sábado, 20 de março de 2021

Dedos e ranhuras



À frente no túnel do tempo, deixando para trás tanta coisa que bate à face, seguindo no túnel do carpo, driblando artrite,  tendinite e a tenossinovite. Dedos doem sem grandes preocupações, fazem o indivíduo parar um pouco com o celular. A vida. A interação pelo dedo que digita, que passa postagens, que dá corações, palminhas e carinhas. Acompanhar a vida dos outros, as coisas dos outros, as coisas que inexistem e as que persistem. Fora das telas, corre outra realidade. Muito se fala sobre isso, mas é crucial, no intervalo entre inspirar e expirar, refletir sobre o que de fato importa. Sem a plástica de representar para alguém, ou até mesmo de dizer em voz alta; mas com a intensidade de absorver o que se pensa, revestir o olhar com a maturidade de ir além do padrão social. Cobramos tanto uns dos outros e até de nós mesmos. Amamos julgar e responsabilizar, mas afora isso, o que há?  As ranhuras da palma das mãos sempre estiveram ali, desde a infância; todavia, pouco a pouco foram sendo preenchidas de sentidos, de memórias e esquecimento.

Na dobra do horizonte, depois e antes e além das belas paisagens, das nuvens enigmáticas do céu, dos sons da natureza e dos alto-falantes. Afora toda imagem, todo argumento e explicação. Sem incitar euforia e desespero do caos, sem pairar junto à acomodação da alienação e automatismo; encontrar e vivenciar o instante em que se aprimore quem se é sem grandes elucubrações. 

Ler Retrato - de Cecília Meireles evoca um desses instantes. Não importa o que ela sentiu, pensou e intencionou quando escreveu (pois trata-se de uma imensidão que é dela), o olhar do leitor se apropria dos traços e dão a eles um significado particular, desencadeando reações pessoais, possibilitando transformações; perceptíveis ou não, marcantes.

 

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