segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Colibri



Contorções e espasmos. Desdobra-se sobre mim ó território das possibilidades e instantes. Então, o próximo movimento é de uma paz sem conceitos. O papel desconhecia o peso que a pena suportava de minhas mãos emocionadas. Tão natural a emissão dos traços, que não havia a ansiedade de prever formas ou sentidos. O texto não absorvia a intensidade das palavras que de tão pessoas, revelavam-se comuns, com a mesma importância de qualquer uma.

Era uma relação diferente agora com o que marcava o tempo e o que o tempo marcava. Os traços no reflexo do espelho eram menos poéticos e mais expressionistas. Permitiam a leitura do tato, harmonizada com uma degustação de ideias sem pressa.

O relógio marcava 10:10. Os ponteiros de hora e minutos não se moviam. Mantinham-se como um pássaro em voo pleno. Se tentasse forçar eles se moverem, eles se limitavam ao mesmo quadrante. Se por um acaso acionava-se o mecanismo, voltava para a outra posição, ficava parado em 10:10. O ponteiro dos segundos intermitentemente se movimentava entre os segundos 14 e 15. Às vezes parava na marcação de 15 segundos. Estava instaurada outra relação com o tempo. Ele nem passava, e passava; compasso percebido e marcado nem era.

Anjos na memória, inundando o ser de vida; anjo no espelho, tomando decisões sem vícios. Anjo nos ombros, marcando para o porvir, um pouco do que jaz no ser mente, corpo. Asas sóbrias de um voo sombrio. O voo que solta ao vento a pena, que como caneta se atreve a tocar a paisagem. Sem bando, sem estridente canto, sem gaiolas, sem gaiolas. Afora as ilusões de bebedouros artificiais, erguidos como um suspiro na cinzenta metrópole de paisagem deturpada. Sobrevive o pássaro cor.

Neste instante o olhar possibilitou sobrepor o passado no presente sem arquitetar frustrações de futuro, mas deliciar-se com a formação de uma paisagem sensitiva, dentro. Momento de frescor sem vento, de sorriso sem sons e de suspiros sem versos em origamis.

Permita-se ao toque simples na pele. Que é toque e toca. Sem expectativas, sem conceitos elaborados, sem ... mas com tudo. O tempo que passa sem registro, mas que deixa marcas em nossa pele, em nossas mentes, interfere o nosso modo de olhar. Os ponteiros em eterno voo continuam a polinizar reflexões que além do papel e travesseiros, dos travessos sorrisos e faceiros gestos, travessias, continuam.

Quis de cortinas abertas ver o horizonte para me alimentar de paz. Suas asas perfazem no ar um caminho que o tempo não compreende; que o olhar não acompanha. Seu voo sem bando, seu canto quase mudo, as transformações do seu existir transcendem qualquer estrofe. Pássaro cor, o encantar denso do silêncio salutar.

Pássaro verso
Pouso transcende
Voo ascende
Horizonte que dobra
O que ao vento passa
Beija a flor
Pássaro cor



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