quinta-feira, 2 de março de 2023

Cálice derramado


Eram traços repetidos arranhando as paredes da garganta. As pétalas pela manhã tinham uma certa sutileza delicada de romper a aurora com perfume, cor e versos "impalavráveis", pois tem sentimento que de tão transcendental não se aceita entre o arranjo das letras. Ultrapassa a fronteira das ideias, embora não sejam indecifráveis. Perdoe a rima pobre sobre a tela surrada.

Era um pouco entre o que esperam de nós, o que realmente pensamos ser, o que damos conta de reconhecer e tantas outras variáveis que o espelho fica em silêncio, e nos cansamos de nos olhar.  As narrativas expostas sem pretensão de trono, ou de perpétua memória; apenas lampejos. Ninguém iria sobrepor a ninguém. Cada qual em sua constante. Cada um em paz com seus traços. Outra comunicação é possível. Dinheiro se empresta, ganha-se e perde-se. Sentimentos, sensações, vida, não. Status se alternam no compasso dos ponteiros. As narrativas podem fazer mais do que alimentar as vaidades, as métricas corporativas, as manobras políticas, as amarras da religiosidade. A reflexão  que se propõe é ir além do que há fora e embrenhar-se para dentro de si. Sinceramente e verdadeiramente.

Assenta-se na virada do vento sobre as árvores, tentando seguir com o olhar o voo de uma borboleta, enquanto o beija-flor, em silêncio, sem julgamento o observa. Instantes que escorrem por versos que sustentam olhares que não rimam, mas se apaixonam. Nem sempre lugar, tempo, palavras, silêncios e sentimentos estão em harmonia, em consonância. Quando acontece, ou quando reconhecemos o instante, chamamos de coincidência. Outrossim, quando constatamos o que seria ideal e nos ferimos no que pode ser considerado real, o infortúnio vira verso, música, filme, lágrima ou overdose de si mesmo. Indivíduos apropriando-se do contexto flamulando seu significante como o ponto absoluto.

Letreiros luminosos, views, curtidas, compartilhadas emoções com filtro. Julgamentos como milhos aos pombos em uma praça triste. A natureza selvagem de uma sociedade que não percebe que se atrofia. A vida que em off persiste e prevalece às narrativas não se permite às travas das mídias e aos dogmas da nova mentalidade social em que tudo pode "pois há de ser tudo da lei", regente da velha prática de impor padrões, delimitar o que é liberdade e minimizar as diversidades. A novilíngua de Eric Arthur Blair e tudo o que envolve lidar com as pessoas.

 

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