sábado, 24 de dezembro de 2022

Natureza morta

Palavras estagnadas, não conseguiram se formar e sair pelas cordas, tampouco alcançar a garganta. Menos ainda estabelecer-se em frase e assim quem sabe talvez fazer sentido aos ouvidos sem pálpebras que por perto poderiam estar no momento. Confiar nas coincidências e na providência é algo que beira a insanidade; um padrão de comportamento contrário ao padrão da maioria.

As narrativas das mais diversas plataformas de mídia transitam não mais por um fluxo bilateral de mensagens. Ele agora (há muito tempo) considera os fluxos semelhantes aos neurais, com suas grandes, pequenas e múltiplas redes de conexões. Um número alto e intenso de emissores, mensagens e receptores, com um tempo de processamento (assimilação e retenção da mensagem) menor do que em gerações passadas. Desta forma, as doenças emocionais tais como a ansiedade, passam a ser recorrentes e permanentes. Como fazer uma comunicação que não piore o cenário? Consciente de que não tem o poder de alterá-lo por completo, mas de ser a alternativa em um contexto tão avassalador e impessoal? Na comunicação pessoal é o desafio para se manter as relações familiares. Na comunicação corporativa, é a árdua ação de proteger uma marca, conduzi-la ao amadurecimento, e reverberar seu posicionamento e sua missão de forma efetiva e não apenas de fachada.

A impessoalidade não é mais de mensagens robotizadas, mas de narrativas sistêmicas programadas, de  uma espontaneidade forjada, veiculada em stories, grupos de WhatsApp, nos cartões de natal e aniversário ainda existentes, tudo velado como se fosse orgânico. Baterias sempre carregadas e olhares ávidos por ter sempre sinal. Verdades e pós-verdades incrustadas no comportamento cotidiano e então tudo passa a ser tido como natural.

E esse novo natural que se instaura na sociedade e confunde os referenciais, propicia ao conflito, à sobreposição e uma suposta evolução pela aniquilação do divergente e não a partir de um possível consenso e coexistência. Veladas de paz, as narrativas tornam-se ácidas, mesmo que silenciosamente, aumentando a fissura entre as famílias, grupos sociais e as bases culturais. Neste cenário, mais do que ter os sentidos apurados, saber utilizar a interrogação e as reticências para a ser um requisito de sobrevivência.

Havia uma árvore na floresta. Se comunicou com as demais pelas raízes, alertando a chegada de uma nova praga. No entanto, não tinha como correr. Centenária, com suas raízes espalhadas por todo o solo, ela sentiu o vento, absorveu dele um pouco de Co2, percebeu o percorrer dos últimos raios solares pelas suas ranhuras, folhas e galhos, sentiu o golpe, sucumbiu. Na queda, seus frutos foram longe. Foram também no bucho de pássaros. Suas flores forraram o solo de sua putrefação. Durante alguns anos, a sua memória era percebida pelo buraco na paisagem e pela maneira com que cada organismo se aproveitou do que dela restara. No entanto, não há canção que perdure, por mais que repita, o tempo. sempre ele, ou a percepção que temos dele. Pujante, a natureza morta abusa da paleta de cores e argumentos.


segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Contra


Trâmites aparentemente aleatórios delineiam a silhueta e as entranhas de uma sociedade prisioneira dos próprios conceitos, principalmente os que remetem a liberdade e felicidade. 


O poder. A maneira como é venerado, buscado e como atordoa quem o exerce (seja em qualquer esfera) representa a imaturidade dos indivíduos em serem entronizados; tanto na família, na empresa, na política, e em todas as etceteras


O dinheiro é o estandarte mais arraigado em boa parte dos indivíduos. Abraçam e se mergulham no dinheiro como Tio Patinhas. Quanto mais dinheiro mais sobre ele falam e pensam e menos  a respeito do que seria ser humano; afora as posses.


Não percebem, mas soa quase natural a dependência e o gozo que manifestam ao se relacionar com o dinheiro e o poder que vem ou se vai com ele.


Traços recorrentes podem ser encontrados em casa, nos jornais, portais e nas nuvens; que antes apenas eram alvo do abstrato das ideias e agora são o arquivo sem fim dos acumuladores que nos tornamos. 


Antes da chuva. Grupos sociais movimentam-se na máxima de sempre o bando julgar e focar em uma parte, como exemplo. Assim evita que cada um reflita sobre si e também sobre o real motivo de ainda serem um grupo.  As traves nos olhos. Os elos que regem a sociedade.


Já não são mais correntes, são argumentos que nos aprisionam. E os usamos como elixir de uma liberdade que machuca os outros; o diferente é perseguido, o reflexo do espelho.


Acostumados, passamos pelos dias sem cogitar a ideia de existir algo mais importante do que ter posse, de terra, de moeda, de razão, de imagem. Falamos muito dos outros para evitar de pensar em nós mesmos de uma maneira íntima, intensa e sem argumentos. 


A grama molhada sob os pés descalços era o refrigério de um dia agonizante. O movimento das asas em lemniscata, possibilitava parar no ar durante o voo, analisar a ideia contra o vento, e finalmente partir.


“Eu não te contei o que aconteceu de verdade. Só estando em minha cabeça para ver como foi sentir tudo. E ainda assim saber como foram tantos os alheios a usarem o malhete, e desferirem golpes dos quais nunca me recuperei, tampouco retribuí.” Armenon