quarta-feira, 17 de maio de 2023

ritmos


Esse tempo. Essa beirada. Pergunte às pessoas, não todas assim estão, mas muitas se identificam. Ansiedade. Taquicardia, suor em excesso, inquietude, peito apertado, euforia e tristeza. A sociedade se modernizou em busca de paz, de conforto, de uma sobrevivência com mais dignidade, enfrentando problemas de saúde que vinham das limitações do corpo diante das condições de vida de gerações passadas. Então, o dilema eram as doenças físicas. As respiratórias, cardiovasculares, motores e etc. Com o passar do tempo, o modal mudou. A depressão reinava silenciosamente famílias, escritórios, indústrias, escolas. E agora, nem tempo para se deprimir o indivíduo tem. A ansiedade o colocou em estado de urgência frenética, envelhecendo-o anos em segundos, tencionando sua saúde mental de tal forma que a paz, esse Santo Graal, fica entre a névoa dos dias diante dos olhos. Sem leituras de grandes textos, sem canções de repetidos refrãos, sem conversas longas. Apenas pílulas. Pílulas.

Muitas vezes ao canto na história. Ainda permaneço à medida que pereço, com ternura. Colocaram-me como o vilão de traumas circunstanciais; exigem o tempo todo uma ação submissa, transferem responsabilidade para meus ombros, pois assim não é necessário cada qual pensar em sua participação na história. Transitam a superfície dos argumentos e fatos como se fosse o sólido chão; no entanto, trata-se da tensão superficial que a qualquer momento poder ser rompida, afogando-os no ego. Risadas rasgam narrativas rompendo a tranquilidade dos pássaros. Goteiras martelam pensamentos e o tempo dança, dentro e fora. Gira o multifacetado prisma da realidade e os indivíduos cada qual sobressai em respectiva história de vida como protagonista de seus dramas, algoz e herói, vítima e carrasco. Não há no firmamento indivíduo de um rótulo, ou papel social, apenas. Transitam entre as emoções e o tempo, os personagens. Personagens desejados, outrora temidos e até mesmo evitados, perseguidos, negados. Personas estandarte de campanhas de comunicação, alvos de discursos políticos, de homilias e sermões religiosos. Rasas quando olhadas de perto no espelho.

Água sobre rochas, água entre areias. Mares e cachoeiras. Corpo é carne, ossos, nervos, fluidos e conexões. A imagem/sensação que se faz deles é que são objeto de desejo, produto. Dinheiro, poder, assim tudo o é; imagem e representação. Afora a subsistência, é o que movimenta a sociedade. Imagem e representação.


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Ritual


Tratam o corpo mas não o caráter. Entristecido entendo que quanto menos me envolver com as minúcias das ruminações sociais, mais me aproximo da paz. O passear do tempo pelas coisas; paisagens e sabores nos conduzem por uma experiência mais verdadeira. Dieta de palavras e pensamentos poderia ser uma recorrente prática. 

As pessoas se entregam a rituais alimentares, rituais espirituais e financeiros. Comedores de hóstia, de pão vinho e oferendas. Exibidores de etiquetas, defensores de brasões falidos, empoeirados, tradicionais. Carregam o estandarte de um corpo e mente que não possuem. Tudo para criar imagem e não fundamento. Olhando bem, se percebe a falência de virtudes publicitárias de uma sociedade de fachada. Passaram a torcer para os bandidos porque os mocinhos se revelaram ao longo dos séculos como corruptos malfeitores, então o paradoxo do anti-herói. O alimentador de beija-flor balança espalhando néctar no chão.

Olhares vazios e tristes, em crianças. Espanta ver que os pais não percebem. E se percebem, procuram culpados e não solução. Palavras vazias e pontiagudas de adultos. Entristece perceber que não conseguem mais compreender a imagem do espelho. Condenam o próprio reflexo como se fosse o outro.  Farto dos noticiários e do além muros da vizinhança. O quanto a morte tem de interrupção para quem não morreu? O quanto ela faz quem fica refletir sobre a importância de títulos, placas e comportamentos, de intrigas pequenas, de emoções pueris?

Cada vez que as nuvens descem em chuva é como se me devolvessem tantos olhares lançados ao céu, às estrelas, ao luar e aos pássaros que plainam nas correntes quentes do ar em dias de pleno sol de um azul profundo. Cada gota encontra um poro para entrar e irrigar minhas emoções de paz para vivenciar a tristeza e romper o instante com o que me é possível de esperança. Então deixa chover. Porém, quando não se pondera, essa chuva lava alma e espalha lixo e angústias, derruba pontes e muros, casas, ruas, paixões pueris que se tornam um mar de lama.

Seja a folha que cai, ou o brilho que do sol, entre cortinas, aquece minha face; a paz. Os pés descalços na grama, as palavras bem guardadas. Sigo.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

asas de borboleta



Faceado com o tempo espero transcorrer sem más lembranças. Que o esquecimento absorva o que não merece memória. Agraciado pela sobreposição de conteúdos, posso seguir sem a lupa social aquecendo minha cabeça. A teoria do agendamento se move como o mar na força das marés. Ultimamente, com a multiplicidade dos meios, do perfil dos engajamentos, produção e consumo de conteúdo, a perenidade tornou-se conceito descartável e o legal tem prazo de validade. Modernidade confundiu-se com ser volúvel a qualquer custo e em todas as situações. 

Pelo dorso nu descem borboletas e ramos de calêndulas perfumadas. Mãos firmes, lábios entreabertos e a mente sem fronteiras. Agente do caos, o bater das asas da borboleta é só um instante do seu voo. Sua trajetória, seu encantamento de cores ao vento, sua linha no ar desafiando a rima e o olhar. O sol pela janela afaga com calor os rostos que despertaram bem cedo. Dez batidas por segundo em um voo nada errático. Trinta graus celsos para voar. A temperatura do ambiente influencia em sua capacidade de voar. 

Me é interessante a maneira como o pensamento vem, borboleta no meu cérebro emocional e vai. Leva um pouco do que sinto, deixa um pouco do que lembro. Parte com algo que não tem mais encaixe, mais sentido, ainda assim nada se abala. Compreendo melhor o ritmo das coisas sem delas ter de falar. Sinto.  Somos o óbvio do diferente que queríamos nos tornar.

Dez batidas por segundo em um voo nada errático. E o que se passa no coração de quem vê? E como se transporta o olhar de quem está preso em uma lógica de vida tão limitante e aprisionada? Que narrativa natural liberta de verdade, com a paz de viver bem? Independentemente de onde e como se está. O grito que você não escuta, ainda é grito e lágrimas são lágrimas, por mais que o poema não revele.