quarta-feira, 17 de abril de 2024

Codinome



O beija-flor vive a intensidade de cada jardim. Além dos muros, que lembrança e que vínculo ele leva? Existe a realidade do voo, a da sua existência, e a dos jardins? As flores confundem sua cabeça e interferem no seu voo sem plano? Quisera eu conversar com um, quem sabe ele se reconheceria na minha trajetória e me libertaria na dele. 

O silêncio. Diz muito, dos sentimentos interiores; dos pensamentos que ainda não estão em palavras. Pura ideia, estrofe e verso. Ele esconde e revela o agradecer. A vida. Envolver-se com a paisagem. Fluir sem amarras, sem priorizar as expectativas do outro. Compreender o fluxo, seu lugar e dimensão dentro dele. 

Meu amigo das manhãs e tardes continua a vir em seu bebedouro de néctar. Às vezes eu o acompanho com um café, um vinho, um verso. Ele retribui voltando, e até mesmo pousando em paz, sem se assustar.  Suas asas anunciam a força de seu voo sublime, preciso. A lemniscata. Casal lindo seria o beija-flor com a borboleta. Perpassar as flores de seu dorso e transcender conceitos, expectativas e o que mais se entende por existir. Seus filhotes teriam voos transcendentais.

A sensação de estar permanentemente ébrio, mesmo estando há dias sem beber. A apatia de sentir o vento, os sons e as texturas sem me impregnar de tais essências. Igual a tantos. Independentemente de quantas danças foram feitas com o tempo, perdura no coração, a dúvida sobre quantos acordes ainda virão. Diferente de muitos, persisto. 

Ornado de franjas ou fitas a simetria do meu amor. O meu perfeito verso escrito em meus poros, reluzindo em cobogós de minhalma. Contudo, ouço o som do envelhecimento em meus sentimentos. As rugas do meu olhar alteram a realidade que se faz dentro de mim. Pode ser que eu tenha chegado ao fim. 

domingo, 7 de abril de 2024

A ternura de se esvair



O café ainda está quente. Sobre a mesa mais do que ideias, mas essa inquietação por colocar em palavras os sentimentos pujantes em minha mente.  O carro começa a fazer barulhos fora do que se espera. A casa começa a ter infiltração, rachaduras. O aperto no peito repentino. As misteriosas dores. Toda estrutura sofre intercorrências. Se esvair com ternura entre aspirações, sentir a personalidade sumir na multidão. Um parafuso se solta com a trepidação. Após o pequeno parafuso, tudo o mais se desmontou. Nossos impulsos nervosos são fábricas de arrependimento. Nossa pequenez nos assombra, todavia nos acolhe no isolamento de passar desapercebido pela movimentada via encantadora, porém dolorosa.


Quão ternura esconde na gota

que não se alcança no olhar

a lágrima oculta revela o que

a palavra não pode suportar.

Sou o orvalho na relva nua.

O resquício da linha quebrada

do verso que você não lerá.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Erroneamente



A vida emocional. O físico, o financeiros, o profissional, as amizades, família, amor, o passado, o futuro, o material, o espiritual. Tudo em desarranjo. O caos é instrumento de transição e não de perenidade. É marco de virada de eras. Como saber se seremos fruto da transição ou uma peça dela, ou ainda um reles estopim? Meus pés não interrompem meus passos. Abismo? Mais que isso.

Já muito me apaixonei. Quantas vezes rodopieis na misteriosa chama. Tantas que minha memória esconde minhas ações ridículas de acreditar que as pessoas fazem das paixões histórias de amor.

Tornei-me o irreconhecível, o descartável, o desprezível. Mas como diz a canção, “tudo bem“. Envelhecido na ingenuidade, na bondade foi contido todo meu nervosismo inexplicável. Na contemplação da vida o sossego que me acalma, me amadurece. Não me silencia, os meus silêncios, são turbulentos de ideias e sentimentos. São pura entrega.

Não sabia eu, quando aquelas madrugadas, através dos vários instantes de dor, que no passar do tempo tudo me seria diferente. Eu não via a rima, tampouco o nascer do sol. Eternidades na madrugada repousam.

O vento não coloca flores em porta do carro, quem coloca são os poetas. Os enamorados, que vão além da paixão. No entanto, a mente completa com ilusões os sentimentos incompletos.

Desde a infância. No sofá, no escuro, com a caneca de leite. Na cama, nas janelas, nos colchões no chão, na rua fria, no duro asfalto silencioso, na apatia das multidões, na solitude dos pensamentos. Eu não tinha plena convicção do porvir. Mas quem tem?

Frondosa árvore que ao vento balança, no silêncio de uma manhã de sol. Seu verde ainda mais vívido, com pitadas brancas de pequeninas flores. Quase imperceptível, mas exuberante em sua sutileza, uma borboleta de asas cor laranja, com detalhes pretos. Se a flor de asas se entrega ao voo, um desavisado beija-flor apaixonado pode muito bem a encontrar. Mas enquanto eu olhava, a borboleta bateu asas antes de voar. Olhou-me nos olhos e formosa vez um voo circular, para assim me deixar, em puro encantamento, enamorado.

quarta-feira, 20 de março de 2024

O poema silencioso



Era como se fosse um paralelo universo sem amarras sociais, sem lastro de passado, presente ou futuro. Era apenas o instante nu, em sua exuberante simplicidade de ser.  As palavras fluem como o ar que toca minha face com o frescor de um vento, um poema silencioso. A sabedoria que busco para conduzir meus dias tento agarrar e aplicar sobre todas as circunstâncias, mas me é tão difícil. Tantas lembranças que eu gostaria de não ter, tanto laboratório de sentimentos e sensações que eu preferia não ter, mas foi o que me formou. Se isso pode ser visto como algo bom. Seja o sol a revelar os contrastes ou as nuvens a apaziguar tons e até mesmo ruídos, reduzindo o ritmo da vida, desfranzindo testas, despertando olhares. Equações de variáveis muitas vezes não confiáveis. Um sofrimento sem medida se instala nos corações. Então. Seja o tempo ou metade do tempo. O desfecho das minhas alegrias no calabouço das ilusões de amores. Amores confusos de vidas passadas, de um universo paralelo que na minha cabeça se desenvolveu e forjou o meu caráter. Impressionantes conceitos, ritmos aleatórios por onde quer que se passe. É aleatório para quem está deslocado, mas para quem está inserido, é a pura rotina, muitas vezes de adrenalina e tédio em alternância sem aviso. O angelical rosto de uma criança nos salva de nós mesmos. Então consigo ver além de toda essa fuligem social e compreender a realidade que vivo com mais entrega.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Plataformas

 




É fundamental conhecer o território, os hábitos de deslocamento e perfil de absorção de mensagem do seu público; e assim utilizar a diversidade das plataformas disponíveis para reverberar a narrativa e potencializar a mensagem, desdobrando os conceitos pelas peças e ações de comunicação.

ressaca dos olhos


Criam-se os estandartes dos argumentos que atrofiam qualquer forma verdadeira de relacionamento interpessoal. Preferem viver a imagem, preferem reforçar os rótulos. O que há de ser verdadeiro foi resignado a ser taxado como piegas. 

Há muito não via olhos diferentes assim em uma pessoa. Ela tinha olhos de morte, olhos de abismo, prendendo quem se aventurava a gritar. Preso no eco das esperanças distorcidas, assim ficavam suas vítimas. Mantive-me distante daquele abismo, embora ele tenha rondado onde eu precisava estar.  E os olhos de morte, a tudo que tocam destroem, sugam a energia, suprimem toda forma de amor. Aliás, amor é o que menos importa na sociedade. O poder sim é o que através de gerações encanta as relações. O poder, e todas as suas manifestações. 

A memória transporta o espírito para o litoral. Olhos de ressaca, assim como a voz rouca, uma vez já confundiram a atenção de quem estivesse por perto. Ela dobrava o horizonte na impossibilidade de estar livre. Boca grande de lábios devoradores de sorrisos, de suspiros. O sofrimento impelido a quem se fragiliza por perto é irremediável até mesmo para o tempo; que assim como o vento, apenas passa.

Territórios. Olhos de oásis. Ela não gosta de perder. Precisa ser referência, ter domínio. Pensa ser este seu lugar na vida das pessoas; ou ser este seu instante de segurança. Por isso, abre mão primeiro, para demonstrar controle.  A primeira a abandonar. A primeira a tentar reconquistar. Olhos de inocência e perdição, ela ostenta. Assim ela se esconde das questões mais interiores, evita se ver no espelho, e se envolve com a superfície dos outros, em um mergulho perigoso. Mergulho no lago congelado, o clichê eterno, sem retorno.

Não. Ela não é romântica. Tampouco atenciosa no que faz a diferença a quem sente. Ela é atenciosa ao que julga ser importante. A empatia é limitada. Não. Ela não fala de amor, pois evocaria se despir de todo sistema de defesa instituído. Não se pensa nas lembranças construídas. Apenas se alimenta das reminiscências de um outrora deturpado. Outrossim, encantador.

A narrativa do empoderamento impera sobre os sentimentos. Assim, uma frieza e controle social castra aos poucos os que estão à flor da pele. Latente é o desejo em ter pelo menos um pouco de dinheiro para comprar a paz, dando o dinheiro a quem o ama. Realidades divergentes todo o tempo dentro da nossa cabeça. Derrubadas por variáveis das equações da realidade, sentimos pesar os ombros. Sentimos a mente se confundir. 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

sol


Tempo e distância. Oito minutos e meio. O compasso do atraso. Com quantos sonhos pode se viver? Cada dia um sonho a menos. Qual o mínimo antes de sucumbir? O brilho emitido, o brilho exigido. A luz que é possível, o calor que consegue atravessar a colossal frieza. O sentido que a palavra suporta. O sentimento que o olhar sustenta. O corpo que se desfaz ao vento. 

O gás acabou. Então a água foi para o micro-ondas. O carro precisava abastecer. Pouco dinheiro na conta. Choveu, então as roupas foram para a secadora. Controle nenhum sobre a essencialidade do corpo. Desconhecimento  sobre os automatismos que mantêm a vida. Tudo se ajeita. A hora certa é a hora que se chega. Estamos sempre no tempo. Nem antes, tampouco depois. Estamos no tempo e não na nossa expectativa (menos ainda dos outros) de se estar no tempo (seja momento ou horário). Uma conversa olho no olho não se sustenta há muito tempo. Já experimentou? Manter o olhar nos olhos de alguém enquanto conversa? É o mútuo mergulho, enquanto as palavras se derramam. Sustentar o olhar é manter o equilíbrio ao atravessar a corda bamba, sem rede de proteção.

Cachorro late. Dias nublados são tão calados. Será o mesmo silêncio de um dia em que neva? Diferenças. A gota precipita, mas a chuva não vem. Sorrisos rasgados forram a paisagem de mais um ciclo do mais do mesmo. A cobrança movimenta a sociedade, mas o desequilíbrio entre o que se cobra e o que se entrega deixa os indivíduos à beira do colapso. Pessoas que não se reconhecem mais ao espelho.

Em mim os sentimentos do mundo fizeram passagem. Assim como fizeram com tantos outros. Provei da sensação de ter o potencial, ter as respostas e os resultados, de tudo o que me foi extraordinário e miserável. Soube como foi a sensação de estar no ápice e também de ver degradar ao espelho minha face, meu corpo, meus sonhos. Entendi que tudo o que conquistei e sou grato.

Poeira. Beira à poesia quando brinca com as palavras vazias e se instala sobre as superfícies. Todas as superfícies. Muda então a cor, o cheiro e a textura dos ambientes. Muda o significado e o ritmo de vida. A poeira só vira sujeira quando muda-se o olhar, ou quando se passa a mão sobre a superfície. O que é poeira em um objeto vira sujeira nas mãos.

quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Entre a falta e a culpa


Algumas narrativas brotam semelhantes a cogumelos no gramado. São tantas texturas e contrastes além do risco. Os arquétipos se alternam em contínuo processo de sobreposição, deterioração. Perpetuam ilusões no cerne da sociedade. As análises, as tomadas de decisão, os sentimentos perseguem e o balançar na rede funciona como fuga em um dia de chuva. Os pensamentos escapolem pelos dedos quando o pote dos sentimentos é desastradamente despejado, derrubado. Tudo se espalha e ninguém vê. 

E a humilhação que passo é tão sutil que parece até namoro com a realidade. Sucumbi a desfazer-me de quem sou e a aguentar fazerem de mim o que cabe nas circunstâncias. O erro está na expectativa criada. Esse clichê que ainda executa pessoas e relacionamentos. Em uma sociedade líquida, as pessoas se divertem na ignorância sobre o impacto de suas ações. Um festival de suposições a maltratar o outro. Sou o bobo já cansado dos rótulos carregados. Cansado dos sentimentos que me rasgam e também dos que me trazem paz e aquele sorriso espontâneo. No cansaço me situo na impossibilidade de ser amado como sempre sonhei. Culpa das canções, dos versos, dos filmes, dos luares. Culpa de um sistema criador da falta. A falta. 

O de repente é a carta na manga do destino. Como traz a chuva que lava e leva e nos desperta. Na madrugada, o som da água lá fora fica ritmado às lágrimas do meu silêncio. Não há filme, livro, ou enredo especial. Trata-se da vida comum de quem vivencia o refletir a vida que leva ao invés de só apenas a deixar fluir como fazem tantos.

Não escondo minhas falhas, tampouco delas me permito ser refém. Exerço no íntimo minha liberdade de pensar e escolher, sem ter de submeter a uma moral da qual não comungo. 

Não imagina a ferida exposta que já não consigo estancar. Não é falta de sabedoria. É dor mesmo. Dor genuína, assimilada pelo cérebro, manifestada em todo o corpo.  Dor crônica do ferro em brasa da realidade cravando na alma os conceitos ainda sem palavras, sem significantes. Dor que se estabiliza na apatia de perpassar núcleos sociais e pessoas em busca da iluminação; do fim. Sem continuações, nem reescritas. Aprofundar em Dahl e assim temperar a própria existência. Encantador e esquecido como Ostrum. Ir além das oito semanas de cegueira.  Uma mancha na lembrança de uma pessoa senil.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Borboleta de Dalí



Martela sobre mim essa gota.

Rasgam-me suas gargalhadas atrás das paredes.

No precipício, minhas lágrimas se preservam, pois você não mais merece o meu derramar.

O silêncio que carrego não tem nada de extraordinário, apenas guarda, resignado, tudo o que deveras sinto.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Leitores anônimos



Já lidei com essa complexidade de jardins. Já me feri nos espinhos, senti a textura do chão, das pétalas, das folhas secas, dos ciclos. Embora nunca dependa apenas de uma das partes. Precisam ser dois. Falhei em muitas escolhas e fui refém das consequências das escolhas de outras pessoas. Embora enganoso seja o coração, bem nítido e pujante é o sentimento. O beija-flor visita jardins que não plantou, desconhece as flores que polinizou com seus voos, canta no silêncio; tem de se ouvir com a alma, esse enigma de três sílabas.  Seu torpor noturno é o refrigério entre os dias. 

Faço todos os dias um café que não tomo. Pelas ruas, pessoas se jogam de prédios todos os dias. Pessoas se afogam no espelho a todo momento. Envolvo meu pescoço em perfumes políticos dos quais me lavo com urgência. Outrossim, delicio-me ao mergulhar em perfumes da impossibilidade, de um tempo que não existe fora da minha cabeça tola. Aromas e odores. Deixo traços espalhados onde quer que repouse a rima. Leitores anônimos encontram dando pasto ao olhar pela internet, pelas ruas, ou capturados por algoritmos que vistoriam palavras chaves em um campo minado, e muitas vezes mimado, de significados.

Essa dependência química que um ser humano tem pelo outro. Essa necessidade de validação da existência, das ideias, das virtudes. Essa ânsia por absolvição, que seja feita pelo outro. Esta busca insana por algo que não está ali. Cansei. Release-me. 

O contraponto; a ternura, o descobrimento do que é novidade. O  encantamento do que nos faz bem.  Tomo café que não fiz e delicio-me com a falta de açúcar, mas muito afeto. Os bilhetes de carinho, os olhares e abraços. Enamoro-me pelas risadas que não dou, pelas palavras que não falo, pelos sentimentos que sinto. Admiro e amo a avenida 15 de maio, pela qual nunca pude passar, tampouco morar; um refúgio peculiar, moderno, angelical, instiga e acolhe; transcende a sensação inicial de deja vu. Encontrei fora do compasso meu destino naquela ponte estilo DNA de concreto em uma noite sem gravidade. Mas tudo me escapole no rodar da Terra. Será que Deus perdoa o beija-flor? Ou é ele que conduz seus voos? Indo quem sabe além de Hanff Doel. Tudo me escapole na limitação do que sou.

Leio os livros que não escrevi ao som das canções que apenas sei balbuciar. Entre o que não esqueço e o que sempre lembro, fica a sensação verdadeira da possibilidade. 

Todo dia 15 de dezembro um deles passa mal. As circunstâncias ao redor passam de calmaria à trepidação. Alternam-se até dissipar o dia. Talvez seja porque nesse dia abre o portal que os faria ter outra história. Talvez este tenha sido o último ano, ou não. Acontece que o momento é tão sublime.. um clichê de cinema… pouco te vi, mas sempre te amei! As pessoas não falam mais de amor, pois muitos o pararam de sentir.

A mesma sutileza de um voal branco ao vento. Como um véu dançando ao vento. Ela perpassa meus momentos mais íntimos. A trilha de gravidade, a trilha interstellar, a tosse na sala de cinema, as mãos que se esbarraram na pizzaria, as conversas, as mensagens anuais, o silêncio das fotos na timeline

"... você sempre o mais sensível e me passando mensagens marcantes e inesquecíveis pra mim: sempre lembro com carinho especial! "

Então o vento, a empurrar os ponteiros, me lança. A sutileza de um voal branco ao vento varre meu olhar. Não tenho lugar no coração, tampouco na memória... dos leitores anônimos.