade lava da frustração o cílio que cai à esperança.


Os corpos não eram um bom adubo, o odor da queima gerara impacto ambiental na cidade. Havia a possibilidade de inserir a carne na dieta, mas era carne contaminada com poesia. Construiu-se então um super forno que nunca se apagava. Apenas as rosas choravam faltavam-lhe os espinhos. Falta-nos a costela. Era preciso apagar também a memória.


Beiços, testa franzidas e lágrimas não tinham mais o efeito esperado. Uma questão delicada: o que fazer com as crianças? Cangaceiros foram contratados. Eles foram os responsáveis pela escolta até oompaland.


Com o tempo e a intensificação da vacina, as cores perderam sabor, as palavras destituídas das sensações, os olhos apenas registravam o que se mostrava. Os detalhes, as particularidades, apenas poeira no canto da casa.


A vacina alcançara custo elevado. As pessoas comiam cada vez mais chocolate, arranhavam paredes, molhavam travesseiros e entupiam as filas de vacinação em busca de cura. Foi então necessário esvaziar o mundo, mas sem fazer muita sujeira. O nível de consciência alcançara padrões satisfatórios. Muitos seguiam em silêncio para o forno. Uma cena de fotografia intensamente sublime.


Alguns rebeldes foram direcionados para o Hotel Rosebud, quarto 101. Foi adotado um novo vocabulário. Um novo dicionário. Liberdade.


Preso pelas minhas memórias, efetivo ações de memórias adquiridas e não pelo que sou. Ou sou o que adquiri?”


Algumas pessoas teimavam em buscar os poetas como colibris por flores. Era preciso destruir os jardins.


Com um pé de algodão se planta o mundo inteiro”. Cada flor 20 sementes. Magnólia. Chance. Perdão. Escolhas e frogs fallen the sky.


Muitas portas arranhadas, pétalas arrancadas. Para uns, a vida é muito curta, para outros muito longa. Tempo e percepção: dois espinhos de uma mesma flor. Nada comprava poesia. Um problema surgiu; as pessoas sonhavam. Uma determinação do governo proibiu as pessoas de dormirem. A secretaria de saúde declarara como prejudicial um período de tempo no qual os pensamentos não podiam ser controlados ou ao menos direcionados. Quem fosse encontrado dormindo era executado. A mulheres receberam tratamento diferencial. Quando encontradas dormindo, eram sedadas e carregadas nos braços até o forno.


Ousadamente, um dos carregadores surtara desviando-se da rota. Depositou a mulher entre folhas e a observou dormir tal como uma flor. Pela manhã, ele preparou o café da manhã, levou até ela e se despediu com um beijo no nariz daquela flor que dormia. Caminhou ele em direção ao forno. Ela acordou em meio a uma jardim com iogurte, cereal e uma flor. Naquele dia, aquele carregador não conseguiu se livrar. O forno estava apagado para ele. Não havia saída para ele. Ele era um pé de algodão agora infestado de lagartas.


Energéticos com café: bebida oficial do governo. Dormir era privilégio de poucos. Dormiam sedados, sob vigilância armada. Ao menor sinal de sonho a execução era aplicada.


Os poucos poetas sabiam que a salvação estava próxima; chegando. Então eles poetavam e eram mortos. Cérebros arrancados, jardins despedaçados, flores concretadas, corpos queimados.


...não tornará pelo caminho da porta por onde entrou, mas sairá pela que está em frente dele...”


Inscrições eram copiadas nos muros. Pela manhã, os escritores se entregavam. Nada criado era. As palavras usadas como engrenagens. A poesia tornara-se racional. Sem sentimento, sem metalinguagem, metáforas, paráfrases e tantos outros calçados e vestuários. Era preciso acabar com a razão.



O carregador rejeitado pelo forno tornou-se errante. Não compreendia o motivo de no dia de se banhar nas chamas o forno cessara. Coincidências não aconteciam; e nada foi comentado obre o dia de folga do forno. O carregador estava confuso, atordoado por suas memórias e condenado pelas expectativas. Seus pés não paravam. Sua língua queimava bosques antes; agora, nem o fel havia sabor. Em poesia, sem sonhos e sem razão. Mas o processo de acabar com a razão estava com problemas. Foi chamado de Paradoxo China. Algum solitário, cansado por dias a fio confinado em cafeína, ideias e armas, sugeriu que para acabar com a razão era preciso doses cavalares de sonhos e poesia. Ele foi executado da forma mais cruel encontrada. Seu cérebro foi arrancado.


Um decreto estabeleceu limite à criatividade. Uma lei determinou que todos que possuíssem algum tipo de emoção deveria se apresentar em frente ao forno, às 12 horas da última sexta-feira do mês. Alguns não viam razão para isso; entretanto, o movimento de bando para o abate parecia orquestrado. E o fogo ardeu, e a chaminé quase rompeu o céu. O mundo praticamente esvaziado, a contaminação em níveis mais moderados.


O Carregador não foi ao forno. Estava contaminado por demasia para compreender e decidir. Um floco branco num galho chamou-lhe a atenção. Era um pé de algodão. Ele o chamou de Paradoxo da Alvura. Lagartas e alimentavam de suas virtudes, mas não lhe tiravam a vida. A terra continuou girando, a luz desfez as trevas, todo os contaminados desapareceram. Todo os poetas. A elite social e o governo não entenderam. Não havia razão. Apatia controlada de Yusuke. Alguns pensaram que o grande poeta havia retornado. Estes, no dia seguinte estavam no forno. Com o tempo, o forno ficou sem alimento. Uma única e enorme fila foi formada com o mais distintos da sociedade; com todo os ainda vivos. A fila seguia para o forno. Era o ápice da pureza, evolução e descontaminação. O pé de algodão, cerca de 1,87m, balançou ao vento. O Poeta voltou. Surgiu como a luz. Parou a fila; estabeleceu a razão, as emoções, os sonhos e a poesia. O forno teve alimento por uma noite intensa; foi apagado pelo Poeta.


Ao pé do pé de algodão que balançava, balançava o pé o ex carregador, que agora carregava sorrisos e alvura.


As cores ganharam vida. Os jardins. As crianças. E a mulher do nariz beijado era como flor no jardim, agora com mudas.





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