terça-feira, 26 de abril de 2022

Asas e folhas


Era apenas uma carona, ou um aviso sobre leveza, sobre a efemeridade do tempo, sobre o olhar silencioso, sobre os detalhes, texturas e despedida. Folha ao vento, verso no tempo.

Os olhos ainda são os mesmos. As rugas, as linhas nas mãos. A memória que repete as mesmas lembranças, soterrando outras. Até que o vento levanta as folhas. O reconhecer-se no espelho, mesmo tendo mudado o rosto, a carne, os olhos ainda são os mesmos. Mas não tinham a noção, ou uma pequena prévia do que iriam presenciar. As décadas de imagens e sensações. Ainda são os mesmos? Pouco importa. 


sexta-feira, 1 de abril de 2022

e se


E se a compreensão fosse a premissa da convivência? As palavras formassem frases sem lâmina, pontas e feridas. E se a intenção da convivência não fosse ganhar sobre o outro, mas compartilhar e contribuir com o fluxo natural da existência. Por instantes fechasse os olhos e interrompessem todos os pensamentos. Se pudesse morar no encantamento que há no sorriso e brilho nos olhos dos meus filhos. E se não fosse necessário torres de letras para explicar o quer que seja? Se compreendêssemos que as pessoas não são substituíveis, cada um é único. O que alternamos é que indivíduo ocupa qual cargo social. E se o tempo pairasse sobre nossos sentimentos bons, controlando o alcance dos ruins, sem dar publicidade à flor da pele. E se eu fechasse novamente os olhos, e por aqui interrompesse tanta paráfrase, tantos passos pernósticos de dança? E se ao menos você não lesse, não julgasse, e se aquietasse no canto ao meu lado, admirando texturas, movimentos, folhas, nuvens, e o luar. Se as fotos não ficassem caladas na caixa. Se o colibri voltasse a bater asas em meu jardim, e se eu fosse ele?

Se parassem os gritos, eu ouviria; escutaria então meu coração parar.

E se o cansaço passasse e as palavras de veludo corporativo cessassem. Apenas verdade, sem arrogâncias, sem plásticas, sem Leólo espiar pela fechadura e escandalizar com a realidade. Apenas fluir as águas, sem assorear, inundar ou matar de sede. Esse permafrost social... e se tudo fosse uma simples questão de perceber e não ferir? De ser, se envolver e ter paciência para compreender. Se de repente não fossem precisas as amarras das fórmulas.

E se o abraço fosse de entrega, como o frescor da brisa no alto da serra? Se os sabores não tivessem nome além da maravilhosa sensação de senti-los e compartilhá-los.

E se como os escravos de uma realidade (que usa do conforto da tecnologia como grilhões), ficarmos à beira da estrada? Como o poema ou a canção, acolhidos pela misericordiosa natureza, única capaz, de dar paz; com a estrela da manhã que brilha à noite, enquanto o vento espalha a canção no nada.



https://www.escritas.org/pt/t/13069/a-cruz-na-estrada

A chuva intensa veio e foi-se. Após o cheiro de terra molhada sumir, teve quem dos escombros buscou alívio, e teve também, quem nem percebeu que choveu.

E se num piscar de olhos, a vida corresse apenas a novidade, nos trechos que fechadas as pálpebras vivenciamos a realidade no escuro, sem medo...

e assim partir.