quinta-feira, 2 de abril de 2015

Poros

Com seu modo de se impor, de me olhar do alto, de me iluminar, a lua conduz até si meu olhar. Notas musicais passam a ter um especial sentido. Frases sem palavras tocam intensamente, fazendo do corpo um instrumento. Momento nenhum pedi a sensibilidade, o humor e o romantismo. Não solicitei as palavras, as percepções nem outro aspecto. O porquê não me revelado foi. Mas, sempre mas, regurgitamos sinais de pontuação, de sonho, angústia e amor. Chega de doces, quero teu abraço; chega de sorrisos, quero teus beijos, intensos, delicados, ousados, contínuos. Chega de anseios, quero futuros nossos no presente. Cale meus versos com seus poros nus meus. 

E o tempo me escapa pelos poros. Recluso, renovo a verdade num silêncio, renovo o personagem para o externo social.


terça-feira, 31 de março de 2015

todo?



Ambições sinceras mantêm o sangue circulando pelos sonhos. Durante a trajetória, toda relação acontece por interesse. Todo brilhantismo é pautado pelo plágio. Toda declaração de amor é substanciada pelo clichê, pela vontade de realizar e alcançar uma projeção. Todo conflito poderia ser evitado, mas o sangue e a dor sobrepõem a paz e calmaria. Toda palavra poderia ser contida. Mas o discurso de impacto e uma discussão silenciada com uma frase fatal alimenta o ego. 

Todo sofrimento é único e paradoxalmente o maior do mundo. Todo poema carrega algo que não está nos versos. Os dias possibilitam bem mais do que percebemos e menos do que esperamos. Todo umbigo é o centro do mundo; e o mundo deveria ser chamado de tempo. Textos carregados de mesmas palavras, porta-retratos recheados das mesmas histórias. 

Tão universalmente pessoais, as músicas são o refrigério de quem sente, a fuga de frases silenciosas; e o sentimento... Ah, é aquele filme instigante o qual não vimos o final, ou não lembramos.

...

Se todo ao meio sou
Sê tu o esquerdo à felicidade
Sua o que sentes sejas pleno
Se caco, inteiro ou sonho
Permita a si

Novas (?) Narrativas Jornalísticas


Ilustração: Ramon Bruin
Não sei se nova é a narrativa, a linguagem jornalística, o olhar, ou ainda assim o tempo. Antes o ideal era a câmera não tremer e as frases serem bem concatenadas. Agora tentam vender realidade viva. Algo que pulsa incontrolavelmente. Tanta espontaneidade que chega a parecer um espetáculo de dança contemporânea. O imprevisível é parte do enredo, está no script do espetáculo midiático.
A inquietação é premissa para a evolução. Nesse sentido, os programas de TV têm buscado inovar na maneira de narrar e de fidelizar o público. Seja por meio dos milhares de “cozinha com fulano” que tentam sofisticar, naturalizar, ou tornar rústico o ato de preparar alimentos e se relacionar com eles; ou nos programas de esporte que tentar levar adrenalina aos pilotos de tablets e controles remotos, lembrando até da metalinguagem de programas como A Liga e Profissão repórter. A linha entre o interessante, eficaz e o cansativo é tênue. É preciso destreza para caminhar sobre ela.
Dentre as várias tentativas, algumas são bem interessantes (mas não inovadoras). O Mundo segundo os Brasileiros, produção independente (produtora holandesa/argentina - Eyeworks) disponível em canal no Youtube e transmitido pela Rede Bandeirantes, há 5 temporadas (desde 2011) apresenta a narrativa pelo viés de quem vive o espaço e transmite a própria impressão a respeito do lugar, do tempo, da história, das referências.

Um texto praticamente documental estilo história oral, aquela conversa informal de quem quer contar suas experiências em um novo território. Trata-se se um formato sem protagonistas fixos; alterna-se os narradores, guiando com a câmera, nos contando histórias oficiais e impressões de estrangeiros andarilhos. Baseada no original argentino Clase turista: el mundo  según los argentinos, a série é dinâmica e perpassa desde os principais pontos turísticos a pontos pouco conhecidos do globo.
Cidades invisíveis erguem-se à medida que significados são repassados ao espectador. Forçando um pouco as vistas, dá para imaginar o Marco Polo contemporâneo revelando as nuances das cidades, ou o estrangeiro de Camus andando pelo mundo, contaminando-o e sendo contaminado por ele. E como brasileiro é um povo espalhado pelo planeta, matéria-prima não falta ao programa.
Iniciativas assim precisam se alastrar pela TV aberta, mas essencialmente necessitam estar alinhadas com o conteúdo multimídia, considerando o comportamento de consumo de informação e a disponibilidade dos meios; expandindo assim a acessibilidade ao conteúdo, novos campos para reflexão e seu desdobramento.

Publicado também no Observatório da Imprensa
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed844_novas_()_narrativas_jornalisticas

terça-feira, 17 de março de 2015

Disseminar e verificar





A verdade que nos aflige não cabe na narrativa de um fato. As minúcias de uma apuração, que podem determinar o rumo das interpretações subsequentes, não estão evidentes nas curtas linhas. Menos ainda nas fotos e respectivas legendas. Quando os textos trazem declarações de autoridades então, o pandemônio dos dados é assustador. Seja em cenários de crises ou durante eleições, as declarações das fontes oficiais nem sempre contribuem para o indivíduo estar informado, mas de modo recorrente atrofia a percepção pública com elementos confusos, interferindo na narrativa.

Iniciativas como a do da organização argentina "Chequeado" (Site que verifica a legitimidade dos discursos de autoridades), estabelecem-se como mais uma estratégica para não absorvermos "opiniões" traduzidas em informações pseudo-isentas. Em essência, o serviço prestado por eles é o modus operandi que todo leitor deveria ter (principalmente e não somente, durante eleições e posicionamentos oficiais): cruzar informações do discurso com matérias já divulgadas e com dados disponíveis nos canais de transparência. Cabe ao leitor, antes de confiar, buscar resquícios dos fatos e confrontar versões. Sempre. Embora seja um processo cansativo (considerando o ritmo de vida), é ainda o menos ineficiente.

Nesse percurso, o leitor perceberá como muitos conteúdos são replicados em diversos veículos de comunicação. A ocorrência é tanto fruto do compartilhamento (autorizado ou não) de conteúdo, quanto o resultado de uma assessoria de imprensa com interferência em massa. Sobre o compartilhamento de conteúdo, interessante o que aconteceu com jornais de seis países da Europa. Fizeram parceria para promover a troca de conteúdo e pesquisas em comum entre eles na denominada Aliança Europeia de Jornais Líderes (Leading European Newspaper Alliance). Acredito ser uma estratégia interessante para otimizar recursos (reduzir custos de produção), mas sua operacionalização não pode engessar a narrativa em apenas uma direção. Funcionaria no Brasil tanto com veículos pequenos quanto com os grandes? De forma quase que underground alguns repórteres compartilham pautas, ou premissas de pautas e fontes, em um processo mais de negociação de informações do que de enriquecimento de narrativa e redução de custo de produção.

No universo paralelo, o Governo Federal insiste e nos bastidores tenta afinar o argumento para estabelecer regras para o funcionamento da mídia; a famigerada regulamentação da imprensa. Antes de implantar uma ação de controle para promover a responsabilidade narrativa aos veículos e interferir no que ainda há de liberdade, é importante consolidar os dados emitidos em declarações oficiais e o objetivo específico das respectivas atitudes. Não apenas disseminar informações e controlar o processo de produção, mas essencialmente possibilitar rastreabilidade aos dados, para que qualquer um possa verificar a legitimidade da informação de discursos de fontes oficiais e a narrativa construída pela Imprensa.
e o que não cabe no fio do olhar
como te fazer sentir?
como saber o que você sente?


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segunda-feira, 16 de março de 2015

Cristais


Sou a reticências de uma estrela morta
o anel de esperança nos dedos de um anjo
no pulso de quem ama
o fulgor de uma vida feliz.
No brilho dos seus olhos
cristais

tomou-me como um súbito vento
em uma noite de ruas vazias
poemas incompletos.
meus olhos pediam aconchego.

não se nada no abismo
quando ele está no brilho dos olhos.

não se dança a canção
que ainda não sabe que é amor.

em um tempo sem verbo
o olhar sem verso

pergunto sem esperar as repostas
pois existirão além de enigmáticas reticências

quarta-feira, 11 de março de 2015

interrompido

Então choveu, e chuvas sempre trazem mais do que água e levam mais do que parece. 
Lacrado em mim, no silêncio, um sonho e uma verdade. 
Apenas o tempo certo pode abrir, ou eternizar o silêncio.

terça-feira, 10 de março de 2015

puro sangue



Ilustração:Ramon Bruin
Somos preciosistas ou conceituais demais. O jornalismo puro sangue, assim como o ser humano puro sangue, é figura de um folclore de um tempo sem parâmetros de referência, onde tudo o que surgia, rompia paradigmas e se estabelecia como o novo, a referência. O "sangue" do jornalismo funciona como um rio rumo ao mar. No caminho, ao longo do tempo, recebe interferências de seus afluentes, e também das condições geográficas do trajeto. E nesta narrativa, um rio sem afluentes não sobrevive às crises hídricas.

A mutação que encontramos atualmente nas redações é fruto do turbilhão tecnológico (que torna mais ágil o acesso, produção e disponibilização de conteúdo), juntamente com a alteração do modelo econômico (fôlego financeiro dos veículos). Percebemos a intensificação de jornalistas nas assessorias de comunicação, o surgimento de veículos segmentados (vários para cada assunto) e as tentativas de negociação financeira de conteúdo.

Entretanto, as faculdades entregam focas ao mercado e o mercado cada vez mais sufoca os profissionais. Trocadilhos infames são instantâneos diante de uma realidade cada vez mais clichê. Recentemente (janeiro) O jornal O Estado de Minas, promoveu um corte em seu quadro de funcionários (11 jornalistas). A TV Bahia (março) mais 37 profissionais. O Estadão (fevereiro) mais de 10. IstoÉ Gente é fechada e Editora Três demite 20% das redações. A conta pelo país só cresce; parece acompanhar a evolução das demissões no setor industrial. Trata-se de uma questão econômica e administrativa do país ou uma estrutura atrofiada dos veículos?

Muito se fala da estrutura das narrativas (que tem se distanciado de um tal "puro sangue"), das interferências causadas pelo repertório que se sobrepõe e o tempo de dedicação que se esvai. No entanto, é preciso analisar todos os aspectos que compõem a produção da narrativa. A infraestrutura (condições das redações) e a psicológica (a relação entre pressão e produção, estresse, capacidade de percepção, fôlego em apurar e narrar, dentre outros).

O contexto social pede outro modelo de narrativa ou ele soterrou o modelo ideal de apurar e narrar, sem se perder nas facilidades da modernidade e forca dos bolsos? Mas do que respostas definitivas, o fazer jornalismo deve prezar pela continuidade, inquietude em questionar e versatilidade em propor reflexões que podem ou não serem respostas. Dessa forma, ao invés de cair no arcabouço político e empresarial, o jornalista consegue tornar mais perceptível a essência de fatos polêmicos que ganham apelidos de mensalão, petrolão, dossiê multicolorido, e tantos outros. A busca pelo jornalismo puro sangue está em saber fazer uma transfusão periodicamente, sem esquecer-se de também doar e às vezes até sangrar. A interação social, a sobreposição de versões, percepções e tempo aprimoram o DNA do jornalista (e do indivíduo) para a sobrevivência e não para ser uma obra de Dali.

Disponível também no Observatório da Imprensa -  http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed841_jornalismo_puro_sangue_()

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canalha afiado como a rima
o sangue não se contém nos versos
viver o amor no fio da navalha
as lágrimas extrapolam 
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domingo, 1 de março de 2015

ah


pra quê esmero ao vento...
fui ser sincero
e fustigado pelo julgo dos outros fui
fui amar o que nunca é meu
e amargo se tornou meu olhar
insípidas minhas lágrimas
silenciosas minhas palavras
agora a foto de um instante de ternura
me afogou no ridículo da exposição
não há inocentes
não há inocência
suave macia e doce
sua voz afaga se pra mim e afoga se para os outros
tênue membrana entre a dor e o gozo

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

pouso


presença que me envolve
suave voo
toca pétala, encanta olhos meus

borboleta flor de asas
tatuada

beija o verso que ainda é rosa
faz canção ao vento
do que ainda suspiro 

...

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Daltonismo velado

Ramon Bruin
foto:Ramon Bruin
Muitos estranharam o rebuliço dos últimos tons exibidos nos cinemas, sob a direção de Sam Taylor-Johnson e impressos nas intrigantes páginas de E. L. James (50 tons de Cinza). Filas, risadas contidas de um pudor e excitação social que até remetia a outras eras. A sociedade como uma nova Babilônia sem os jardins suspensos. Entretanto, nos é tão natural o que nos impressiona. Indivíduos reprimidos, assumem costumeiramente seu papel de ser social, defendendo uma posição conservadora, neutra, ou pseudo-liberal. Antes de pensar sobre como a narrativa trabalha o mundo das possibilidades e sobreposição de paradigmas é importante atentar para alguns aspectos em cena:

Homem novo, esteticamente aceitável pelos padrões de beleza, bem sucedido financeiramente e intelectualmente. Solteiro, com firmeza de atitudes e escolhas, até mesmo quando precisa ser sutil. Com certo mistério sobre sua vida pessoal e um toque de trauma psicológico que o torna suscetível a mudança. Com sabedoria no que diz respeito ao corpo e suas reações. Pilota, dirige, toca, manda, bate, fode e assopra. Do outro lado, ela: Jovem, bonita, frágil, bem humorada, inocente, porém determinada. Solteira, independente, culta, virgem, disposta a descobertas. Fiel, acredita em relações sentimentais duradouras, baseadas em cumplicidade e transparência. Capaz de assumir o controle em discussões, domando o outro por meio do desejo e da mente.

Esses aspectos de certa forma manifestam o tão sonhado imaginário dos gêneros. Representa as projeções psíquicas que os indivíduos fazem na busca pelo parceiro ideal. Nem tanto sacro, nem exageradamente profano. Algo que supra a demanda pelo equilíbrio entre dominar e ser dominado. Produzir um gesto que tenha intensidade, força e ainda sim sutileza. A partir desses elementos, a narrativa perpassa por linguagens que atingem o imaginário coletivo, e simultaneamente afagam as projeções íntimas de cada espectador, que em silêncio reage e cautelosamente esboça (ou constrói) sua interpretação para a sociedade em que vive.

Um corpo contido nas poltronas, o princípio de furor entre as pernas. Uma história é exibida na tela, com fotografia e trilha sonora fantásticas. Ritmada por cortes concatenados com suspiros, mover de pálpebras e até mesmo o molhar os lábios. Outras histórias são compostas ou remexidas no cérebro de cada um. A liberdade do silêncio, no escuro de uma sala de cinema.

O que se perde com o piscar dos olhos? As sensações que ainda não traduzimos em imagem, tampouco em palavras. O que há além dos créditos finais? O volúvel ser humano e suas possibilidades de relacionamento.

O relacionamento humano a todo o tempo rompe paradigmas com a instituição de novos paradigmas. O elemento paradoxal deste fato nos faz perceber que um significativo aspecto que caracteriza uma sociedade é a maneira como o coletivo concebe conceitos, manifesta e reproduz interpretações a respeito de sentimentos. As ambições individuais e coletivas nutrem sentimentos que orquestram os gestos. A sobreposição dos gestos e sua aceitação pelo grupo consolidam tradições e paradigmas, sobre tudo: religião, política, sexo, espiritualidade e etc. Neste sentido, transcender não é extinguir, mas expandir as fronteiras da percepção e do comportamento. Trata-se de romper um paradigma com outro, sem a preocupação, ou a consciência, de que pode se repetir neste movimento quase de dança. E o sexo também pode ser visto sob o viés desta dança.

Se todas as possibilidades na ordem e relação das forças já não estivessem esgotadas, não teria passado ainda nenhuma infinidade. Justamente porque isto tem de ser, não há mais nenhuma possibilidade nova e é necessário que tudo já tenha estado aí, inúmeras vezes. (Friedrich Wilhelm Nietzsche).

O sexo em película vai além do que se pode projetar em um quarto escuro, mas reverbera no obscuro da constituição do “ID” do indivíduo simultaneamente à sua constituição como ser social. O teatro não conseguiu explicitar em cena todo a pandemônio da Casa dos Budas Ditosos (livro de João Ubaldo Ribeiro sobre a Luxúria, em 1999), As duas partes da Ninfomaníaca (lançado em 2013) do dinamarquês L. V Trier chegaram perto do quão cru é a realidade, o desejo, vontade e representação; o quão belo e trágico é coexistir. Contudo, o ápice das obras não está no clímax apresentado na tela, mas no efeito em quem assiste, em como a absorção daquele conteúdo consolida ou refaz conceitos, interfere na constituição do indivíduo, sendo o prelúdio de suas próximas escolhas. A vanguarda pulsante que autores buscam vai além do produto de sua arte; mas depende do efeito no outro e da continuidade da interação com a mensagem da obra cinematográfica.

Neste ínterim, percebe-se que o pano de fundo da reflexão sobre o sexo no cinema é a construção de valores e sua atribuição aos paradigmas vigentes ou aos que virão por ser estabelecidos como item de uma nova ordem social mundial. Esse processo acaba por definir também o que é polêmico. Quando temas polêmicos são abordados na tela do cinema, nas páginas de livros ou conversas ao ermo, não se trata de um gesto impensado, mas construção de mensagens que se propõem como pílulas de reflexão. Se placebo ou cura para um mal social, apenas sua absorção ao longo do tempo indicará uma resposta; todavia não esgotará o assunto, pois ele se renova.


Afora o que se concebe em palavras, há de se desdobrar o diálogo, buscar compreender e vivenciar os efeitos de mensagens da sétima arte, vendo-as e sendo-as como uma obra de Dali... ou como as migalhas da Casa de Budas Ditosos e a intensidade melancólica de L.Von Trier.

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