terça-feira, 31 de março de 2015

todo?



Ambições sinceras mantêm o sangue circulando pelos sonhos. Durante a trajetória, toda relação acontece por interesse. Todo brilhantismo é pautado pelo plágio. Toda declaração de amor é substanciada pelo clichê, pela vontade de realizar e alcançar uma projeção. Todo conflito poderia ser evitado, mas o sangue e a dor sobrepõem a paz e calmaria. Toda palavra poderia ser contida. Mas o discurso de impacto e uma discussão silenciada com uma frase fatal alimenta o ego. 

Todo sofrimento é único e paradoxalmente o maior do mundo. Todo poema carrega algo que não está nos versos. Os dias possibilitam bem mais do que percebemos e menos do que esperamos. Todo umbigo é o centro do mundo; e o mundo deveria ser chamado de tempo. Textos carregados de mesmas palavras, porta-retratos recheados das mesmas histórias. 

Tão universalmente pessoais, as músicas são o refrigério de quem sente, a fuga de frases silenciosas; e o sentimento... Ah, é aquele filme instigante o qual não vimos o final, ou não lembramos.

...

Se todo ao meio sou
Sê tu o esquerdo à felicidade
Sua o que sentes sejas pleno
Se caco, inteiro ou sonho
Permita a si

Novas (?) Narrativas Jornalísticas


Ilustração: Ramon Bruin
Não sei se nova é a narrativa, a linguagem jornalística, o olhar, ou ainda assim o tempo. Antes o ideal era a câmera não tremer e as frases serem bem concatenadas. Agora tentam vender realidade viva. Algo que pulsa incontrolavelmente. Tanta espontaneidade que chega a parecer um espetáculo de dança contemporânea. O imprevisível é parte do enredo, está no script do espetáculo midiático.
A inquietação é premissa para a evolução. Nesse sentido, os programas de TV têm buscado inovar na maneira de narrar e de fidelizar o público. Seja por meio dos milhares de “cozinha com fulano” que tentam sofisticar, naturalizar, ou tornar rústico o ato de preparar alimentos e se relacionar com eles; ou nos programas de esporte que tentar levar adrenalina aos pilotos de tablets e controles remotos, lembrando até da metalinguagem de programas como A Liga e Profissão repórter. A linha entre o interessante, eficaz e o cansativo é tênue. É preciso destreza para caminhar sobre ela.
Dentre as várias tentativas, algumas são bem interessantes (mas não inovadoras). O Mundo segundo os Brasileiros, produção independente (produtora holandesa/argentina - Eyeworks) disponível em canal no Youtube e transmitido pela Rede Bandeirantes, há 5 temporadas (desde 2011) apresenta a narrativa pelo viés de quem vive o espaço e transmite a própria impressão a respeito do lugar, do tempo, da história, das referências.

Um texto praticamente documental estilo história oral, aquela conversa informal de quem quer contar suas experiências em um novo território. Trata-se se um formato sem protagonistas fixos; alterna-se os narradores, guiando com a câmera, nos contando histórias oficiais e impressões de estrangeiros andarilhos. Baseada no original argentino Clase turista: el mundo  según los argentinos, a série é dinâmica e perpassa desde os principais pontos turísticos a pontos pouco conhecidos do globo.
Cidades invisíveis erguem-se à medida que significados são repassados ao espectador. Forçando um pouco as vistas, dá para imaginar o Marco Polo contemporâneo revelando as nuances das cidades, ou o estrangeiro de Camus andando pelo mundo, contaminando-o e sendo contaminado por ele. E como brasileiro é um povo espalhado pelo planeta, matéria-prima não falta ao programa.
Iniciativas assim precisam se alastrar pela TV aberta, mas essencialmente necessitam estar alinhadas com o conteúdo multimídia, considerando o comportamento de consumo de informação e a disponibilidade dos meios; expandindo assim a acessibilidade ao conteúdo, novos campos para reflexão e seu desdobramento.

Publicado também no Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed844_novas_()_narrativas_jornalisticas

terça-feira, 17 de março de 2015

Disseminar e verificar





A verdade que nos aflige não cabe na narrativa de um fato. As minúcias de uma apuração, que podem determinar o rumo das interpretações subsequentes, não estão evidentes nas curtas linhas. Menos ainda nas fotos e respectivas legendas. Quando os textos trazem declarações de autoridades então, o pandemônio dos dados é assustador. Seja em cenários de crises ou durante eleições, as declarações das fontes oficiais nem sempre contribuem para o indivíduo estar informado, mas de modo recorrente atrofia a percepção pública com elementos confusos, interferindo na narrativa.

Iniciativas como a do da organização argentina "Chequeado" (Site que verifica a legitimidade dos discursos de autoridades), estabelecem-se como mais uma estratégica para não absorvermos "opiniões" traduzidas em informações pseudo-isentas. Em essência, o serviço prestado por eles é o modus operandi que todo leitor deveria ter (principalmente e não somente, durante eleições e posicionamentos oficiais): cruzar informações do discurso com matérias já divulgadas e com dados disponíveis nos canais de transparência. Cabe ao leitor, antes de confiar, buscar resquícios dos fatos e confrontar versões. Sempre. Embora seja um processo cansativo (considerando o ritmo de vida), é ainda o menos ineficiente.

Nesse percurso, o leitor perceberá como muitos conteúdos são replicados em diversos veículos de comunicação. A ocorrência é tanto fruto do compartilhamento (autorizado ou não) de conteúdo, quanto o resultado de uma assessoria de imprensa com interferência em massa. Sobre o compartilhamento de conteúdo, interessante o que aconteceu com jornais de seis países da Europa. Fizeram parceria para promover a troca de conteúdo e pesquisas em comum entre eles na denominada Aliança Europeia de Jornais Líderes (Leading European Newspaper Alliance). Acredito ser uma estratégia interessante para otimizar recursos (reduzir custos de produção), mas sua operacionalização não pode engessar a narrativa em apenas uma direção. Funcionaria no Brasil tanto com veículos pequenos quanto com os grandes? De forma quase que underground alguns repórteres compartilham pautas, ou premissas de pautas e fontes, em um processo mais de negociação de informações do que de enriquecimento de narrativa e redução de custo de produção.

No universo paralelo, o Governo Federal insiste e nos bastidores tenta afinar o argumento para estabelecer regras para o funcionamento da mídia; a famigerada regulamentação da imprensa. Antes de implantar uma ação de controle para promover a responsabilidade narrativa aos veículos e interferir no que ainda há de liberdade, é importante consolidar os dados emitidos em declarações oficiais e o objetivo específico das respectivas atitudes. Não apenas disseminar informações e controlar o processo de produção, mas essencialmente possibilitar rastreabilidade aos dados, para que qualquer um possa verificar a legitimidade da informação de discursos de fontes oficiais e a narrativa construída pela Imprensa.
e o que não cabe no fio do olhar
como te fazer sentir?
como saber o que você sente?


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segunda-feira, 16 de março de 2015

Cristais


Sou a reticências de uma estrela morta
o anel de esperança nos dedos de um anjo
no pulso de quem ama
o fulgor de uma vida feliz.
No brilho dos seus olhos
cristais

tomou-me como um súbito vento
em uma noite de ruas vazias
poemas incompletos.
meus olhos pediam aconchego.

não se nada no abismo
quando ele está no brilho dos olhos.

não se dança a canção
que ainda não sabe que é amor.

em um tempo sem verbo
o olhar sem verso

pergunto sem esperar as repostas
pois existirão além de enigmáticas reticências

quarta-feira, 11 de março de 2015

interrompido

Então choveu, e chuvas sempre trazem mais do que água e levam mais do que parece. 
Lacrado em mim, no silêncio, um sonho e uma verdade. 
Apenas o tempo certo pode abrir, ou eternizar o silêncio.

terça-feira, 10 de março de 2015

puro sangue



Ilustração:Ramon Bruin
Somos preciosistas ou conceituais demais. O jornalismo puro sangue, assim como o ser humano puro sangue, é figura de um folclore de um tempo sem parâmetros de referência, onde tudo o que surgia, rompia paradigmas e se estabelecia como o novo, a referência. O "sangue" do jornalismo funciona como um rio rumo ao mar. No caminho, ao longo do tempo, recebe interferências de seus afluentes, e também das condições geográficas do trajeto. E nesta narrativa, um rio sem afluentes não sobrevive às crises hídricas.

A mutação que encontramos atualmente nas redações é fruto do turbilhão tecnológico (que torna mais ágil o acesso, produção e disponibilização de conteúdo), juntamente com a alteração do modelo econômico (fôlego financeiro dos veículos). Percebemos a intensificação de jornalistas nas assessorias de comunicação, o surgimento de veículos segmentados (vários para cada assunto) e as tentativas de negociação financeira de conteúdo.

Entretanto, as faculdades entregam focas ao mercado e o mercado cada vez mais sufoca os profissionais. Trocadilhos infames são instantâneos diante de uma realidade cada vez mais clichê. Recentemente (janeiro) O jornal O Estado de Minas, promoveu um corte em seu quadro de funcionários (11 jornalistas). A TV Bahia (março) mais 37 profissionais. O Estadão (fevereiro) mais de 10. IstoÉ Gente é fechada e Editora Três demite 20% das redações. A conta pelo país só cresce; parece acompanhar a evolução das demissões no setor industrial. Trata-se de uma questão econômica e administrativa do país ou uma estrutura atrofiada dos veículos?

Muito se fala da estrutura das narrativas (que tem se distanciado de um tal "puro sangue"), das interferências causadas pelo repertório que se sobrepõe e o tempo de dedicação que se esvai. No entanto, é preciso analisar todos os aspectos que compõem a produção da narrativa. A infraestrutura (condições das redações) e a psicológica (a relação entre pressão e produção, estresse, capacidade de percepção, fôlego em apurar e narrar, dentre outros).

O contexto social pede outro modelo de narrativa ou ele soterrou o modelo ideal de apurar e narrar, sem se perder nas facilidades da modernidade e forca dos bolsos? Mas do que respostas definitivas, o fazer jornalismo deve prezar pela continuidade, inquietude em questionar e versatilidade em propor reflexões que podem ou não serem respostas. Dessa forma, ao invés de cair no arcabouço político e empresarial, o jornalista consegue tornar mais perceptível a essência de fatos polêmicos que ganham apelidos de mensalão, petrolão, dossiê multicolorido, e tantos outros. A busca pelo jornalismo puro sangue está em saber fazer uma transfusão periodicamente, sem esquecer-se de também doar e às vezes até sangrar. A interação social, a sobreposição de versões, percepções e tempo aprimoram o DNA do jornalista (e do indivíduo) para a sobrevivência e não para ser uma obra de Dali.

Disponível também no Observatório da Imprensa -  http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed841_jornalismo_puro_sangue_()

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canalha afiado como a rima
o sangue não se contém nos versos
viver o amor no fio da navalha
as lágrimas extrapolam 
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domingo, 1 de março de 2015

ah


pra quê esmero ao vento...
fui ser sincero
e fustigado pelo julgo dos outros fui
fui amar o que nunca é meu
e amargo se tornou meu olhar
insípidas minhas lágrimas
silenciosas minhas palavras
agora a foto de um instante de ternura
me afogou no ridículo da exposição
não há inocentes
não há inocência
suave macia e doce
sua voz afaga se pra mim e afoga se para os outros
tênue membrana entre a dor e o gozo

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

pouso


presença que me envolve
suave voo
toca pétala, encanta olhos meus

borboleta flor de asas
tatuada

beija o verso que ainda é rosa
faz canção ao vento
do que ainda suspiro 

...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Daltonismo velado

Ramon Bruin
foto:Ramon Bruin
Muitos estranharam o rebuliço dos últimos tons exibidos nos cinemas, sob a direção de Sam Taylor-Johnson e impressos nas intrigantes páginas de E. L. James (50 tons de Cinza). Filas, risadas contidas de um pudor e excitação social que até remetia a outras eras. A sociedade como uma nova Babilônia sem os jardins suspensos. Entretanto, nos é tão natural o que nos impressiona. Indivíduos reprimidos, assumem costumeiramente seu papel de ser social, defendendo uma posição conservadora, neutra, ou pseudo-liberal. Antes de pensar sobre como a narrativa trabalha o mundo das possibilidades e sobreposição de paradigmas é importante atentar para alguns aspectos em cena:

Homem novo, esteticamente aceitável pelos padrões de beleza, bem sucedido financeiramente e intelectualmente. Solteiro, com firmeza de atitudes e escolhas, até mesmo quando precisa ser sutil. Com certo mistério sobre sua vida pessoal e um toque de trauma psicológico que o torna suscetível a mudança. Com sabedoria no que diz respeito ao corpo e suas reações. Pilota, dirige, toca, manda, bate, fode e assopra. Do outro lado, ela: Jovem, bonita, frágil, bem humorada, inocente, porém determinada. Solteira, independente, culta, virgem, disposta a descobertas. Fiel, acredita em relações sentimentais duradouras, baseadas em cumplicidade e transparência. Capaz de assumir o controle em discussões, domando o outro por meio do desejo e da mente.

Esses aspectos de certa forma manifestam o tão sonhado imaginário dos gêneros. Representa as projeções psíquicas que os indivíduos fazem na busca pelo parceiro ideal. Nem tanto sacro, nem exageradamente profano. Algo que supra a demanda pelo equilíbrio entre dominar e ser dominado. Produzir um gesto que tenha intensidade, força e ainda sim sutileza. A partir desses elementos, a narrativa perpassa por linguagens que atingem o imaginário coletivo, e simultaneamente afagam as projeções íntimas de cada espectador, que em silêncio reage e cautelosamente esboça (ou constrói) sua interpretação para a sociedade em que vive.

Um corpo contido nas poltronas, o princípio de furor entre as pernas. Uma história é exibida na tela, com fotografia e trilha sonora fantásticas. Ritmada por cortes concatenados com suspiros, mover de pálpebras e até mesmo o molhar os lábios. Outras histórias são compostas ou remexidas no cérebro de cada um. A liberdade do silêncio, no escuro de uma sala de cinema.

O que se perde com o piscar dos olhos? As sensações que ainda não traduzimos em imagem, tampouco em palavras. O que há além dos créditos finais? O volúvel ser humano e suas possibilidades de relacionamento.

O relacionamento humano a todo o tempo rompe paradigmas com a instituição de novos paradigmas. O elemento paradoxal deste fato nos faz perceber que um significativo aspecto que caracteriza uma sociedade é a maneira como o coletivo concebe conceitos, manifesta e reproduz interpretações a respeito de sentimentos. As ambições individuais e coletivas nutrem sentimentos que orquestram os gestos. A sobreposição dos gestos e sua aceitação pelo grupo consolidam tradições e paradigmas, sobre tudo: religião, política, sexo, espiritualidade e etc. Neste sentido, transcender não é extinguir, mas expandir as fronteiras da percepção e do comportamento. Trata-se de romper um paradigma com outro, sem a preocupação, ou a consciência, de que pode se repetir neste movimento quase de dança. E o sexo também pode ser visto sob o viés desta dança.

Se todas as possibilidades na ordem e relação das forças já não estivessem esgotadas, não teria passado ainda nenhuma infinidade. Justamente porque isto tem de ser, não há mais nenhuma possibilidade nova e é necessário que tudo já tenha estado aí, inúmeras vezes. (Friedrich Wilhelm Nietzsche).

O sexo em película vai além do que se pode projetar em um quarto escuro, mas reverbera no obscuro da constituição do “ID” do indivíduo simultaneamente à sua constituição como ser social. O teatro não conseguiu explicitar em cena todo a pandemônio da Casa dos Budas Ditosos (livro de João Ubaldo Ribeiro sobre a Luxúria, em 1999), As duas partes da Ninfomaníaca (lançado em 2013) do dinamarquês L. V Trier chegaram perto do quão cru é a realidade, o desejo, vontade e representação; o quão belo e trágico é coexistir. Contudo, o ápice das obras não está no clímax apresentado na tela, mas no efeito em quem assiste, em como a absorção daquele conteúdo consolida ou refaz conceitos, interfere na constituição do indivíduo, sendo o prelúdio de suas próximas escolhas. A vanguarda pulsante que autores buscam vai além do produto de sua arte; mas depende do efeito no outro e da continuidade da interação com a mensagem da obra cinematográfica.

Neste ínterim, percebe-se que o pano de fundo da reflexão sobre o sexo no cinema é a construção de valores e sua atribuição aos paradigmas vigentes ou aos que virão por ser estabelecidos como item de uma nova ordem social mundial. Esse processo acaba por definir também o que é polêmico. Quando temas polêmicos são abordados na tela do cinema, nas páginas de livros ou conversas ao ermo, não se trata de um gesto impensado, mas construção de mensagens que se propõem como pílulas de reflexão. Se placebo ou cura para um mal social, apenas sua absorção ao longo do tempo indicará uma resposta; todavia não esgotará o assunto, pois ele se renova.


Afora o que se concebe em palavras, há de se desdobrar o diálogo, buscar compreender e vivenciar os efeitos de mensagens da sétima arte, vendo-as e sendo-as como uma obra de Dali... ou como as migalhas da Casa de Budas Ditosos e a intensidade melancólica de L.Von Trier.

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Santos mortos - Poetas da Dor - parte 2


As narrativas às vezes são a membrana superficial...

Seja sol ou madrugada, janela aberta. O vento varre da minha face as ilusões. Fecho os olhos e consigo ver além do que penso ser. Percebo como os outros constroem seu repertório de experiências e códigos e os empregam em vida. Sinto as agulhas das emoções alheias penetrarem meu sossego.

Tanto buscamos descobrir o novo e catalogá-lo a fim de concebermos conceitos, interpretações e alcançar a certeza, para assim partir para outra descoberta ou simplesmente controlar as coisas catalogadas, ser superior. Dominar o que se ama, o que se conhece. Isto é percebido em todas as dimensões do comportamento humano; na sua relação com a natureza, com a sociedade, sentimentos e tudo o mais.

O processo de santificação (ao contrário do Bíblico) depende fundamentalmente da morte e não da vida. Ao morrer, o indivíduo comum passa a ser lembrado, admirado e considerado pelos fatos benéficos relevantes, tendo as mazelas de conduta e caráter amenizadas, quase apagadas da memória. Porque isso não é feito em vida? Valorizar as pessoas pelos acertos, focar o julgamento nas qualidades ao invés de em vida julgá-lo pelos erros, e em morte reconhecer seu valor de semideus? Quem morre é lembrado pela parte dele que construímos em nosso imaginário, a partir da convivência com a pessoa, ou com a narrativa que alguém criou sobre a pessoa em questão. Afora exceções, quem morre é lembrado como bom e os vivos têm seus defeitos realçados. Tropeços.

As narrativas então estabelecidas tratam os indivíduos vivos como seres os quais os erros e desvios sobressaem às qualidades. E assim, uma sociedade de sonhos hipócritas é consolidada. A trajetória do indivíduo, travestido de ser social, é analisada sobre vários aspectos. A sociedade, evitando o processo de autoconhecimento proposto pela máxima no Oráculo de Delfos, subjuga o próximo e disseca seu caráter com o objetivo de condenar ou absolver o cidadão. Como parâmetro de análise, utiliza padrões morais e de excelência que estabeleceu a partir dos respectivos anseios. Padrões consolidados junto ao grupo de afinidade, composto de pessoas que comungam dos ideais e um ou outro de ideia divergente, para garantir contraponto.

Para sobreviver a essa dinâmica social o indivíduo pode ignorá-la e conviver; pode subverter os parâmetros, interferindo neles, quebrando paradigmas construindo outros; ou pode sucumbir às manipulações sociais.

Ignorar é o que a maioria faz. Ignora e convive, pois o indivíduo naturalmente percebe que enquanto ser social ele também julga e opera os próprios padrões. O cinismo rege a história de vida de tantas pessoas. Assumem personagens, acreditam intensamente no rótulo que carregam, e ainda tentam impor uma realidade e modo de pensar a quem por perto estiver. E assim o terreno  está preparado para frustrações. (Que surgem também de tantos outros lugares).

Subverter os parâmetros, a partir da interferência e sobreposição de paradigmas é feito com a utilização das ferramentas culturais; as artes em suas diversas dimensões (artes plásticas, artes cênicas, literatura e etc), bem como pelos pilares históricos (manifestações populares e articulação de grupos que atravancam o sistema corrente estabelecendo outro padrão comportamental).

A operacionalização das ferramentas culturais nem sempre têm como finalidade alterar os parâmetros supracitados. Em sua maioria, as intervenções almejam reforçar preceitos, divertir, arrecadar recursos financeiros ou materiais, e até mesmo ser afago ao ego dos autores e mecenas. Entre mecenas e mercenários, o caleidoscópio: Mensagem / público / narrativas criadas / artistas e indivíduos / o ardor / as amarras da liberdade.

A intensidade de R. Wagner, com sua superioridade e pureza pernósticas; a força de Tchaikovsky, e as nuances de sua contradição; é recorrente a tentativa de representar o elixir do que torna humana a carne e sofrível a alma, passível de amor e ruína. Interessados em nossas mazelas, mergulhamos para compreendê-la e não para alterar o surgimento de novas e a continuidade das antigas. O final do ato não encerra a obra, e o estrondo repentino não sucumbe a sutileza do compasso. E o amor?

Seja em Arthur S. ou em 1 João 4, o amor é a ideia original. Felicidade possivelmente incompatível, pois nele também há dor. Aspirações, paixões, vontade e representação. Sob o óculo de A. Schopenhauer percebemos como o ser humano busca a sobrevivência como qualquer outro organismo vivo: guiado pela vontade [mesmo sem compreender sua origem] lembrado pela representação [não em plenitude] de seu desejo. A felicidade é o fiel oscilante de uma balança que de um lado tem o amor (ideia original, desejo natural) e do outro lado tem a vontade (a energia e os atos que a representam).

Após observar certas nuances do indivíduo (que pode muitas vezes ser caracterizado como o estrangeiro de Camus), inclusive enquanto ser social e organismo vivo, percebe-se que o fator determinante da santidade está atrelado aos atos em vida e não em morte (embora a morte santifique seus atos). Sendo os atos em vida constituídos de movimentos naturais, escolhas orgânicas por sobrevivência / evolução / continuidade; e não apenas por caridade. 

Toda relação é por interesse, ok Kant. este interesse ultrapassa a dimensão social, orgânica e material, atingindo também uma dimensão poética, emocional e espiritual. O interesse não é maquiavélico por completo, tampouco altruísta por demasia. Independentemente da existência de seres exemplares (santos) a sociedade os estabelece ou reconhece para saciar a necessidade de conforto, de calmaria, de fugir do estresse cotidiano (composto pelo fluxo, contrafluxo e colisão de indivíduos em busca de "realização" em todas as vertentes / desejo), vislumbrando o admirável.

Entremeio à busca por saciar o desejo pela ideia original e os desejos básicos; afora a busca por salvação e santificação bíblica, por reconhecimento e conforto/aconchego, o indivíduo tenta ultrapassar as interrogações da vida e não se alienar nas reticências, pois a vida do indivíduo está sempre sobre dois pontos:


Quando respiro e quando não,
O amor me alcança.
Rumos seguem, mesmo em silêncio. 
Dobrei o horizonte sob os joelhos e ponderei; 
rumos seguem, mesmo introspectivo. 



sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Alcachofra


A construção das mensagens e das narrativas possuem uma essência que não consegue ser representada pelos códigos linguisticos. Desta forma, faz com que o processo seja contínuo, em uma frenética busca por registrar e manifestar a plenitude do que pensa, sente e percebe o indivíduo. Neste ínterim,  o indivíduo travestido de ser social acumula experiências e interferências na essência primária, fato que expande o que se quer representar e alimenta o ciclo de criação das mensagens e narrativas.

"Quanta suavidade cabe nesse corpo? Quanta tristeza preenche o colo, os olhos, o copo? Como esconder, como sobreviver... A realidade despetalada diante dos sonhos.... O coração da alcachofra servido nas gotas da chuva. O inconfundível aroma de canela me abraça, me aquece.


Perco-me entre tantos testes e oscilações das emoções. Já não reconheço minha escrita, pois ela exala meus sentimentos, ultrapassa meus pensamentos...

Os efeitos da Cantárida são produzidos naturalmente e saem pelos meus poros. Essa canção sem dança orquestrada, esse suspiro sem sangue, o torpor  sem droga. O envelhecer de mãos dadas no amadurecido silêncio, como uma certa esperança.

E eu quis a canção que alcançava minhas emoções, meu passado no presente meu futuro no tempo. E além dele. Mas apenas letras em frases, suspiros e soluços sem melodia... Eu nu no silêncio, na madrugada.


olhos meus fixados;
Inquieto coração;
e a distância faz dela um verbo.
Ela me lua!
Eu suo a frase sem paradeiro..."




quinta-feira, 27 de novembro de 2014

desenho

Queria ser eu o albatroz? O pássaro pleno no voo, no ninho, na companhia eterna. O traço é o lapso, o fôlego o enigma. O brilho é alimento. O acalento do olhar aquece, o sorriso refresca. A palavra é o tormento, o sentimento a libertação. O tempo, o surto. Sem dúvidas, mas com obstáculos. As incertezas de mudar e de aceitar. Sem precipitações, sem a costumeira hipocrisia das pessoas. E se passaram anos, e ela não sabia se o que escorria era gesto, verso, lágrimas ou chuva. Banhados, persistentes. Entrelaçados. As escolhas tomadas na respiração correta. Anjo, amor especial.

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domingo, 23 de novembro de 2014

Coleiras da liberdade – mídias e modismos

Soluções que proporcionem segurança, facilidade, agilidade, comodidade: Recorrentes promessas das tecnologias, das mídias, das novas propostas de amor.

Aplicativos que já sugerem o que você intenciona digitar, corrige intuitivamente suas digitações emocionadamente erradas; aplicativos que sugerem legendas para fotos (a Google lançou um recentemente), que compreendem sua expressão de busca antes de você finalizá-la (ou mesmo que escreva errado) e que seleciona os anúncios que serão exibidos para seu perfil.  Unificação de dados na nuvem para serem acessados a qualquer tempo, em qualquer dispositivo e local. As funcionalidades são diversas. As soluções, caracterizadas pela transferência de responsabilidade e controle, vendem uma liberdade que nos aprisiona. Livres, não sabemos o que fazer e nos embrenhamos em um automatismo social que seria cruel, se não fosse tão poético.

Poético, pois nos estabelece como seres modernos, autônomos, livres para criar e vivenciar a vida sem as amarras operacionais de um indivíduo social. Entretanto evoca uma intensa vulnerabilidade. Quando observados com afinco, é possível perceber que o comportamento dos seres humanos apenas foi envelopado por novas mídias e modismos. A conversa, alinhamento e fofoca das praças públicas estão agora nos aplicativos de smartphones e em redes sociais digitais. Os crimes e perigos de becos, lugares ermos e escuros agora espreitam o cidadão digital.Os avisos de porta de geladeira e de agenda agora brilham nas telas de aparelhos que passaram a ser extensão do corpo. A possibilidade de criar e reverberar conteúdos nos fez emitir discursos muitas vezes sem a devida substância e conceito. A felicidade buscada, a mensagem e significado sonhado sofrem com o solavanco da corda esticada de uma coleira da liberdade, cravejada de mídias e modismos.

O que deveria nos dar liberdade para refletir, rever e aprimorar a narrativa que estabelecemos em vida, aparentemente nos confunde, atrofia a linguagem pelo excesso e castra o potencial que possuímos.

... o tanto que tenho, que ainda posso ser, vai além da ideia, do verso e no tempo... 😇💖🌟

Publicado também no Observatório da Imprensa - http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed826_coleiras_da_liberdade

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quarta-feira, 29 de outubro de 2014

esvai à derme

A realidade com a derme trincada. Quantos anseiam poder tocar você, integrar-se ao que você é, ao que pode vir a ser... juntos? Tantos. Você nem percebe, ou se percebe, qual o efeito fazem em você? O que você sente, o que quer de verdade? O que torna um especial e o que o sucumbe à ruína? Como você pode ignorar o amor? É muito para enfrentar? É muita coisa sempre! Com ou sem amor! Ah realidade, faceira dose da vida.

Algumas pessoas têm luz própria ou são especialmente iluminadas por Deus. Acredito na segunda parte.... Simplesmente por estar perto, encanta a todos. Com sua voz, sua presença, seu olhar... tudo. Traz fascinação, sua maturidade em saber lidar com tanta admiração recebida e sua ingenuidade em renovar o encanto de forma tão natural sobre todos e tudo ao redor...

Sua dança contida à cadeira, sua risada, sua curiosidade, sua fidelidade. Fiel aos sentimentos, às crenças. 

percebo que domino minhas escolhas; percebo também que nunca tive controle sobre as reações, sentimentos e rumos. sou uma peça, metade, por inteiro, em silêncio...

Nossa relação com o tempo. Definindo as frases compostas por gestos. O tempo entremeio aos pensamentos e sentimentos; escorrendo por nossas escolhas, definindo quem somos, tornando-nos memórias ou esquecimento. Ainda sinto o toque e encaixe de sua mão à minha. Ainda arde em mim aquela misteriosa chama, que nunca se apaga...

sábado, 18 de outubro de 2014

(



Todo o mel da flor. Invariavelmente, o efeito encontra aconchego onde as ideias abandonam a lógica e os sentimentos fornecem direção, calor, alimento e sonhos. O fluxo dinâmico de acontecimentos nos faz interpretar cada detalhe como ingrediente da história particular de cada um. A diversidade de indivíduos, fatos, percepções e tempo é tão intensa que assemelha-se ao toque de uma trombeta e o pouso de uma borboleta na ponta do dedo.

A humanidade tempera o mundo do melhor e do pior que há para vivenciarmos. Paisagens são contaminadas. O gorjear do verso quebrado; o voo interrompido do pássaro que não mais canta. O céu sangra no horizonte e o peito atormentado pelo silêncio cala um milhão de suspiros, em um sentimento. A lógica é lançada ao vento; e a melodia que pontua os acontecimentos, marca profundamente toda a percepção... o silêncio.

Os processos de comunicação interferem no comportamento social, isto é fato. Entretanto, qual o limiar da loucura ou o tempero da ternura? Seria a temperatura das palavras, dos corpos, dos sentimentos? Narrativas contínuas em fragmentada linha reta, em convergência e transcendência.  O sol sangrou no céu. Rasgou o peito e aqueceu de melancolia a mente. O famigerado silêncio dá o tom da narrativa que se transforma; esvai na madrugada, figura os sonhos, protagoniza o porvir.


estar junto.
escutar seus sonhos e temores,
provocar rubor e tremores,
conhecer suas pintas,
reconhecer seus poros no escuro;
o verso sem palavras a dar ritmo aos sonhos,
delineando o sentimento e as sensações;
há tanto para você ler
há de ao tempo ser

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

e soul...

O que há dentro que não consegue materializar-se. O labirinto jardim que acalma, excita, esconde ou sufoca. Não é grande, menos ainda espinhoso. Extenso e intenso se revela. Não é uma metáfora, ou projeção. É por onde caminho de mãos  dadas! Sem entradas ou saídas, o instante do caminho. Se eterno retorno ou ida, se estadia no Hilbert Hotel, nunca saber-se-á. A percepção é o instrumento condutor do ser humano pela vida. Para a alterar ou consolidar, é preciso operar com maestria os mecanismos de comunicação.

Quando mal feito, o efeito é passageiro; quando feito para o mal, a situação fica quase irremediável. Além dos diversos canais de comunicação criados pelo homem, há um determinante para a manutenção do relacionamento social: o corpo. Saber usá-lo não como um objeto, ou arma, mas como um canal genuíno de comunicação, amplifica a eficácia da mensagem, interferindo efetivamente na percepção; consequentemente, conduzindo o ser humano como um rio para o mar. A vida; esta narrativa que transcende fórmulas e regras nos apresenta uma névoa de desafios; e nós seguimos. Ultrapassar os desafios, absorver as curvas do caminho perfazendo-as como se fossem extensão do corpo. Prospectar diante de impossibilidades e por fim, vivenciar o gozo de desaguar no mar.

... o próximo verso é sabor;
o sabor é futuro
e o futuro a ideia...

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Mensagem

Afora a de Pessoa, o sistema de criação. Pinturas rupestres que transcendem gerações; discursos diários esquecidos a cada gole de café. Teimam que ainda é na base do emissor, mensagem,
receptor? Como são tratados os resíduos do processo de comunicação? Ruídos? Os dejetos das narrativas guardam a essência não digerida pelo meio, a mensagem e os personagens. A manutenção da fidelização da audiência depende da manutenção das pautas, dos olhares sobre os dejetos (ruídos). As ações para obter a referida manutenção devem ser simples.

Seja instituição, ou indivíduo, é necessário compreender seu lugar no contexto da significância
social. Em termos de mercado, sistemas de relacionamento e processos de comunicação. Assim, é
alcançada a simplicidade necessária para construir e consolidar uma identidade.

Em tempos de política de reaproveitamento de materiais, aproveitamento de resíduos, estabelecimento de alternativas para garantir a sustentabilidade, é fundamental aplicar a mesma prática ao processo de comunicação. Talvez desta forma os indivíduos e as massas não sejam massacrados pelo isolamento proporcionado pelo turbilhão de informações, mas que consigam respirar, se integrar e se resguardar quando de interesse for.