segunda-feira, 28 de novembro de 2022

aleatórias gotas



Nossa pequenez. Fiquei um tempo olhando ao ermo em busca de quem correspondesse. Será que tem alguém aí? Será que alguém tateia minhas linhas sem se perder, encontrando-me e se aliando a mim nessa caminhada?


As narrativas guiam as reflexões. Em tempos de uma multiplicidade de criadores, de plataformas, de argumentos embalados como verdade, fica tão sutil compreender se está pensando por si; pelo outro, por meio do outro, no tema que te interessa ou que lhe foi induzido, no seu tempo, ou a contento do outro. A sutileza… 


Escovando olhei sem pretensão para o único ponto em que respingou a água, antes de acontecer. O encontro do espelho com a pedra da pia, ali uma gota mudou a cor do rejunte. A aleatoriedade me fascina, mas também me sela em um momento de isolamento, um silêncio tumultuado pelas ideias pujantes de outrora. 


Ainda está aí você que não sei se está?  Os rumos das conversas têm outro objetivo que não marcar como nosso olhar transita no tempo?  As chuvas marcam o respiro dos dias, e aquieta o fulgor da noite.


Experimentei emburrecer. Parei com os noticiários, larguei as vistas dos assuntos por mais diversos e contemporâneos. Assim, me vi semelhante a uma ilha solta no oceano. Sendo afastada de tudo e de todos. Um pássaro em voo. Experimentei e posso dizer que vislumbrei a paz. Embora sempre o cotidiano me arrancasse da distância e me amarrasse à realidade que a sociedade aceita. 


Na varanda, ouvi chegar no telhado as primeiras gotas da chuva. Escandalosas na madrugada, pontuaram as primeiras notas de uma canção. Depois do susto, entendi. Que no roteiro sem protagonista não há espaço nem para anti-herói. 


Os limites delineiam a liberdade. A falta de limites é o caos. Não o romântico, mas o sem parâmetros. O que não traz conforto, pois somem-se as referências. Não há pessoa alguma preparada para ele, embora o tateiem. 


“É engraçado ver o que a vida te dá quando você espera o pior”, Chuck Palahniuk 


Encaixadas, as palavras são engrenagens.  As pessoas nem sempre percebem o movimento ao qual sucumbem. Por isso o silêncio ainda é a mais honrosa saída, pois ele não significa atrofia. Atitudes caladas pontuam a paisagem de vida, amor e esperança; além do que possa  ser o conceito. 


Encantadoras narrativas estão postas, outras, ainda estão por vir. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

Farpas


Era um pássaro pousado no arame farpado. Era a esperança, o futuro ou o passado olhando o tempo. O cheiro do vento na terra molhada, o calor do sol alcançando entre as nuvens o rosto que se desgasta, se procura, não se estende. 


Há muito tempo deixei que fizessem de mim justamente o que nunca fui. Pois não há em mim totalidade, mas as partes que me foram possível manter ou reunir; enquanto estiver aqui.


Foi o meu olhar que bateu asas. Até sumir de minhas vistas; de olhos fechados acordo para outros pensamentos. 


As borboletas no meio do cinza da indústria das desilusões, tudo deixa uma cor de esperança neste dia tão triste tão denso e tão vivo. Vejo as árvores quietas e silenciosas, vejo o tempo observando os nossos erros. Vejo tudo o que acontece e me entristeço. Mas passo. Continuo a passar.


Então vem o estado matinal de contemplação, sentado vendo as linhas da realidade formando coisas diante dos meus olhos. Dentro de mim a inquietação agarrada à paz. Compreender os espinhos, sem esquecer da beleza da flor, da ternura das pétalas e do perfume sutil que em nós desperta todo o sentido de estar vivo.


Os filmes não  falaram sobre as dívidas com bancos, sobre a falta de tempo livre, sobre o peso do silêncio no peito. Não falaram sobre a velhice e as limitações do corpo. A cultura do desejo não preparou a sociedade para a frustração. Apenas instigou a figura do anti-herói e o espírito de constante revolta, até mesmo quando se conquista o objeto da revolta. 


Narrativas foram invertidas e as interpretações também. Assim como Éric Arthur Blair bem descreveu em 1984, a sociedade sucumbiu ao sistema que criou para viabilizar uma vida tranquila. As gerações então alternaram-se e a maturidade de agora não entende da memória de outrora. 


Chovia muito. O arame farpado balançava. Agora não eram pássaros, mas gotas pousadas, esperando pela queda. Não eram farpas, mas pensamentos suspensos. A chuva iria parar e assim os voos poderiam retornar.


terça-feira, 15 de novembro de 2022

acordes - do Gorilaz ao K-pop virtual


As tecnologias são desenvolvidas para facilitar a vida em sociedade. No entanto, esse facilitar geralmente está atrelado ao significado de dependência e escravização. Ou seja, a sociedade se torna escrava ou refém das tecnologias que cria para facilitar sua vida (faz lembrar o Wall-E), liberar mais tempo dentro das 24 horas do dia. São muitas as reflexões possíveis, nas mais diversas áreas da vida e também das profissões.  

Recentemente, com a girl band de K-pop Eternity acumulando milhões de visualizações online, o tema chama a atenção de maneira diferente (integração de inteligência artificial, do deepfake e das tecnologias de avatar). Não sei até quando as diretrizes éticas de Inteligência Artificial da União Europeia irão proteger as questões que tocam a humanidade. Uma banda estruturada por meio de inteligência artificial. Diferente do Gorilaz (que a banda ficava atrás da cortina e desenhos protagonizavam as canções. Gosto não se impõe e cada um tem seu repertório, suas afinidades, perfil de assimilação de mensagem e as devidas et cetera que compõem o respectivo padrão cultural.

A isenção do sofrimento (argumentada como uma das vantagens da inteligência artificial) e demais envolvimentos orgânicos no processo de criação cultural, muda a intensidade, reverberação, verdade e vivacidade das narrativas? A simulação é substituta eficaz em todos os sentidos? Sem falar na antiga e famigerada discussão sobre o que vem a ser real. Importante é estar atento, não ser omisso (alienado) ao consumir os produtos culturais e demais processos tecnológicos; a reflexão merece espaço, nem tudo pode passar no automatismo da vida da sociedade moderna.

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A noite entrega a madrugada com estrelas e também chuva. O gotejar remanescente marca o compasso de uma memória ainda acessível. Tão real, quanto ilusória. Todo mundo tem seu momento Sinatra. Vasculhe sua mente e encontrará alguma memória (nem que seja o filme dos Gremlins) em que uma canção de Sinatra ou de Erasmo ressoe.

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Pedro e Paulo - uni-vos pela barriga



A equipe  de Pedro não estava preparada para governar. Suas ideias puras estavam embebidas de imaturidade. Queriam por meio do choque de gestão, arrancar o joio, mesmo que isso representasse a morte de milhares de trigos. Pedro é governo de transição, o amor de cura após uma separação, é a quebra do paradigma mas não chega a ser um novo.

Paulo e sua turma já não merecem mais governar a sociedade. Tiveram a chance, avançaram muito e erraram miseravelmente ao sucumbir à vaidade e apropriação indevida, tendo como particular o que deveras é público. Ainda assim, não soube ser transparente ao responsabilizar os culpados, considerando inclusive o respectivo envolvimento.

O símbolo perdido estampado no peito. A sensação de pertencimento e proteção de uma nação, refletido no que simboliza seu território e sua cultura estava há tempos institucionalizado no entretenimento. A bandeira flamulava pelos esportes, e silenciada fora dos quartéis. Politicamente, virou símbolo de guerra e separação, e não união. Quando a massa está dividida, não há minoria, mas duas grandes partes. Assim, tem-se ilusão de injustiça em qualquer tipo de divisão. O estardalhaço de quem perde muitas vezes sobrepõe quem ganhou. Assim fica difícil não lamentar por uma sociedade a meio mastro.

Contudo, diante da caminhada de Pedro e Paulo, entre o que não merece mais ter acesso ao trono e o que não está preparado para se manter nele, escolher com visão de paisagem é necessário. Verificar os detalhes e observar as interconexões, a necessidade de diálogo. Um diálogo maduro. Se fosse possível, Pedro e Paulo deveriam ficar em casa, diante da impossibilidade, talvez se colocar ambos a governarem, como gêmeos siameses, a sobrevida seja maior do que apresenta a biologia, e a sociedade poderia sobreviver como Ronnie e Donnie Galyon. Unidos pela barriga, coexistindo um com ajuda (e fiscalização) do outro e de quem ao redor se disponibiliza para fazer dar certo.