Era um pássaro pousado no arame farpado. Era a esperança, o futuro ou o passado olhando o tempo. O cheiro do vento na terra molhada, o calor do sol alcançando entre as nuvens o rosto que se desgasta, se procura, não se estende.
Há muito tempo deixei que fizessem de mim justamente o que nunca fui. Pois não há em mim totalidade, mas as partes que me foram possível manter ou reunir; enquanto estiver aqui.
Foi o meu olhar que bateu asas. Até sumir de minhas vistas; de olhos fechados acordo para outros pensamentos.
As borboletas no meio do cinza da indústria das desilusões, tudo deixa uma cor de esperança neste dia tão triste tão denso e tão vivo. Vejo as árvores quietas e silenciosas, vejo o tempo observando os nossos erros. Vejo tudo o que acontece e me entristeço. Mas passo. Continuo a passar.
Então vem o estado matinal de contemplação, sentado vendo as linhas da realidade formando coisas diante dos meus olhos. Dentro de mim a inquietação agarrada à paz. Compreender os espinhos, sem esquecer da beleza da flor, da ternura das pétalas e do perfume sutil que em nós desperta todo o sentido de estar vivo.
Os filmes não falaram sobre as dívidas com bancos, sobre a falta de tempo livre, sobre o peso do silêncio no peito. Não falaram sobre a velhice e as limitações do corpo. A cultura do desejo não preparou a sociedade para a frustração. Apenas instigou a figura do anti-herói e o espírito de constante revolta, até mesmo quando se conquista o objeto da revolta.
Narrativas foram invertidas e as interpretações também. Assim como Éric Arthur Blair bem descreveu em 1984, a sociedade sucumbiu ao sistema que criou para viabilizar uma vida tranquila. As gerações então alternaram-se e a maturidade de agora não entende da memória de outrora.
Chovia muito. O arame farpado balançava. Agora não eram pássaros, mas gotas pousadas, esperando pela queda. Não eram farpas, mas pensamentos suspensos. A chuva iria parar e assim os voos poderiam retornar.
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