Tantas são elas, que controlam nosso corpo, delineiam no
horizonte o alcance de nossos braços, o ritmo dos passos e a ousadia dos olhares.
Fazem morada no indivíduo a ponto de se confundir com a identidade de quem as
possui, ou por elas são possuídos. Entrelaçados a elas buscamos aprimorar o reflexo
do espelho sem nos ferir gravemente com os cacos. Bias, tão nossas. Bias nada
fofas que dão medo "Medo que dá medo do medo que dá".
As ruas e noticiários têm sido pautados pelas nossas fobias. Lampejos
de virtudes, de harmonização social até incitam certo frescor no olhar, mas, no
entanto, nossas fobias nos pautam. Seria bom se fosse para refletirmos sobre
como vivenciar e transpor as intempéries das fobias; mas o que vemos é o
registro das consequências de medos maturados em seres despreparados. Pessoas
queimadas, corpos mutilados, redes sociais congestionadas, diálogos
violentados, matriz energética estagnada, ciclistas, motociclistas, pedestres e
motoristas em vias de guerra, guerra urbana, umbigos gritam em palanques,
cidadania encarcerada, relacionamentos dilacerados por um utópico e cruel bem
comum, que não vem.
Percebemos a fobia como a expressiva materialização da
angústia de um medo; vemos o empoderamento de uma castração psicológica que
porventura pode estar em segundo plano na mente do indivíduo, mas que é base
para as atitudes quase que automáticas; com consequências que transformam não
apenas a identidade e caráter de seu possuidor, mas que reverberam no ambiente e
em seu respectivo equilíbrio.
As atitudes provindas delas são recorrentemente um instinto
de autopreservação que muitas vezes gera agressão ao próximo. Esse medo de que
sua identidade e seus valores percam espaço na organização social, de forma a
ter supostamente corrompidas suas virtudes, diminuídas suas articulações
políticas e sociais, faz com que o indivíduo rejeite a diferença, obstrua o
caminho da diversidade, e levante o estandarte de uma moderna inquisição, onde
a intolerância grita e pune contra o outro, contra o plural. Mas a existência
do diferente não pressupõe que seja soterrado ou exterminado o outro, na
verdade se trata de uma flexibilização de perspectivas. Há espaço e tempo para
todos.
"Tienen miedo del amor y no saber amar / Tienen miedo de
la sombra y miedo de la luz / Tienen miedo de pedir y miedo de callar / Miedo
que da miedo del miedo que da (Miedo - Lenine - composição: Pedro
Guerra/Lenine/Robney Assis)"
Dalgalarrondo (2006 - apud Mira y López 1964) apresenta o
medo como uma alteração dos aspectos emocionais que desencadeia em escalas até
a sua inativação, tomando determinada proporção até que o indivíduo alcance estabilidade.
Essa leitura concebe seis fases de acordo com a intensidade e abrangência: 1.
Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6.
Terror (medo intensíssimo). Sendo assim, as fobias podem ser encaradas como medos
exorbitantes, descomunais, desproporcionais, atrofiadores. O contato com o
objeto de fobia estabelece crise, com profunda inquietação e ansiedade por
parte de quem possui a fobia. Neste instante de pânico não há lugar para a
razão e sobriedade, mas apenas o raciocínio lógico de se livrar do objeto da
fobia, seja impondo distância, fugindo, ou agredindo, tentando extirpar da
existência. Neste sentido, é possível estabelecer uma relação preliminar: Fobia
– Julgamento (da situação) – Punição (do objeto que causa fobia). Essa punição
é materializada na intolerância.
A matéria de capa da Revista Puc Minas (Intolerância – Profunda reflexão sobre atitudes hostis e desrespeitosas
que têm marcado o mundo contemporâneo. Ed 13 – 2016) apresenta de maneira
contundente como “nossas bias” têm interferido na sociedade por meio de uma
intolerância enraizada, que abrange aspectos religiosos, políticos, sexuais e
raciais. Intolerância essa verificada em gestos, em vocabulários, conceitos
visuais, e ordenamento social, estabelecendo-se como fator cultural. No contra-fluxo
das atrocidades humanas está o processo de renúncia e denúncia. Denúncia por
meio de multiplataformas (oficiais ou não) e renúncia (por meio de movimentos
de contracultura) a um padrão de comportamento que só nos distancia do
famigerado mundo melhor.
O que seu medo te impulsiona? No que ele te castra? Como ele
torneia sua personalidade? Medo ou fobia de insetos, de situações, de ambientes,
de sensações, de cheiros, materiais, de sons e até mesmo de sabores. Uma breve
pesquisa na internet e você encontra listas de fobias (cada um que até impressiona
existir). Contudo, assustador é observar e presenciar como os desdobramentos do
medo da diferença, o medo de não controlar e sim ser parte integrante de um
grupo social, traçam a realidade. Desdobramentos que podemos resumir em fobia
de pessoas. Homofobia, Heterofobia, Transfobia, Politicofobia e polifobias
possíveis. Bias traiçoeiras, desde o modo como se instalam na sociedade, até a
estratégia de disseminação e ideais para contaminação de novos adeptos. Que as
fobias recorrentemente trabalhadas no agenda
setting possam nos provocar a uma efetiva melhoria, a partir de pensamentos
consonantes para aceitação do plural, contribuindo para uma evolução continuada
do modo de perceber a vida e se integrar à paisagem, relacionando uns com os
outros sem se perder em utopias, mais ainda assim permitindo sonhos que
libertem-nos das bias e elas de nós.
Publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/2016/05/bias-tao-nossas.html
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