segunda-feira, 15 de maio de 2023

Ritual


Tratam o corpo mas não o caráter. Entristecido entendo que quanto menos me envolver com as minúcias das ruminações sociais, mais me aproximo da paz. O passear do tempo pelas coisas; paisagens e sabores nos conduzem por uma experiência mais verdadeira. Dieta de palavras e pensamentos poderia ser uma recorrente prática. 

As pessoas se entregam a rituais alimentares, rituais espirituais e financeiros. Comedores de hóstia, de pão vinho e oferendas. Exibidores de etiquetas, defensores de brasões falidos, empoeirados, tradicionais. Carregam o estandarte de um corpo e mente que não possuem. Tudo para criar imagem e não fundamento. Olhando bem, se percebe a falência de virtudes publicitárias de uma sociedade de fachada. Passaram a torcer para os bandidos porque os mocinhos se revelaram ao longo dos séculos como corruptos malfeitores, então o paradoxo do anti-herói. O alimentador de beija-flor balança espalhando néctar no chão.

Olhares vazios e tristes, em crianças. Espanta ver que os pais não percebem. E se percebem, procuram culpados e não solução. Palavras vazias e pontiagudas de adultos. Entristece perceber que não conseguem mais compreender a imagem do espelho. Condenam o próprio reflexo como se fosse o outro.  Farto dos noticiários e do além muros da vizinhança. O quanto a morte tem de interrupção para quem não morreu? O quanto ela faz quem fica refletir sobre a importância de títulos, placas e comportamentos, de intrigas pequenas, de emoções pueris?

Cada vez que as nuvens descem em chuva é como se me devolvessem tantos olhares lançados ao céu, às estrelas, ao luar e aos pássaros que plainam nas correntes quentes do ar em dias de pleno sol de um azul profundo. Cada gota encontra um poro para entrar e irrigar minhas emoções de paz para vivenciar a tristeza e romper o instante com o que me é possível de esperança. Então deixa chover. Porém, quando não se pondera, essa chuva lava alma e espalha lixo e angústias, derruba pontes e muros, casas, ruas, paixões pueris que se tornam um mar de lama.

Seja a folha que cai, ou o brilho que do sol, entre cortinas, aquece minha face; a paz. Os pés descalços na grama, as palavras bem guardadas. Sigo.

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