sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Borboleta de Dalí



Martela sobre mim essa gota.

Rasgam-me suas gargalhadas atrás das paredes.

No precipício, minhas lágrimas se preservam, pois você não mais merece o meu derramar.

O silêncio que carrego não tem nada de extraordinário, apenas guarda, resignado, tudo o que deveras sinto.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Leitores anônimos



Já lidei com essa complexidade de jardins. Já me feri nos espinhos, senti a textura do chão, das pétalas, das folhas secas, dos ciclos. Embora nunca dependa apenas de uma das partes. Precisam ser dois. Falhei em muitas escolhas e fui refém das consequências das escolhas de outras pessoas. Embora enganoso seja o coração, bem nítido e pujante é o sentimento. O beija-flor visita jardins que não plantou, desconhece as flores que polinizou com seus voos, canta no silêncio; tem de se ouvir com a alma, esse enigma de três sílabas.  Seu torpor noturno é o refrigério entre os dias. 

Faço todos os dias um café que não tomo. Pelas ruas, pessoas se jogam de prédios todos os dias. Pessoas se afogam no espelho a todo momento. Envolvo meu pescoço em perfumes políticos dos quais me lavo com urgência. Outrossim, delicio-me ao mergulhar em perfumes da impossibilidade, de um tempo que não existe fora da minha cabeça tola. Aromas e odores. Deixo traços espalhados onde quer que repouse a rima. Leitores anônimos encontram dando pasto ao olhar pela internet, pelas ruas, ou capturados por algoritmos que vistoriam palavras chaves em um campo minado, e muitas vezes mimado, de significados.

Essa dependência química que um ser humano tem pelo outro. Essa necessidade de validação da existência, das ideias, das virtudes. Essa ânsia por absolvição, que seja feita pelo outro. Esta busca insana por algo que não está ali. Cansei. Release-me. 

O contraponto; a ternura, o descobrimento do que é novidade. O  encantamento do que nos faz bem.  Tomo café que não fiz e delicio-me com a falta de açúcar, mas muito afeto. Os bilhetes de carinho, os olhares e abraços. Enamoro-me pelas risadas que não dou, pelas palavras que não falo, pelos sentimentos que sinto. Admiro e amo a avenida 15 de maio, pela qual nunca pude passar, tampouco morar; um refúgio peculiar, moderno, angelical, instiga e acolhe; transcende a sensação inicial de deja vu. Encontrei fora do compasso meu destino naquela ponte estilo DNA de concreto em uma noite sem gravidade. Mas tudo me escapole no rodar da Terra. Será que Deus perdoa o beija-flor? Ou é ele que conduz seus voos? Indo quem sabe além de Hanff Doel. Tudo me escapole na limitação do que sou.

Leio os livros que não escrevi ao som das canções que apenas sei balbuciar. Entre o que não esqueço e o que sempre lembro, fica a sensação verdadeira da possibilidade. 

Todo dia 15 de dezembro um deles passa mal. As circunstâncias ao redor passam de calmaria à trepidação. Alternam-se até dissipar o dia. Talvez seja porque nesse dia abre o portal que os faria ter outra história. Talvez este tenha sido o último ano, ou não. Acontece que o momento é tão sublime.. um clichê de cinema… pouco te vi, mas sempre te amei! As pessoas não falam mais de amor, pois muitos o pararam de sentir.

A mesma sutileza de um voal branco ao vento. Como um véu dançando ao vento. Ela perpassa meus momentos mais íntimos. A trilha de gravidade, a trilha interstellar, a tosse na sala de cinema, as mãos que se esbarraram na pizzaria, as conversas, as mensagens anuais, o silêncio das fotos na timeline

"... você sempre o mais sensível e me passando mensagens marcantes e inesquecíveis pra mim: sempre lembro com carinho especial! "

Então o vento, a empurrar os ponteiros, me lança. A sutileza de um voal branco ao vento varre meu olhar. Não tenho lugar no coração, tampouco na memória... dos leitores anônimos.