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quinta-feira, 5 de março de 2020

Marcar valor à marca



No lombo do gado uma marca reluz. Couro queimado. Cicatriz sem sentido. Quando a marca registra valor no indivíduo, afora o trocadilho, a marca que fica é o significado além dos ícones; o significante além das breves atitudes. Outrossim, a sobreposição de versões confunde o indivíduo enquanto ser social. Deixa-o atordoado com tantos acontecimentos, verdades e pós-verdades.

Quando a marca perde valor? Não se trata aqui de alteração de cores, desenhos, aplicações, mas de atitudes, de posicionamentos e escolhas. A perenidade de uma empresa depende da aceitabilidade e sustentabilidade do plano de negócios no mercado pelas partes interessadas influenciadoras do processo: clientes, acionistas, comunidade de interrelação, funcionários, fornecedores. Entretanto, a empresa não é apenas maquinário, infraestrutura e processos, mas sobretudo as pessoas com poder de decisão. Desde as decisões simples, diante de procedimentos operacionais e normas, até decisões complexas de posicionamento a respeito de temas polêmicos, estratégicos, de negócios, de relação institucional e tantos outros.

Subestimar a opinião pública é o pior caminho a se tomar. A marca pode ter anos de presença na sociedade, pode ser âncora do desempenho econômico da cidade, pode ser proprietária de significante percentual de mão de obra economicamente ativa e de imóveis ou cadeia de fornecedores e geradora de tributos. Assim que decidir subestimar a opinião pública e esconder-se na omissão ou no rosto oculto de uma nota à imprensa, escolheu o rumo de destituir valor à marca. O processo de perda de valor de uma marca pode fazer com que ela deixe de significar a pujança de sua missão e visão e passe apenas a ser mais uma cicatriz mercadológica em uma sociedade comercial.

Em um breve exercício de lembranças, pode-se encontrar várias marcas que hoje são apenas uma cicatriz no lombo do gado social.

Atualmente, embora seja um artifício legítimo, funcional e direcionador, a "nota" tem sido usada de forma exagerada e desmedida. Ela torna homogêneo o imaginário a respeito da organização uma vez que manifesta a voz sem dar um rosto.  Trata-se de um posicionamento não personificado de uma organização gerida por pessoas. Seja por estratégia (mais fácil deixar a culpa ou julgamentos de valor recaírem sobre o ícone da marca do que sobre a pessoa gestora responsável pelo posicionamento) ou por falta de um Porta-voz preparado, seguro, verdadeiro e de coragem.

É fundamental equilíbrio e planejamento para estruturar a política organizacional de posicionamento. Segmentá-la por Natureza do tema, Tema, Público Direto, Público Indireto, Potencial de desdobramento do discurso, temporalidade das ações, e ainda a matriz de riscos do fato correlato à demanda por posicionamento. Assim pode-se estabelecer diretrizes para equilibrar quando se posicionar por meio de Nota, Porta-Voz, Ação Direta, viés jurídico, articulação política e etc.

A personificação na política é amplamente debatida; nomes viram bandeiras e ideologias. Nomes estabelecem-se como o resumo do desejo da massa, que pelo voto atribui valor e poder de decisão a um indivíduo. No mercado corporativo, as empresas apenas revelam um rosto à frente o ícone da marca quando o assunto é positivo. Quando se trata de um tema polêmico, telefones tocam sem parar, e-mails chegam sem resposta. Ou uma resposta padrão é pontualmente dada, até que saiam as notas.  A preliminar de forma vaga, e posteriormente as complementações, com dados técnicos e elucidações. Quando a bomba estoura juridicamente e de forma exacerbada na opinião pública, surge um Porta-voz para não apenas personificar o posicionamento e reforçar mensagem, mas para assumir a responsabilidade civil pela organização. Aí já é tarde!

Contudo, diante de tantos fatos questionáveis (em uma era social em que tudo se questiona e se publica), muitas marcas, por medo ou despreparo acabam por subestimar a opinião pública. Soterrando-as com notas e palavras ao vento. Seja com omissão, reforço de pós-verdade, controle comercial indireto dos meios de comunicação, mentira maquilada até mesmo com base científica (de pesquisas subsidiadas pelo setor parte interessada no viés de confirmação).

Para as organizações transitarem pela memória da opinião pública não há fórmula; trata-se de um processo que exige esforço, ritmo, maturidade e transparência para compor mensagens, significantes e significados. A área que cuida destes processos deve estar atenta, alinhada e capacitada. A mensuração dos resultados é possível (e nada abstrata) e um trabalho bem feito (com direito a trocadilho) marca Valor positivo à marca da organização.

... em breve falo mais sobre o tema aqui... 

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

A narrativa bate à porta?




Para comunicar de forma mais efetiva as narrativas corporativas (ou não) é preciso conhecer melhor o indivíduo atual e seu sistema de relevância. Como entrar com a mensagem na casa dele, se não conhecemos o que ele chama de casa? O processo de estruturação da narrativa deve considerar a atualização de seu destino. Onde irá chegar e como irá entrar? A corrente de conceitos que o indivíduo opera é a chave para o êxito na construção das mensagens e relações.

Lugares resignificados. Lares reestruturados. Não mais casa de mãe e pai. Agora às vezes a casa é de muitos filhos, sem pais. Outras, só pais e pais, ou mães e mães. Grande parte, casa de avós, que criam netos como uma "segunda chamada (rodada)" dos filhos. Espaços que são lares, independentemente da nova configuração; a missão dos lugares é atender à mesma demanda: ser um lugar para o indivíduo no mundo. Se será de tormento, de aconchego; como será o aprendizado e para onde irão os caminhos não está prescrito em busca de praça pública.  Quando com fé mudamos o olhar sobre a vida, sobre a matéria que nos cerca, sobre os conceitos que nos  fazem, sobre os gestores que reverberamos no espaço, o peso, a leveza de ser, se transforma de maneira sutil, embora intensa. A vivência, cada vez mais é posta como diferencial, afora o conhecimento, a vivência. Sentimentos e sensações, misturar-se às texturas, sentir o frescor e movimento do ar. Sentir o amargo sem demagogia. Utilizar das plataformas de comunicação sem se tornar refém ou algoz. Importante atentar-se a se desdobrar em vivenciar tempo e espaço por outras perspectivas.

O lar às vezes está carregado no pulso com os smartwatch, ou nos bolsos com os smartphones. Segunda tela, telas urbanas, as novas ondas do rádio. As narrativas via streaming correm como cavalo sem rédeas, puro pêlo. Os criadores de narrativas corporativas se jogam a tentar domar, se não conseguem, tentam correr em paralelo... que corrida maluca. Investem em jovens pensando que a energia dará conta, mantêm os antigos na esperança de algo seguro para magnetizar esta busca por comunicar melhor. O conflito de gerações nunca foi tão exposto e necessário. A sociedade líquida precisa refletir sobre seu estado de transição. Assim, as organizações precisam dedicar-se mais a um perfil analítico que possibilite simultaneamente atuar em multiplataformas com narrativas bem estruturadas (não na euforia ou envelopamento de discursos), de forma a dialogar.

Uma avalanche de treinamentos tem instigado os líderes a integrarem-se ao conceito de uma sociedade (e não apenas indústria) 4.0; envolvendo-se com a vanguarda. Entretanto, só haverá resultado efetivo se as ações destes gestores se desdobrarem em uma mudança real de atitude e atuação.

Para proteger a reputação e imagem das respectivas organizações; as empresas querem mudar a postura, o modo de atuar, e também de comunicar, mas não planejam as ações para obter os resultados; anseiam os resultados imediatos e atropelam os processos. Todavia, a busca de uma nova postura tem possibilitado posicionamentos e relações promissoras. Há esperança.

domingo, 7 de maio de 2017

Raspas



O apagar as luzes da sala de teatro é abrir uma nova dimensão dentro de nós. Somos, na plateia, um novo personagem na trama. Os conceitos se transformam no silêncio. Vivenciamos ao mesmo tempo o personagem que somos e a persona que assistimos. Não era o que se esperava, pois o que esperava era o que ali não haveria naquelas circunstâncias. O tremor, as sirenes, os suspiros. As paredes não abraçam, não contêm nem libertam. Deveria estender mais o olhar para perceber dobrar ao longe de sua face o frescor de um novo dia. Deveria ter atentado para os detalhes da crueldade dos olhos que brilhavam no escuro. A sanidade encontrada na desilusão.

O pouso do beija-flor e seu voo. Antecede a flor. Rompe o broto o solo úmido. Fere a terra para crescer, busca a luz sem alçar um olhar, estende seus ramos, firma-se no horizonte. Entre brisa, orvalho, pleno sol, chuva, luz. Entre folhas, floresce. Começa então seu outro momento, à espera de um beijo. O corpo que se curva ao vento, reconhece seus membros, aprende a voar. Aprende a se apaixonar.

Áspero, sua suavidade desanuviou na textura de suas lembranças. Assim, ela  seguiu sem sentir seus dedos se entrelaçarem na mão de quem puramente a ama. Flor. Escolheu o luxo, e as mentiras, abraçou a conveniência, o ensaio ao invés do pleno ato. Despetalada. Cozia suas memórias alinhavando com suas dores. Mas o bom ator sabe que não há atuação dentro da própria mente. O corpo é o próprio texto para quem sabe ler em braile. O Corpo manifesta o que as falas do personagem não conseguem transmitir. A luz é uma narrativa à parte (como em Urgente da Luna Lunera). O tempo é diretor, regente, é argumento, é personagem.

Quando confiança perdeu as palavras, me calo, me castro, me rompo em simplicidade uma vez que meu aberto universo não repousa em conceitos cotidianos. A medida da beleza submetida ao rigor de um outro olhar, perpassa o coração e faz mais uma vez florir. Não é o prédio que está caindo. O beija-flor alça seu olhar, renova seu voo, transforma-se no silêncio, esse anjo.

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O Poder do contra






Regimes Democráticos contemporâneos e a iminência da ruptura

O retrato social revela um comportamento popular que exemplifica as interferências sociais do sistema político vigente. A sociedade leiloa seus direitos a poderes e representantes que mais empatia geram. Legislativo, executivo e judiciário estão repletos de protagonistas que defendem um projeto político que manipula a população em função das facilidades de sempre: aumento e garantia de poder aquisitivo. Uma reforma do sistema político deve partir do rompimento deste paradigma: o das facilidades e das riquezas. Quando o fazer política, uma vocação natural humana, deixar de ser um negócio, quando passar a reunir a sociedade de forma que ela possa compreender as ferramentas que possui para forjar um novo sistema que vá além dos precedentes.

Desta feita, é máster promover uma releitura de como o pensamento político e visão da sociedade percorreu a história e estruturação dos regimes que organizam e regem a sociedade além das gerações. Mas o que possibilita o pensamento de que o sistema político vigente precisa de uma ruptura e sucessão? O trânsito livre pelo mercado integrado pela acessibilidade da globalização revolucionou as concepções de liberdade e desenvolvimento, diálogos culturais, mas também acentuou as mazelas do indivíduo, expondo fragilidades.

Forjada nas frustrações sociais, a democracia foi usada como brasão de um sistema de ordem social. “A crença democrática é a crença no homem comum… é a crença na capacidade de todas as pessoas para dirigir sua própria vida”. DEWEY (1939). Concebida como o governo do povo, a democracia foi disseminada para todos como um mecanismo para todos, mas suas especificidades não eram expostas. Desde a Grécia antiga, passando por suas diversas releituras, a democracia embutia em sua operacionalização a exclusão do próprio povo, pela seleção das vozes interferentes do que vem a ser a ideologia democrática. Se conceitualmente povo representava uma sociedade de homens livres e de direitos iguais, na prática, essa concepção de povo se referia ao povo controlado, mas o povo interventor nas políticas públicas não tinha a voz de mulheres, escravos, e jovens menores de 18 anos.

Assim, podia-se dizer que o sistema político ateniense era constituído por homens livres selecionados, pois uma triagem era realizada para definir quem pertence como interventor no referido sistema. A esfera pública então, não representa o povo em sua totalidade, mas o controla sob o argumento de representar a voz popular.

A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana. (HABERMAS, 2003: 92).

Assim, é possível também perceber que a opinião pública não representa a representação popular, da sociedade, mas sim a manifestação da vontade de um grupo dominante que se impõe como consenso, como opinião da massa.

"Uma das dimensões muito importantes da teatralização é a teatralização do interesse pelo interesse geral; é a teatralização da convicção do interesse pelo universal, do desinteresse do homem político – teatralização da fé no padre, da convição do homem político, de sua confiança naquilo que faz. Se a teatralização da convicção faz parte das condições tácitas do exercício da profissão de clérigo – se um professor de filosofia deve parecer acreditar na filosofia -, é porque é a homenagem fundamental do personagem oficial para com a autoridade; é aquilo que precisa conceder à autoridade para ser uma autoridade, para ser um verdadeiro personagem oficial. O desinteresse não é uma virtude secundária: é a virtude política de todos os mandatários. As escapadelas dos padres, os escândalos políticos são o colapso dessa espécie de fé política na qual todos estão de má-fé, a fé sendo uma espécie de má-fé coletiva, no sentido sartriano: um jogo no qual todos mentem a si mesmos e aos outros, sabendo que os outros também mentem a si mesmos". (Bourdieu 2012)

Durante muito tempo o modo de controle popular, de subjugar a opinião pública, pela castração do direito de participar do processo decisório. A observação quanto aos argumentos de Bobbio (2000) quanto a democracia, o controle e legitimação do controle introspectados nela evoca uma reflexão além de paradigmas. A massa tem força para intervir, mas não tem união e direcionamento. Sua voz é forte, mas seus argumentos não tem continuidade.

O poder de intervenção da massa está na sua expansão territorial, envolvimento nas diversas camadas produtivas da sociedade e pelo seu quantitativo em grupo. Se cada indivíduo estiver alinhando e com a cultura de mudança e participação política como principio introjetado em sua constituição pessoal, quando em grupo ele se comportará de maneira alinhada aos demais e assim propiciará a construção de um consenso, de uma multifacetada voz de intervenção política e social.

Bobbio em sua obra discorre sobre os aspectos que orquestraram a dissolução da sociedade orgânica em prol de ideologias individualistas de sociedade, baseadas na sobreposição de poderes e supressão de direitos. O contratualismo, e sua hipótese de estado de natureza, na qual o povo deveria aceitar soberanos naturais em acordo para reger a sociedade rumo a vida e liberdade remete às defesas de argumento de Hitler na estruturação e seu governo. Soma-se a isso a economia política e sus visão do indivíduo singular como membro ativo (economicamente) e a filosofia utilitarista considerando estados essencialmente individuais.

Neste cenário, a democracia então propiciou o surgimento do liberalismo. Se um defende a voz e participação política do povo, o outro defende as liberdades individuais, e especialmente a liberdade econômica. O Estado era visto como um personagem a parte no mercado, dessa forma nasceu uma sociedade industrial capitalista, focada na conquista de mercado para alimentar liberdades individuais e potencializar o consumo dos sujeitos como alimento para o mercado e sistema de produção.

Em uma sociedade liberal, onde as decisões por meio de práticas democráticas previam deliberação pela votação de agentes racionais. A valorização do coletivo era modulada pela aceitação do poder decisório da maioria sobre a minoria. Então, a soberania popular foi compreendida como verdade com a instituição do sufrágio universal a partir do século XIX. No entanto, a liberdade do voto era cerceada pelos interesses políticos e econômicos do grupo dominante do sistema vigente. A democracia como o consenso a partir de tradições e nacionalismo, o liberalismo como a constante quebra de paradigmas em prol das liberdades individuais, mesmo que isso represente suprimir os direitos de um grupo menor.

... o que distingue um sistema democrático dos sistemas não-democráticos é um conjunto de regras do jogo. Mais precisamente, o que distingue um sistema democrático não é apenas o fato de possuir as suas regras do jogo (todo sistema as tem, mais ou menos claras, mais ou menos complexas), mas sobretudo o fato de que estas regras, amadurecidas ao longo de séculos de provas e contraprovas, são muito mais elaboradas do que as regras de outros sistemas e encontram-se hoje, quase por toda parte (BOBBIO, 2000, p. 77-78).

As democracias modernas então, para subsistir, dependem da limitação da maioria; procedimentos eleitorais com fluxos definidos; transmissão do poder dos representantes em um processo complexo e fechado. O desafio da operacionalização de um sistema democrático não está apenas na definição e garantia dos fluxos, mas sobretudo, na conquista da credibilidade e confiança junto à sociedade. A população deve estar convencida de que o processo vigente é o mais eficiente e confiável possível para definição do poder representativo e constituição de políticas públicas.

Sabemos por experiência própria que no momento mesmo em que a democracia se expande ela corre o risco de se corromper, já que se encontra continuamente diante de obstáculos não previstos que precisam ser superados sem que se altere a sua própria natureza, e está obrigada a se adaptar continuamente à invenção de novos meios de comunicação e de formação da opinião pública, que podem ser usados tanto para infundir-lhe nova vida quanto para entorpecê-la (BOBBIO, 2000, p. 17).

Na constituição de um regime democrático, a oposição precisa não ser morna, mas oscilar entre o ser “fria” e ser “quente” para assim justificar as transições e até mesmo reforçar regimes. Neste mesmo cenário, a miséria e a apatia da sociedade devem ser controladas para garantir que o regime político flua sem grandes obstáculos e ruína. Percebe-se então que a desigualdade deve sempre existir, mas nunca em demasia ou escassez, tendo um pluralismo subcultural baixo como mecanismo de participação política.
As nações em que o método democrático supracitado mais ocorrem são as grandes nações industriais. Neste sentido, para favorecer esta estrutura precis de alguns aspectos tais como: Grupo dominante (mateil humano da política de alta qualidade); limitar o centro de decisões; formalizar os fluxos em uma burocracia tradicional, bem treinada; Controle e aceitação dos limites democráticos. Ou seja, o controle da participação e da aceitação é primordial para a perenidade do sistema.

Acredito, e já o disse muitas vezes, que não deve o sapateiro ir além do sapato. Não creio em versatilidade. Recorro ao sapateiro quando quero sapatos e não ideias. Creio que o governo deve caber àqueles que sabem, e os outros devem, para seu próprio bem, seguir suas recomendações, tal como seguem as do médico (STONE: 1998)

Schumpeter apresenta uma perspectiva que corrobora com o pensamento de que no socialismo a produção e distribuição de bens e serviços atenderia as necessidades autênticas da população. Sem considerar as nuances do capitalismo que renovariam o mercado e o potencial de cada indivíduo em empreender e rever as relações de trabalho e produção (ex: tecnologias e livre mercado), Schumpeter via uma transição do capitalismo para o socialismo como algo necessário para sanar as mazelas sociais. Contudo, a burguesia sempre temeu a ascensão dos pobres e por isso sempre teve nas restrições do sufrágio um mecanismo de defesa.

No terceiro milênio, a esquerda entrou em colapso ao não conseguir se estruturar de forma a coexistir com o capitalismo, uma vez que as interferências e interdependências financeiras e das relações comerciais conflitam o pensamento de esquerda no que concerne a democracia e desenvolvimento.

O capitalismo de forma natural suprimiu a democracia liberal, que defendia a liberdade do indivíduo e sua interação e voz enquanto povo. Entretanto, o pleito pela igualdade no acesso a recursos (bens e serviços) cada vez mais crescente não tem ganhado espaço no centro decisório, uma vez que a opinião pública castrada não consegue se estabelecer coo interlocutor de um contexto social pujante, na iminência de mudança, em face de ruptura com o sistema vigente. Assim as manifestações sociais ganham mais força e recorrência, pois se instalam no contexto social como uma terceira vertente entre a narrativa do poder e a narrativa da suposta opinião pública.

A democracia é o poder do contra. É o fluxo alternado das decisões padronizadas pelo grupo dominante. O voto censitário, o sufrágio universal; tentativas de encontrar um modo de viabilizar a materialização de conceitos e práticas de uma política que viabilize a sociedade de forma organizada e aprazível para todos. O Estado alternou suas formatações de patrimonial, absolutista, e de direito ao longo das gerações, adequando-se à nova dinâmica de uso e ocupação territorial, com os movimentos populares sendo imponderados. Os Estados atuais intercalam entre democracia clássica, democracia progressista ou socialista e autoritário. Enquanto os democráticos possuem sistemas parlamentarista, presidencialista e de assembleia, os autoritários se baseiam em cesarismo, ditadura e o poder individualizado.

Os autoritários defendem a ideologia de um grupo dominante, representada pelas vontades de uma liderança, enquanto os regimes democráticos deverias estar focados na realização da pessoa humana, na satisfação do indivíduo visto como comum (destituído de poderes interventores no grupo dominante da sociedade).

Todavia, é relevante para a compreensão da coexistência dos diversos sistemas políticos e regimes a licença social. A aceitação da massa quanto ao que lhe é imposto. Aceitam o sistema, mas não necessariamente as ideias isoladas e demais deliberações. A alienação controlada nos sistemas autoritários faz com que o indivíduo tenha a limitada sensação de liberdade em busca da satisfação pessoal (para atingir seus fins da maneira que desejarem sem que esses fins interfiram na dimensão política) e se sinta um cidadão capaz de contribuir na organização e desenvolvimento da sociedade.

Stork e Echevarría tratam da liberdade social como algo "em que os ideais possam ser vividos, e que toda pessoa tenha em suas mãos, a possibilidade de realizar suas metas". Nesta linha, Kant aborda a liberdade como o direito do indivíduo de dar próprias regras e moral à vida, e não apenas exercer vontades. Trata-se de algo construído, o livre arbítrio. Sartre a vê como condição natural do ser humano, manifestado pela vontade. Marx a vê como atributo dos indivíduos em relação aos bens materiais e serviços. Tantas outras são as leituras do que vem a ser liberdade e qual a liberdade ideal e qual a almejada pela sociedade.

A liberdade como premissa de ser “mestre de si mesmo” não pode existir com os padrões de organização social contemporâneos. Uma estrutura de vanguarda seria necessária, pois ao observarmos o Estado Liberal de Direito, com a democracia clássica (estruturada no sufrágio universal / equilíbrio de poder / pluralismo partidário / autogoverno locais / supremacia da lei) e a atual configuração de conflitos sociais, percebe-se seu colapso.

A estabilidade social não está ligada à estabilidade política, uma vez que percebemos que a configuração social segmentou suas expectativas e confiança do sistema político. Desta forma, um processo de entropia está instalado na sociedade, de forma que os conceitos como democracia e liberdade perderam sua força social e tornaram-se bandeira de movimentos e manifestações.

A trajetória de tentativas e erros da comunidade primitiva, escravidão, feudalismo, capitalismo, socialismo mostra uma busca do ser humano por harmonia, paz, perenidade, personalidade, conforto, subsistência, igualdade e liberdade. Não há mais espaço para sistemas amparados em violência e força como imposição social e argumentação política (Facismo). A pseudodemocracia garantiu ascensão política de ideologias e indivíduos que afetaram a psique social de forma fazer emergir guerras como instrumentos de harmonização da comunidade local, nacional e mundial.

Os conflitos passaram a ser concebidos como instrumento de resolução de controvérsias sociais e interesses divergentes. Seja na escala local, com manifestações de classes, ao invés do diálogo instituído, seja pelas guerras civis, crimes organizados, guerras entre nações.

O retrato social reforça o quanto estão obsoletos os sistemas percorridos, e evoca uma mudança, sem receitas, sem caminhos, apenas rumos. As decisões políticas e ideologias não podem mais serem tratadas com ortodoxia, como dogmas da organização social. 

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. (2000). O futuro da democracia. Trad. Marco Aurélio Nogueira. 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
BOURDIEU, Pierre. Fonte: Le Monde Diplomatique – Il manifesto, via micromega Janeiro de 2012 / Tradução: Mario S. Mieli
Cf. Stone, I, F. (1988). O julgamento de Sócrates. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Cf. Dewey, John (1939). “Creative Democracy: the task before us” in The Essential Dewey: Vol. 1 – Pragmatism, Education, Democracy. Indianapolis: Indiana University Press, 1998.
HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.

SCHUMPETER, J. Capitalismo, socialismo, democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961. pp. 305-366.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Títeres


Espera-se compreender o ser humano e o desdobramento de suas ações na manutenção da sociedade. Para isso, faz-se necessário observar suas diversas relações e padrões de comportamento e evolução. Alguns sociólogos e antropólogos acreditavam que para atingir a desejada análise do ser, era necessário destituí-lo de tudo que o compõe e observa separadamente e depois verificar o conjunto. Uma busca por constantes universais do traço humano.


As constantes universais não se constituem a melhor estratégia para compreender a constituição do ser humano. Clifford Geertz já afirmou que “pode ser que nas particularidades dos povos sejam encontradas algumas revelações mais instrutivas sobre o que é genericamente humano” (GEERTZ 1989).


Assim, ao observar o modus operandi do indivíduo enquanto sujeito social, percebe-se que ele alterna entre momentos de busca por poder e transferência de poder para evitar desgaste e obter zonas de conforto.


No que concerne a representação social, importante verificar a personifersonalização política reflete uma busca humana por referenciais que guiam e representam a massa em cenários complexos. No entanto, quando direcionado o referencial para um personagem, se ele cai moralmente, corrompe uma ideologia e rotula os representados. a transferência de atribuições e responsabilidades faz com que um personagem esteja acima de grupos. A individualização da representação social propicia o colapso moral do que se entende como sociedade. No entanto, esse processo é característica humana em busca de referenciais.


O processo supracitado favorece também à alienação. Um exemplo pode ser observado no comportamento social nas eleições. O desconhecimento sobre o funcionamento do processo político das listas fechadas e abertas e voto de legenda faz com que a tradição por personalizar eleja famosos e emposse oportunistas de baixa representatividade. Deste modo, nada muda; enquanto se depositar a esperança de um mundo melhor em um personagem, um salvador, e não em uma instituição política comprometida com demandas e valores sociais. A massa busca por um Messias, mas elege sempre um Pilatos, aliando-se a Barrabás. Revisitar a história política no Brasil e no mundo e transitar por trajetórias pessoais que interferiram na ordem social com o pretexto de defender interesses coletivos. Pense em épocas e lembrará de nomes  ao invés de pensamentos. O ser humano vive em busca de referenciar tudo o que vê e conhece,e se possível personaliza, delegando funções que o permitam voltar para zona de conforto social.


A construção do ideal a partir de uma personagem tem causado furor social no Brasil, pois uma ideologia e plano de governo não pode ser preso, ou ter a vida pessoal desmoralizada, mas um personagem sim. As recorrentes investigações em diversas esferas, com punição, prisões e até mesmo desconstrução dos personagens eleitos têm exigido da população uma reflexão sobre os referenciais, a busca por novos personagens e até mesmo um novo olhar sobre o modelamento político social, que deve transitar da personalização para uma madura cultura colaborativa, talvez como no visionário La Belle Verte (França: 1996 Dir. Coline Serreau).


Portanto, para melhor conceber uma percepção do ser humano no processo de personalização de sua  na sociedade, definindo um sujeito como soberano das decisões da massa, é fundamental fazer uma leitura de paisagem, mais abrangente, compreendendo a formação da consciência crítica e como se forma a esfera e opinião pública.


  • Opinião Pública - (não)


“A esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas específicos. Do mesmo modo que o mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se reproduz através do agir comunicativo, implicando apenas o domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana.” (HABERMAS, 2003: 92).


Considerando a imprensa, a mídia, o termômetro e cajado social, é relevante ver à luz da escola de Frankfurt, a maneira que a comunicação interfere e modula a política social. Trata-se de um olhar que vai além da teoria do agendamento (Agenda Setting) mas que consegue observar os discursos serem embalados em uma narrativa que transforma um interesse segmentado (ou até mesmo individual) em patrimônio cultural da massa, interferindo assim nos padrões de comportamento social. A mídia alimenta o que condena para manter-se no fiel da balança de interesses. Com o avanço das plataformas, o ciberespaço e a inteligência coletiva (conforme concebe Levy) tornou-se palco do fazer político, empoderando a comunicação. A organização política ganha assim novas nuances de articulação com as novas plataformas e linguagens de comunicação. A interação social então é contaminada pelo repertório de cada indivíduo, mas elementarmente pelo que considera coletivo, público ou privado; seja o espaço, seja o discurso.


Então emerge, na Era da Informação, a dicotomia entre Opinião Pública e Opinião tornada pública (Publicada). A autonomia da população e sua pública opinião é questionável, uma vez que é orquestrada pela mídia. É possível verificar então um processo de teatralização dos discursos. A opinião pública não existe para Bordieu, pelo menos não como concebem e defendem os meios de comunicação e pesquisa.

Uma das dimensões muito importantes da teatralização é a teatralização do interesse pelo interesse geral; é a teatralização da convicção do interesse pelo universal, do desinteresse do homem político – teatralização da fé no padre, da convição do homem político, de sua confiança naquilo que faz. Se a teatralização da convicção faz parte das condições tácitas do exercício da profissão de clérigo – se um professor de filosofia deve parecer acreditar na filosofia -, é porque é a homenagem fundamental do personagem oficial para com a autoridade; é aquilo que precisa conceder à autoridade para ser uma autoridade, para ser um verdadeiro personagem oficial. O desinteresse não é uma virtude secundária: é a virtude política de todos os mandatários. As escapadelas dos padres, os escândalos políticos são o colapso dessa espécie de fé política na qual todos estão de má-fé, a fé sendo uma espécie de má-fé coletiva, no sentido sartriano: um jogo no qual todos mentem a si mesmos e aos outros, sabendo que os outros também mentem a si mesmos. (Bourdieu 2012)

"Um homem oficial é um ventríloquo que fala em nome do Estado" (BOURDIEU 2012). A comunicação política  deveria atuar como instrumento de esclarecimento e embasamento para a opinião pública escolher os rumos da sociedade. Além de instrumento de argumento para tomada de decisão, a comunicação deveria ser um mediador do diálogo transparente da gestão pública e atuação política com a sociedade. Entretanto, ela funciona como um cabresto de influência com uma narrativa viciada em prol de um personagem e não do público, revelando deste modo um dos riscos de personalizar a política.


A mídia (meio) exerce então poder de controle e não de mediação na sociedade e a política (tudo referente a cidade, civilização e público) cada vez mais se restringe a artimanhas concernentes aos interesses de alguns personagens detentores de poder;poder esse concedido pela massa que o condena. E esse quadro não muda apenas com as recorrentes manifestações e rompimentos cíclicos na história da humanidade, pois eles caracterizam enas a transição de paradigmas como defende Kuhn e sua revolução científica. A mudança almejada no modelamento político da sociedade depende de um processo de “desaprendizado” como defendia Manoel de Barros em seus livros. Buscai as pré-coisas e vislumbrem um novo horizonte debaixo dos pés. Caso contrário, permaneceremos na dança dos títeres. Alternando apenas funcionalidades e paradigmas.

BOURDIEU, Pierre. Fonte: Le Monde Diplomatique – Il manifesto, via micromega Janeiro de 2012 / Tradução: Mario S. Mieli


GEERTZ, Clifford: A interpretação das culturas, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1989.


HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1984.

Publicado também em minha página no Obvious - http://obviousmag.org/rumos

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

climáticas mudanças


Alternância conceitual, sensações dançam em um frenético ritmo, o do silêncio. A mudança. Felicidade. Busca. A inquietação alimenta estigmas da humanidade que pulsam na iminência de encontrar a peça que lhe falta no quebra-cabeça. Uns vivem ignorando este fato, e se atêm às praticidades da vida (seja por necessidade - princípio básico de foco na sobrevivência - ou por simples alienação pelo conforto de apenas fluir), outros enlouquecem a percebê-lo. E sempre há os que transitam pela cidade das sombras sabendo a verdade de Shell Beach, mas ainda querendo refrescar-se nela.

Calmas águas levam sentimentos para o mar. Terra, peixes, madeira e algumas estrofes despedaçadas. Ele não sabia que parte dele também ia naquele rio. Parte que ele nem sabia que dele um dia já foi.

Sorrisos trincados rompem o horizonte. A sala se enche de uma expectativa morta, de uma sensação estranha de esmagamento, a partir de dentro. Os olhos indicam um coração espremido. Prestes a transbordar, o olhar toma as rédeas dos pensamentos e alça voo.

Sutil como um raio rompe o céu. Algumas situações fazem estrago pela sutileza que carregam. O estrondo posterior apenas é lamúria fúnebre de uma emoção sepultada, de um agonizante sentimento que outrora pujante exalava beleza.

De todo o papel gasto, que palavras faltam? Quais sobram? O amor posto à prova, perpassa chuva, sol e desconstruções. Se morre, era mesmo ele amor? ou ensaio? se vivo, permanece o que há de ser? "O amor, quando nasce, só vê a vida, o amor que dura vê a eternidade". Victor Hugo in 'Carta a Juliette Drouet'

Climáticas, mudanças despontam no horizonte. Brilha.


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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Conteúdo Social - as narrativas pulsam


Uma matriz de conceitos rege organizações e até mesmo confunde gestores em uma promessa de êxito de fluxos complexos em busca de transparência, que aparentemente deveria ser o resultado de processo simples. Matriz de risco, sustentabilidade, responsabilidade social, engajamento profissional, territorialidade, compliance, stakeholders, brandend content e tantos outros.

Richard Edelman, referência em Relações Públicas, com graduação e MBA em Harvard, afirma que “Ganhar dinheiro apenas já não é o suficiente; é preciso também melhorar ativamente a sociedade. As organizações têm a obrigação de demonstrar altos padrões éticos e provar continuamente que não estão interligadas de forma indecorosa com líderes do governo”.

Percebe-se que os padrões éticos de uma corporação devem estar refletidos em suas narrativas não de forma engessada, mas de forma que os empregados da empresa absorvam e reproduzam o discurso da empresa se apropriando dele como seu. Brandend Content e as novas nuances midiáticas interferindo ou se adequando ao fluxo social contemporâneo. O modo como as pessoas se relacionam com a comunicação, na geração e absorção da informação e criação de sentidos exige novo modelamento. Em um ritmo frenético entre acessar e produzir conteúdo, o usuário não se permite a intervalos, dar pasto a vista em comerciais. Então o conteúdo de marca surge como possibilidade, mas não pode se estabelecer como no filme O Demolidor (1993 - Dir. Marco Brambilla) onde os jingles (em seu formato original) se tornaram produto cultural, suprimindo conteúdos.

Deste modo, o conteúdo passa a ser o novo subproduto das corporações. Uma espécie de venda casada que impulsiona o consumo, a venda e a absorção da mensagem. A partir de narrativas que remetem à raiz e história relevante para o público alvo, os conteúdos devem ser elaborados a partir da transparência, legitimidade, qualidade e irreverência, para que o indivíduo perceba que se trata de um conteúdo de marca, mas que aquela narrativa apresentada o proporciona uma reflexão ou um dado relevante para seu universo particular. Além de um produto, a moral da história. Por meio do conteúdo de marca a empresa espalha sua missão, vende seu produto e busca se integrar à sociedade de forma igualitária.

O conteúdo de marca amplifica as ideias além dos produtos. Essa narrativa trabalha sobre as premissas Desejo, Necessidade, Vontade; como no final da música dos Titãs “Comida” (1987 - composição de Arnaldo Antunes/Sérgio Brito/Marcelo Fromer).

O marketing então nesse cenário, assim como o jornalismo, se coloca no lugar das pessoas como uma delas, de forma verdadeira, fazendo a diferença na vida das pessoas a partir dessa ambientação. As narrativas são ambientadas, regionalizadas sem perder o link com o macro universo da sociedade. Semelhante foi feito no cinema com o livro de Ismail Kadaré que fala do Kanun, um código de lei de origem patriarcal que prega um loop eterno de vinganças e foi adaptada em Abril Despedaçado (2001 – Dir. Walter Salles) regionalizando a questão que aqui também se encontra. Essa dinâmica, quando aplicada por corporações, alavanca aceitação de conceitos, interfere em comportamentos sociais, dentre eles o consumo, favorecendo venda de determinados produtos.

O jornalismo assim permeia vertentes que podem representar uma nova ordem na organização da profissão e interferência na sociedade. O jornalismo também como instrumento para elaboração de um correto conteúdo de marca, que não se aprisiona na publicidade de convencer, mas no conteúdo de promover reflexão, interferência e poder de escolha; conviver. As narrativas pulsam, perpassam plataformas e linguagens e padrões sociais. Percebem a pessoa como indivíduo e sujeito social. Instigam e acalentam.

Pode-se afirmar então que essa narrativa conduz a interpretação do público, educando-o para relacionar o conteúdo não apenas a uma marca, mas a um padrão social que transcende paradigmas e valoriza ainda a cultura.

Para viabilizar o acesso frenético da geração contemporânea o streaming estabelece um novo modelo de consumo de dados. Milhões se entregam a este serviço como única ferramenta (Netflix 80 milhões de assinantes, Spotify 40 milhões, Apple Music 17 milhões). O streaming é o poder do instante. Vale mais o agora, o “enquanto eu acesso” do que o download. A apropriação do conteúdo muda. Não é preciso ter o arquivo, a informação, o produto, mas poder acessá-lo quando e como quiser. Assim percebe-se como se alastra o perfil colaborativo de mídia, criação e gestão de dados, e também de espaços (ex: escritórios Co-working).

O Youtube está para o mundo o que a Rede Globo foi para o Brasil durante décadas. Janela da realidade. No entanto, a grade livre do youtube é um ciclo que oscila, revoluciona e permite que cada um produza e consuma o que quiser, como quiser de onde estiver. Aparelhos filmam com qualidade, publicam e distribuem dados com rapidez. A produção barata impulsiona lucros.  Todavia, uma nova configuração de cobrança aponta nuances de um mercado jovem (internet) que reorganizou o modo de fazer negócios, de fazer política, de comunicar, de ser sociedade.


Narrativas palpáveis que entregam sentidos e promovam envolvimento. Assim, seja por streaming ou por conteúdo de marca, a comunicação segue atualizando formatos, plataformas e linguagens, alternando padrões e fluxos em busca de interligar seres humanos e mensagens.

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Individuus


 

 
A organização social contemporânea impele ao indivíduo um comportamento de egocentrismo. Para coexistir o ator social com esse perfil precisa de público e referência, para então impor suas singularidades, legitimando-as como objeto de consenso ou bem-estar social. Importante considerar a etimologia; do latim medieval individuus (indivisível), que é formado de in + dividuus. O vocábulo dividuus vem de dividere (dividir). O processo de formação de indivíduos compreende interferências da sociedade, ou seja, depende das relações sociais e culturais (variando o grau de intensidade), formando assim a identidade do ator social.

A construção da realidade social passa pelo interesse. Interesse constituído pelas vontades, necessidades individuais, e pelo consenso coletivo subsequente. O sujeito está cada vez mais centralizado como ator social individualizado, interferindo na Rede Social para apenas atender seus objetivos, isso até mesmo quando demonstra nuances de altruísmo. Este aspecto fica latente quando consideramos a leitura que Adorno faz do indivíduo em sociedade, enquanto sujeito, onde por mais que submete-se a fluxos impostos por uma liderança social, ele executa suas escolhas tendo como motivado os próprios interesses, as respectivas singularidades.

A cultura de massa impõe um padrão cultural e um modus operandi da sociedade concebida como um corpo, mas não consegue controlar totalmente os membros deste corpo, sendo os indivíduos os referidos membros. Fato que aponta uma fragilidade e uma força em toda organização social: um membro pode atrofiar o corpo social e corromper a ordem imposta, mas para ser eficaz ele precisa de aliados, formando assim um novo grupo, que precisará de regras gerais consensuais, estabelecendo então um paradoxo, onde para atingir interesse de suas singularidades, o ator social precisa tornar coletivo algo que é individual. O epicentro do conflito neste caso não é o interesse, tampouco o individualismo, mas o controle. O que antes era exercido pela força física, agora materializa-se nas entrelinhas de narrativas midiáticas e na ressignificação dos padrões.

Cada sociedade/grupo social possui seus padrões de saciedade e felicidade. O que outrora foi medido pela saúde, dentes, capacidade física, passou a ser por meio da posse de bens materiais ou mecanismos de poder (Mercado / Autoridade / Mídia / etc.). Assim, a construção da realidade social ultrapassa os aspectos da singularidade do sujeito, pois está ligada à interação dessas singularidades com a paisagem formada por oportunidades e demandas.

A globalização estimulou a integração de padrões territoriais de modo a possibilitar o diálogo de “tribos”, de suas demandas, anseios e oportunidades de saciá-las além fronteiras; considerando demandas e anseios nos aspectos culturais, econômicos, intelectuais, de subsistência e desenvolvimento.

Neste ínterim, a arte e suas diversas concepções, tornou-se instrumento essencial de manutenção dos padrões sociais; tanto para reafirmar quanto para romper paradigmas e sobrepor dogmas. Desta forma, a noção de identidade de um ator social depende de suas singularidades enquanto indivíduo e de sua interação na paisagem social, perpassando pelas influências em “si” dos produtos culturais que consome, acessa ou até mesmo reproduz. Isto pode ser observado nas dinâmicas de apropriação e ocupação territorial e interações consequentes, definindo regras e limites, espaço público e privado. Portanto, percebe-se cada vez mais que identidades culturais volúveis e segmentadas tomam lugar de destaque social ante as identidades culturais tradicionais, fato que evoca mudança na maneira de transmitir a história a gerações futuras.

Faz-se então relevante analisar o “Agenda-Setting” e suas reverberações na organização social, pois assim renovam-se identidades culturais volúveis e respectivos relacionamentos descartáveis. Teoria formulada por Maxwell McCombs e Donald Shaw, o Agenda-setting consiste na hipótese de que a opinião pública considera mais importante em seus assuntos diários os temas que são veiculados com maior destaque na imprensa; sendo que as notícias veiculadas e o foco das narrativas são determinados conforme singularidades de quem detém o controle dos veículos de comunicação ou até mesmo a setores de uma sociedade.

Indivíduos ditos pós-modernos apresentam-se em constante movimento em busca da identidade própria, seguindo tendências, outros repetem a receita dos padrões culturais vigentes e há ainda os de vanguarda, que se constituem solidamente, sendo ainda flexíveis evolutivamente e não volúveis apenas pela efervescência da mudança.
 

água na boca

Várias faces de uma mesma narrativa. Escorre no rosto uma gota. Água nos olhos, água na boca.


Imagine um corpo na água. Um animal na praia. no mar. Tentando se manter à superfície. A água bate em seu rosto, cansa suas pernas, ofusca sua visão, salga sua boca, resseca por dentro. O visual é lindo, o frescor é maravilhoso sob um sol intenso. Mas o corpo não consegue flutuar. Cada vez que afunda, volta desesperadamente para buscar um pouco mais de ar, pois tinha que respirar.

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Essas gotas que escorrem pela parede do banheiro durante um banho. Gotas que se dissipam em vapor. Gotas que errantes se juntam a outras e tornam-se mais rápidas, maiores, fortes, descem rapidamente rumo ao chão. Gotas estacionárias, que pontuam a parede com um novo brilho, com fragmentos do reflexo de um corpo que cala, resvala no abismo dos sentimentos. São ombros nas ruas, são pessoas em sociedade, fragmentos de sonhos em choque com expectativas.

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Sempre que chove  acredito que acontecem algumas mudanças, como em Shell Beach; físicas e metafísicas. Contudo, coisas mudam todo o tempo. Hoje choveu dentro, fora. Sentir a chuva é mais do que se molhar. Nas intermitências das nuvens, o choro também é chuva. O sol tocou suas pétalas com uma delicadeza que eu não havia percebido antes. O brilho na gota isolada na folha, na pétala, nua. Essa paisagem me tocou, me integrou a ela pelo olhar. Um olhar puro, uma paz que refrigera, revigora, revela a mim, mais uma vez, minha pequenez.

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Penso em despetalar teus lábios, arrancar teus suspiros e inundar meus sonhos de realidade e renovo. Essa sensação de arrepio que faz seu corpo contorcer sou eu a percorrer você, dos seus montes aos seus vales, fazendo florir seus lírios e jorrar sua fonte enquanto seu corpo contorce de forma quase contida, como quem descobre uma nova dimensão, tenta se controlar, mas sucumbe a uma energia que transcende sua lógica. Salivo a esperança de nos misturamos mais a cada dia.

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sexta-feira, 21 de outubro de 2016

polegares em riste



Geração dos polegares frenéticos. A dor de polegar tem incomodado mais do que a de cotovelo. Pescoços baixos fazem reverência a uma privacidade que brilha intermitentemente nas telinhas às mãos. A ergonomia é o novo desafio da saúde ocupacional, pode-se dizer que em determinados cenários sobrepõe até as famigeradas receitas de uma alimentação saudável. Todavia, esse recorte do comportamento social é a reverberação da mudança do processo de comunicação. As plataformas de produção e consumo de conteúdo, com suas multiplicidades de funções, acessibilidade e formatos, interferiu na postura moral e corporal dos indivíduos. Mudou a postura do corpo e a postura dos indivíduos na sociedade, uma vez que foram empoderados no processo de comunicação, podem postar, compartilhar e até mesmo interferir em pautas e respectivos desdobramentos. A responsabilidade social já não é apenas um jargão corporativo, mas a premissa para interagir socialmente  seja como indivíduo ou como representante de um grupo ou empresa. Aqui não se limita a concepção de responsabilidade social a ações de filantropia, mas de desenvolvimento integrado justo, e responsabilização pelos respectivos atos em sociedade.

Nova Ordem Mundial. Aplicativos a mil. Mensagens trocadas, arquivos que vazam de propósito, ou por incidentes, acordos firmados, registros apagados, rastros polemizados no judiciário, manifestações de bites, amores por código binário, traições por caracteres, transformação social digital, baterias viciadas, pessoas libertas de paradigmas, a rede que se renova e expande imitando o movimento do universo, com colisões, explosões e novos mundos; a beleza orgânica da vida na matriz do tempo.
Roger Bolton (referência em Relações Públicas do setor industrial nos Estados Unidos) disse que a contemporaneidade nos encurralou em uma máxima conhecida desde os tempos de academia: Temos que melhores naquilo que já éramos bons. A geração millennials alastra-se na contemporaneidade (jovens, empreendedores, irreverentes, desvinculados a padrões tradicionais, mas comprometidos com problemas de ordem global, com a efetiva sustentabilidade, de produtos e processos, inclusive de relacionamentos interpessoal e institucional.

Neste sentido, é preciso agir de forma simultânea às mudanças. Fazer a leitura da paisagem, considerar seus recortes e a interdependência e desdobramentos de tais recortes. É compreender como as pessoas se comportam nas Redes Sociais Digitais, nas Redes Sociais Orgânicas (Grupos sociais - escola, religião, lazer, cultura, esporte), a maneira que produzem e consomem mensagens, observar como concebem e percebem os espaços que ocupam, os produtos e etc. Simultaneamente, deve-se entender o respectivo lugar (do comunicador) e função na paisagem e ser volúvel (sem ser leviano)no ambiente, lançando mão de atitudes de vanguarda para interferir e também do mimetismo para aceitação e reconhecimento.

Além de estabelecer um novo modus operandi na comunicação, as novas mídias (se utilizadas de forma equilibrada) expandem as fronteiras da evolução humana e flexibilizam distâncias físicas e intelectuais para estabelecer aquilo que entendemos como um mundo melhor agora.

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terça-feira, 16 de agosto de 2016

Sujeito



Há momentos em que não tem como conter o que há em nossas mentes. Narrativas emergem do solo, ambientam as frases em nossas bocas. Um bom companheiro, um bom livro é aquele que te livra das imagens vistas pelos olhos, pela pressão encontrada no ambiente de trabalho, ou familiar. Um livro que é mais do que uma janela, mas um portal para uma dimensão particular de cada leitor. A estante estende seus braços e entrega um exemplar, velho conhecido, de ficções de certo interlúdio.

Subiu o monte de sua infância como quem estava firme. Seus pés afundavam, seus joelhos rangiam, mas ele não parava. Seguia satisfeito pela sensação simples de respirar.

O desfiladeiro deixou de ser poético quando as palavras foram arqueadas como sobrancelhas daquela que se fez algoz de qualquer nobre sentimento. Seria mais simples ter dito o que ela fez e as consequências de seu gesto, de forma clara. Contudo é mais aprazível confeitar as frases com o sabor meio amargo das emoções, salpicadas de realidade. Todo lampejo de amor, toda faísca de sinceridade e pureza pode matar pela dose, pode curar pela intensidade, pode nos fazer transcender pela perenidade desprovida de intenções planejadas, mas embebidas de espontaneidade. Essas letras contorcidas em versos são lágrimas. Caminhamos então à face do abismo. O prenúncio do colapso passeia ao lado de nós dia a dia. Alguns momentos de alívio vêm de vivência em família, filmes, passeios, bebidas e comidas. No entanto, o tempo sempre dobra e essa hora torta sempre aperta o coração do indivíduo contra o reflexo que não se reconhece ao espelho.



“Porque sueño, yo no lo estoy.
Porque sueño, sueño.
Porque me abandono por las noches a mis sueños, antes de que me deje el día.
Porque no amo.
Porque me asusta amar, ya no sueño.
Ya no sueño.
Ya no sueño, ya no sueño. Léolo

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

o antes que se esvai

 
Desde cantares a tudo o que se comporta nos ares apaixonados. Nas rimas, nos olhares, anseios. As histórias de amor admiradas, buscadas, acreditadas e desacreditadas. O Humano deseja a saciedade e pujança que o amor proporciona dentro de si, não apenas no coração, mas em todo o corpo, perfazendo em eletricidade uma sensação de êxtase.

Cada tentativa clama por materializar os mais infantes desejos de se lambuzar na sensação de felicidade e entorpencência do amor.
Formosa, intensa. Rompeu a terra rumo ao sol, desdobrando-se em folhas, caule, rumo ao broto, ao botão, para ser flor. Amantes. Rompem a haste para levar a flor para sua amada. A flor desperta sorrisos espontâneos, espasmos de uma felicidade que até deixa um rubor à face, o perfume da flor se instala como lembrança de versos de amor. Contudo, a flor murcha ao tempo. Tempo. Esse que passa, esse que fica em marcas.

Perpassar “Como eu era Antes de Você (Me Before You, 2015)” o filme ou o livro de Jojo Moyes é se divertir com o clichê da sutileza rompendo pela insistência a rigidez. Assemelha-se à flor que rompe o solo em busca do sol. Após encantar pelo olhar, dissipar-se pelo perfume, lançar-se pelo pólem, ela retorna ao chão, murcha, para o adubar. Água mole pedra dura, olhar singelo coração seco. Todos, mesmo que em silêncio, traçam suas expectativas quanto ao roteiro, vislumbrando um final feliz. A conceituação de felicidade embora ambígua em sua constituição de fatos é simples em seu fundamento de sensação (paz, saciedade, esperança e energia). No entanto, a história nos apresenta às escolhas. Neste cenário, e em tantos outros, para o indivíduo alcançar um determinado altruísmo romântico às vezes é preciso abrir mão de se estar com o ser amado. Ele queria que ela experimentasse uma liberdade que era pujante em seu corpo, seu modo de vestir e de ver a vida. Ele sabia do frescor do vento que vem e passa. Ele queria que ela deixasse de se sacrificar pelos outros, e sem desculpas para se castrar, pudesse voar. Mas para isso ele deveria sair da paisagem, para possibilitar o verdadeiro voo daquele pássaro colorido que sorria para ele todas as manhãs. Então ele não poderia vivenciar. É como apenas vislumbrar a terra prometida. Ao escolher o presente, ele não quis encantá-la pelo luxo, mas surpreendê-la com algo que realmente a tocasse, que não só ela desejava, mas que retratava parte de sua identidade. Ele a presenteou com meias de abelha, ele a presenteou com a liberdade das possibilidades.

Lembra bem o fim de O Predestinado (2014 - dirigido pelos irmãos Michael e Peter Spierig e baseado no conto All You Zombies de Robert A. Heinlein), quando para alcançar seu objetivo (acabar com o Terrorista e a sucessão de seus atos) ele deveria abrir mão de suas convicções e sentar ao lado do ser perseguido (pois matá-lo era se tornar o terrorista). A reflexão é maior que o texto e o transcende (Vale a pena assistir Transcendência - 2014 - com o Johnny Depp). Pois de maneira sutil acena para um pensamento que revê as nuances do amor e fundamentos que modulam nossas escolhas, expectativas e apetite.

O que estamos dispostos a fazer para alcançar os objetivos? Rever a lógica e a base estruturante da nossa identidade? Questionar nossos limites e expandir as fronteiras?

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sexta-feira, 15 de abril de 2016

Onomatopeia da vanguarda


As pessoas seguem compartilhando códigos, o emoji se instala em todos os diálogos. Abreviações das narrativas, significação dos sentimentos e pensamentos como era no princípio agora também no fim(?) mas com direito a backup digital.

O contexto é a codificação essencial para viabilizar a plena comunicação (garantindo reverberar o conteúdo e possibilitar a interpretação das mensagens). A contextualização passa, essencialmente, pela utilização de mecanismos tradicionais de narrativa: Texto ou fala. Dessa forma é possível a ambientação de linguagem.

Considerando as nuances de um diálogo pleno tão buscado em relacionamentos pessoais e corporativos; qual o emoji do silêncio? Esse aspecto tão importante no diálogo, permitindo absorção de ideias, organização de argumentos, respiro e retomada de interação. Concebendo aqui o diálogo pleno como aquele que possibilita diversidade de vozes e silêncios.

O novo encanta à medida que também assusta. Ele liberta, agiliza, conforta, tanto quanto acomoda e atrofia. As pessoas entregues às novas plataformas de comunicação recorrentemente se abstém de premissas elementares para o processo de comunicação. Desse modo não há um desenvolvimento estrutural das relações e dos diálogos, mas apenas uma mudança no fluxo das mensagens, em volume, forma e intensidade; sendo que o conteúdo, suas interligações e reverberações desconsideradas e eximidas de qualquer ação de planejamento.

Esse planejamento estratégico não precisa ser apenas algo macro, com antecedência, mas também algo específico e instantâneo; em pílulas. Para isso, o indivíduo precisa ter um repertório e sistema de relevância que o capacite a fazer esta análise.

As organizações, ao se instalarem em uma comunidade, pouco se atêm em pensar no legado a ser construído naquele ambiente. A visão de futuro contempla a perenidade econômica e produtiva do empreendimento e não os aspectos sociais pertinentes a um processo de relacionamento e comunicação sustentáveis. Quando abordam a área social, as empresas buscam mitigar impactos de sua atividade e não fazem uma leitura sincera e real da paisagem, identificando as demandas e oportunidades de ação.

O transitar a margem e o epicentro das narrativas precisam ser constantemente considerados na manutenção dos processos de comunicação, gestão pública, relacionamento institucional e ordem social.

A escritora Alexia Clay, ao afirmar que as respostas para crises globais e locais podem estar em quem não se encaixa no ambiente, ou seja, na inquietação, reforça a visão de Albert Camus e sua visão do estrangeiro. O estrangeiro traz no seu olhar o equilíbrio e a solução para as circunstâncias. Pois ele consegue observar o sistema, seus fluxos, brechas e contrafluxos. Assim, é possível uma intervenção que possibilite ruptura e desenvolvimento estrutural. Neste ínterim, importante ressaltar que todos podem ser estrangeiros. Esse desajustado em relação ao sistema vigente, ao causar interferências e contribuir na superação das crises (sociais, políticas, econômicas e de comunicação) participa simultaneamente do estabelecimento de um novo modus operandi. Dessa forma, os desajustados tornam-se ajustados, a serem sobrepostos ou questionados em um novo cenário de crise, por novos estrangeiros (ou desajustados) que podem tanto acrescentar algo novo, quanto resgatar o que era dantes.

Contudo, ao observar as tentativas (às vezes espontâneas) de modernizar os processos de comunicação e relacionamento social e institucional a partir de novas plataformas, percebe-se que as mensagens recaem sobre a utilização dos mesmos mecanismos: códigos infográficos que carregam um significado interligado ao perfil referencial de um grupo social ou uma massa de usuários.  Esses novos hieróglifos que marcam as mensagens usadas pelas pessoas e até mesmo testadas por empresas anseiam ser a onomatopeia de uma vanguarda que não chega, mas que não pode deixar de ser buscada, uma vez que o processo de busca possibilita a evolução.
 
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