A
Política Externa e suas interfaces
A
partir da leitura da realizada pela abordagem de Zygmunt Bauman, onde a
modernidade revela uma sociedade líquida, podemos expandir o olhar e refletir
acerca da percepção dos movimentos da organização social. A liquidez da
sociedade, seus conceitos e suas relações, atribuem ao indivíduo uma nova
vertente de comportamento e de busca para alcançar um estado de harmonia. A
perenidade já não é mais um estado viável, pois segundo Bauman, "Nada foi
feito para durar", tudo então é transição. A referida transição, segundo a
liquidez de Bauman se ampara no desejo individual extrapolado para o coletivo. Um bom vinho e as armas adequadas para degustar a líquida sociedade.
Diante
de um mundo líquido, onde cada um é potencial produtor e reverberador de conteúdo, é preciso ter muita maturidade ao se
falar de política e não apenas ter o vigor da paixão. O ser humano, animal
político e social, não pode confundir esta vocação de sociabilização (por meio
da política) com paixão, desejo íntimo de saciar-se. As intermitências da ética
materializam os lapsos humanos em defender os interesses íntimos travestidos de
bem comum e bem-estar social. A história das nações e seus ciclos de poder
revelam como cada vez mais a sociedade sofre com os abalos da moral humana.
O “derretimento
dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu, portanto, um novo
sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo, e um dos principais
efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças que poderiam ter
mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os sólidos que
estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste momento, o
momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as escolhas
individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação e
coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um lado,
e as ações políticas de coletividades humanas, de outro (BAUMAN, 2001, p. 12).
Na leitura da sociedade líquida, percebe-se um ponto de tensão
determinante para a organização social. As relações Internacionais e devidos
desdobramentos. A política externa transita pela tensão superficial da
sociedade.
A Tensão Superficial é o fenômeno físico pelo qual passa todos os
líquidos. Este fenômeno consiste na formação de uma espécie de membrana
elástica em suas extremidades. Trata-se da tendência de todas as moléculas do
líquido a se compactarem em direção ao centro de massa, pois existe sempre uma
resultante em todas as moléculas que aponta para o centro, de forma que criem a
superfície externa de menor área possível, uma vez que todo sistema mecânico
tende a adotar o estado de menor energia potencial.
"A
tensão superficial da água é resultado das ligações de hidrogênio, que são
forças intermoleculares causadas pela atração dos hidrogênios de determinadas
moléculas de água (que são os polos positivos (H+)) com os oxigênios das
moléculas vizinhas (que são os polos negativos (O-)). No entanto, a força de
atração das moléculas na superfície da água é diferente da força que ocorre
entre as moléculas abaixo da superfície. Isso ocorre porque essas últimas
apresentam atração por outras moléculas de água em todas as direções: para
cima, para baixo, para a esquerda, para a direita, para a frente e para trás.
Isso significa que elas se atraem mutuamente com a mesma força." (FOGAÇA).
A política externa dinamizou-se para além das negociações de fronteiras
e gestão de recursos naturais (fontes de energia e alimentação) para um jogo
politizado, com viés de relacionamento democrático e igualitário, tendo
midiatizada a política externa. Trata-se de uma caminhada sutil pela tensão
superficial da realidade e fundamentos da sociedade. Desta feita, faz-se
primordial refletir sobre o Estado e sua filosofia de relacionamento
internacional.
A ordem mundial e a famigerada disputa de ideologia de Estados
dominantes. As relações internacionais, para a constituição e manutenção de uma
ordem mundial passam pelo diálogo e debate de anseios e posições de cada Estado
dominante. Considerando aqui Estado Dominante, a nação detentora de poder de
interferência no mercado mundial seja por controle de recursos naturais,
materiais, bélicos ou humanos. Os exemplos perpassam as cadeiras da Organização
das Nações Unidas (ONU) e hasteiam bandeiras pelo globo.
Importante considerar então, o modo como os sistemas alternam entre o
idealismo, estabilidade hegemônica e o realismo. Sob o viés da teoria da
estabilidade hegemônica, a estabilidade buscada em escala global está atrelada
mediante os regimes e decisões arbitrárias. Uma potência ou Estado dominante
assume uma posição de liderança mundial e determina as práticas e diretrizes
aceitáveis para o relacionamento internacional. Entretanto, quanto maior o
regime hegemônico, mais complexo os mecanismos de controle e garantia de
cumprimento dos interesses soberanos. Desta feita, a potência, para obter
estabilidade social, deve estar sempre no poder global, sendo reconhecida, por
consenso (O consenso vem da divergência e processo de diálogo.) ou submissão,
como regente da organização mundial, determinando limites e liberdades. O
Estado então é concebido a partir do respectivo potencial de monopolizar a
nação e o mercado de forma coercitiva. Para se manter, o Estado deve entender e
formar blocos de aliança onde o poder é controlado, para assim não ser
destituído por outro Estado dominante.
Evoluindo neste cenário, a teoria realista coloca o Estado como o
epicentro das decisões. Neste contexto, partindo da concepção de que as
relações internacionais são, por natureza, conflituosas, o Estado cerceia o
conceito e prática de democracia no ambiente interno das respectivas nações,
bem como o deturpa no cenário mundial. Instaura-se assim, a guerra como
instrumento de se estabelecer a paz. Trata-se de uma medida dos Estados para
maxização de poder e soberania ideológica. Assim, o processo conflituoso de
sobreposição de poderes propicia o caos social. Princípios éticos no pensamento
realista perdem espaço para a instintiva busca por sobrevivência (seja física
ou ideológica), logo, conflitos são estabelecidos e atrocidades tidas como
processo necessário. Trata-se de viver o mundo que se encontra e não o que se
deseja.
Contudo, o idealismo propõe uma sociedade igualitária em poder de voz,
onde a estabilidade seria construída pelo diálogo e não pelo confronto e
agressões. O bem coletivo é o norte das decisões de forma a construir a ideia
de uma moralidade internacional de cooperação. Nesse sentido, são defendidas as
liberdades individuais e o Estado não tem poder arbitrário para agredir valores
sociais e cometer abusos de poder. Os conceitos e relações sólidas de uma
sociedade padronizada sofreram as interferências dos novos tempos, e sua
operacionalização sucumbiu a uma perspectiva alternativa.
O “derretimento dos sólidos”, traço permanente da modernidade, adquiriu,
portanto, um novo sentido, e, mais que tudo, foi redirecionado a um novo alvo,
e um dos principais efeitos desse redirecionamento foi a dissolução das forças
que poderiam ter mantido a questão da ordem e do sistema na agenda política. Os
sólidos que estão para ser lançados no cadinho e os que estão derretendo neste
momento, o momento da modernidade fluida, são os elos que entrelaçam as
escolhas individuais em projetos e ações coletivas – os padrões de comunicação
e coordenação entre as políticas de vida conduzidas individualmente, de um
lado, e as ações políticas de coletividades humanas, de outro (BAUMAN, 2001, p.
12).
A descentralização dos polos com o fim da Guerra Fria instituiu no
cenário mundial uma horda de nações emergentes e mercados instáveis em termos
de produção, consumo e sustentabilidade.
A gestão de território tornou-se ainda mais complexa sem as bandeiras
ideológicas regendo as relações internacionais. As grandes promessas econômicas
(países emergentes) configuraram uma alternativa ao mundo organizado segundo os
padrões do Estado Dominante Americano (EUA). Destaque especial para a China,
que se tornou o principal parceiro comercial bilateral (maior importador desde
2009), como afirmou Jim O’Neill (Chefe de gerência acionária do grupo
financeiro Goldman Sachs – que cunhou o termo BRICS - acrônimo referente Brasil,
Rússia, Índia e China). Os BRICS detêm mais de 21% do PIB mundial, formando o
grupo de países que mais crescem no planeta.
Durante
os últimos vinte anos, a política externa virou um dos principais campos de
batalha entre PT e PSDB, os dois polos que se elegeram pelo voto popular para a
presidência da República. Poucas políticas públicas foram tão polarizadas e
controversas. De um lado, os petistas enxergaram no governo Lula a diplomacia
mais arrojada. Com sua política externa ativista, Lula teria elevado a posição
do Brasil à de grande potência emergente. Segundo essa visão, FHC representaria
o exato oposto: a capitulação de uma elite entreguista à hegemonia dos Estados
Unidos. A cena que esse grupo gosta de reprisar é a do último chanceler tucano,
Celso Lafer, tirando os sapatos para uma revista de segurança em aeroportos
norte-americanos. Do outro lado do ringue, encontram-se os tucanos, para os
quais o presidente-sociólogo teria normalizado as relações com o mundo, tirando
o Brasil do isolamento acumulado nos anos de ditadura militar e de atraso
econômico. Para eles, a diplomacia petista seria uma função da vaidade
prepotente de Lula e sua equipe. Em ninho tucano, a cena em reprise é a de Lula
em Teerã, punho no ar, desafiando as grandes potências num abraço com o
presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. (FELLOW e SPEKTOR. 2016 P.18)
Neste novo cenário, nações formam
missões (de iniciativa privada e poder público) para defender interesses de
setores e vetores de desenvolvimento na busca por mercado e integração. As
recorrentes missões do Governo Brasileiro em visita a países Asiáticos (Ex:
Japão) reforçam esta observação. Acordos
de Cooperação e Protocolo de Intenções tornaram-se corriqueiro instrumento de
formalização da política externa. No Brasil, assim se busca investimento estrangeiros
e apoio político e tático nas relações comerciais (na medida em que decisão da
AGU em 2010 sobre a LEI No 5.709, DE 7 DE OUTUBRO DE 1971, restringe a ocupação
do capital estrangeiro no território tupiniquim na intenção de resguardar a
soberania nacional; cerceando assim o investimento do capital estrangeiro).
O
sistema político mundial está sofrendo os efeitos da perda de credibilidade e
confiabilidade da opinião pública referente aos políticos. Assim, percebe-se
uma horda de personagens da iniciativa privada, que até então atuavam no meio
político como articuladores e financiadores, assumindo papéis políticos, para
realizar gestão pública. Cidades, Estados e Países (EUA), elegem e creditam
mudança a ícones da inciativa privada. Dentre os vários riscos envolvidos, está
o de gerar conflitos de grandes proporções, em função de um choque de
linguagens. Se a iniciativa privada, que conduz seu plano de negócios com base
em decisões, estratégias e práticas Técnicas, tentar conduzir assuntos de
natureza Política de forma técnica, irá potencializar tensões, não compreender
as nuances da gestão política do território, e atrofiar relações necessárias
para a manutenção da sociedade.
A
Era Trump instaura no mundo, um cenário de instabilidade das projeções
políticas e da democracia, amplificando riscos de conflitos internacionais e
vulnerabilidade dos diversos mercados. Suas estratégias para alavancar a
economia daquele país, com geração de emprego e fortalecimento econômico são
controversas. Todavia, levantamentos da Economist Intelligence Unit - EIU
sugere que na América Latina o Brasil será um dos menos afetados e corre menos
riscos com as medidas norte-americanas de política internacional nesta nova era,
fundamentada em um protecionismo de interferência no comércio internacional.
A
política externa brasileira tem evoluído no sentido de flexibilizar parcerias
de modo a potencializar setores econômicos nacionais no mercado mundial. O País
buscou além de acordos de livre comércio, recuperar voz efetiva nas discussões
globais sobre o clima, sobre os direitos humanos, liderança regional e a
democracia. Todavia, as articulações fora do cenário econômico pouco avançam.
Não há no país, resultados de uma integração internacional em respectivas
políticas públicas no que concerne a melhoria de qualidade de vida da
população, modelo de gestão política e organização social.
O
Brasil vive um momento de emergência nacional. Em três anos, acumularam-se a
crise política inaugurada com os protestos populares (2013), o início de uma
longa recessão econômica (2014), a expansão da operação Lava Jato (2015), a
queda de Dilma Rousseff e a implosão eleitoral do PT (2016). Depois do ciclo
virtuoso de mais de uma década, a trajetória do Brasil é negativa. O pano de
fundo dessa transformação para pior foi uma economia global de baixo
crescimento, o aumento de nossa dependência econômica em relação à China e a
onda global de neopopulismo, que venceu o voto pela saída da União Europeia no
Reino Unido e levou Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Esse é o
contexto no qual se impõe a necessidade de modernizar a doutrina brasileira de
política externa. (FELLOW e SPEKTOR. 2016 P.18)
O Nacionalismo econômico defendido tanto no
Brasil, quanto no modelo defendido por Trump desconsidera nuances de uma
estabilidade social e democrática. Neste sentido é fundamental reestruturar as
leituras e objetivos do cenário interno para melhor definir as diretrizes de
relações internacionais. A inserção do país em discussões, com poder de
interferência, em questões globais, passa por um fortalecimento dos objetivos
que a nação tem além-fronteiras.
A
construção de uma nova doutrina de política externa demandará algum tipo de
consenso suprapartidário. Não é uma tarefa que possa ser descolada do processo
político interno, nem uma empreitada viável no curto prazo. Ao contrário,
trata-se de um esforço que demandará alguns anos de maturação, com ideias e
conceitos que, um dia, possam compor um arcabouço doutrinário mais ou menos
coerente. A ideia de uma doutrina de política externa é recorrente na história
brasileira. (FELLOW e SPEKTOR. 2016
P.22)
A política internacional de forma integrada
prevê a valorização das nações emergentes, encerrando a velha dicotomia de
mercado, sem isolar e criminalizar os Estados Dominantes tradicionais. É
importante que as nações possam ser distinguidas individualmente e também em
grupo. Não como um instrumento de manobra política em prol dos interesses de um
eixo, mas como um player relevante, que
transita com habilidade entre as especificidades da nação em si, e em grupo. Padrões
de crescimento bem-sucedidos devem ser adotados e estimulados. O amadurecimento
necessário para se posicionar no novo modo de fazer política que o caos
presente evoca, apenas será alcançado se as legendas e fronteiras forem
extrapoladas e expandidas. As nações, em espacial o Brasil, precisa conhecer e
equilibrar seus potenciais internos e externos para ocupar um lugar de relevância
na transição do uni para o multipolarismo das relações internacionais.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Ed. Zahar, 2001
Bauman, Zygmunt. Arte da vida. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
FELLOW, Senior. SPEKTOR,
Matias. Coordenação: 10 Desafios da
Política Externa Brasileira. 2016. CEBRI. Fundação Konrad Adenauer
FOGAÇA, Jennifer Rocha
Vargas. "Tensão Superficial da Água";
Brasil Escola. Disponível em
.
Acesso em 18 de maio de 2017.