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sexta-feira, 1 de abril de 2022

e se


E se a compreensão fosse a premissa da convivência? As palavras formassem frases sem lâmina, pontas e feridas. E se a intenção da convivência não fosse ganhar sobre o outro, mas compartilhar e contribuir com o fluxo natural da existência. Por instantes fechasse os olhos e interrompessem todos os pensamentos. Se pudesse morar no encantamento que há no sorriso e brilho nos olhos dos meus filhos. E se não fosse necessário torres de letras para explicar o quer que seja? Se compreendêssemos que as pessoas não são substituíveis, cada um é único. O que alternamos é que indivíduo ocupa qual cargo social. E se o tempo pairasse sobre nossos sentimentos bons, controlando o alcance dos ruins, sem dar publicidade à flor da pele. E se eu fechasse novamente os olhos, e por aqui interrompesse tanta paráfrase, tantos passos pernósticos de dança? E se ao menos você não lesse, não julgasse, e se aquietasse no canto ao meu lado, admirando texturas, movimentos, folhas, nuvens, e o luar. Se as fotos não ficassem caladas na caixa. Se o colibri voltasse a bater asas em meu jardim, e se eu fosse ele?

Se parassem os gritos, eu ouviria; escutaria então meu coração parar.

E se o cansaço passasse e as palavras de veludo corporativo cessassem. Apenas verdade, sem arrogâncias, sem plásticas, sem Leólo espiar pela fechadura e escandalizar com a realidade. Apenas fluir as águas, sem assorear, inundar ou matar de sede. Esse permafrost social... e se tudo fosse uma simples questão de perceber e não ferir? De ser, se envolver e ter paciência para compreender. Se de repente não fossem precisas as amarras das fórmulas.

E se o abraço fosse de entrega, como o frescor da brisa no alto da serra? Se os sabores não tivessem nome além da maravilhosa sensação de senti-los e compartilhá-los.

E se como os escravos de uma realidade (que usa do conforto da tecnologia como grilhões), ficarmos à beira da estrada? Como o poema ou a canção, acolhidos pela misericordiosa natureza, única capaz, de dar paz; com a estrela da manhã que brilha à noite, enquanto o vento espalha a canção no nada.



https://www.escritas.org/pt/t/13069/a-cruz-na-estrada

A chuva intensa veio e foi-se. Após o cheiro de terra molhada sumir, teve quem dos escombros buscou alívio, e teve também, quem nem percebeu que choveu.

E se num piscar de olhos, a vida corresse apenas a novidade, nos trechos que fechadas as pálpebras vivenciamos a realidade no escuro, sem medo...

e assim partir.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

climáticas mudanças


Alternância conceitual, sensações dançam em um frenético ritmo, o do silêncio. A mudança. Felicidade. Busca. A inquietação alimenta estigmas da humanidade que pulsam na iminência de encontrar a peça que lhe falta no quebra-cabeça. Uns vivem ignorando este fato, e se atêm às praticidades da vida (seja por necessidade - princípio básico de foco na sobrevivência - ou por simples alienação pelo conforto de apenas fluir), outros enlouquecem a percebê-lo. E sempre há os que transitam pela cidade das sombras sabendo a verdade de Shell Beach, mas ainda querendo refrescar-se nela.

Calmas águas levam sentimentos para o mar. Terra, peixes, madeira e algumas estrofes despedaçadas. Ele não sabia que parte dele também ia naquele rio. Parte que ele nem sabia que dele um dia já foi.

Sorrisos trincados rompem o horizonte. A sala se enche de uma expectativa morta, de uma sensação estranha de esmagamento, a partir de dentro. Os olhos indicam um coração espremido. Prestes a transbordar, o olhar toma as rédeas dos pensamentos e alça voo.

Sutil como um raio rompe o céu. Algumas situações fazem estrago pela sutileza que carregam. O estrondo posterior apenas é lamúria fúnebre de uma emoção sepultada, de um agonizante sentimento que outrora pujante exalava beleza.

De todo o papel gasto, que palavras faltam? Quais sobram? O amor posto à prova, perpassa chuva, sol e desconstruções. Se morre, era mesmo ele amor? ou ensaio? se vivo, permanece o que há de ser? "O amor, quando nasce, só vê a vida, o amor que dura vê a eternidade". Victor Hugo in 'Carta a Juliette Drouet'

Climáticas, mudanças despontam no horizonte. Brilha.


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sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

água na boca

Várias faces de uma mesma narrativa. Escorre no rosto uma gota. Água nos olhos, água na boca.


Imagine um corpo na água. Um animal na praia. no mar. Tentando se manter à superfície. A água bate em seu rosto, cansa suas pernas, ofusca sua visão, salga sua boca, resseca por dentro. O visual é lindo, o frescor é maravilhoso sob um sol intenso. Mas o corpo não consegue flutuar. Cada vez que afunda, volta desesperadamente para buscar um pouco mais de ar, pois tinha que respirar.

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Essas gotas que escorrem pela parede do banheiro durante um banho. Gotas que se dissipam em vapor. Gotas que errantes se juntam a outras e tornam-se mais rápidas, maiores, fortes, descem rapidamente rumo ao chão. Gotas estacionárias, que pontuam a parede com um novo brilho, com fragmentos do reflexo de um corpo que cala, resvala no abismo dos sentimentos. São ombros nas ruas, são pessoas em sociedade, fragmentos de sonhos em choque com expectativas.

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Sempre que chove  acredito que acontecem algumas mudanças, como em Shell Beach; físicas e metafísicas. Contudo, coisas mudam todo o tempo. Hoje choveu dentro, fora. Sentir a chuva é mais do que se molhar. Nas intermitências das nuvens, o choro também é chuva. O sol tocou suas pétalas com uma delicadeza que eu não havia percebido antes. O brilho na gota isolada na folha, na pétala, nua. Essa paisagem me tocou, me integrou a ela pelo olhar. Um olhar puro, uma paz que refrigera, revigora, revela a mim, mais uma vez, minha pequenez.

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Penso em despetalar teus lábios, arrancar teus suspiros e inundar meus sonhos de realidade e renovo. Essa sensação de arrepio que faz seu corpo contorcer sou eu a percorrer você, dos seus montes aos seus vales, fazendo florir seus lírios e jorrar sua fonte enquanto seu corpo contorce de forma quase contida, como quem descobre uma nova dimensão, tenta se controlar, mas sucumbe a uma energia que transcende sua lógica. Salivo a esperança de nos misturamos mais a cada dia.

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Felinos




Cultivava a diferença. Era o que sentia em suas veias. Era o que fluía em seus gestos. Não conseguia deixar de contaminar as pessoas com a leveza de olhar a vida. Eram rosas diferentes. Eram sabores diferentes. Eram pessoas exóticas pela peculiaridade de serem únicas. Ele não conseguia ser impessoal. Envolvia-se por completo, com intensidade, muitas vezes sem a devida sanidade, mas a pujança de um sentimento sem amarras, sem lógica, sem falsidades. Assim ele conseguia as marcas, pintura rupestre na derme, o tempo que passa revelando momentos de gozo e de dor.

O ritmo da caminhada. Impossível definir se é o prenúncio da fuga, da caça, ou de uma jornada compartilhada. O que há no olhar dos felinos? Hipnotizantes, sóbrios, poderiam eles nos falar sobre as consequências da vida? Explicar os desdobramentos das escolhas? O olhar de um cão compartilha do mesmo espaço tempo, troca emoções e percepções do presente, o dos felinos parecem vir de um tempo onde sabem o que somos, para onde iremos, e o que sentimos. Há felinos de olhos azuis, castanhos, verdes, que brilham, que ferem e afagam. Sempre instigam.

Certo como a luz do sol a passar pela fresta da cortina e se instalar sobre a mesa. O sentimento não era de dúvida. Tocou a mão dela e apertou por uns instantes, de modo intenso, com carinho, com desejo. Ela respondeu ao toque, não importava o significado, tampouco o porvir, valia mais o momento que experimentavam ali. Ela o olhava no escuro, entremeio flashs de postes, com um brilho nos olhos. Ele a olhava com ternura, segurando-se para não unir os poros, os lábios, os destinos.

Os ponteiros e o fatídico "mas" interrompeu aquele encontro, sem selo, sem ponto. Deja vu. Assim como cada qual vivencia diversos desses momentos em particular universo, eles tiveram novamente o seu momento. Complicado. As leis da física não consideram o poder da vontade e a interferência do pensamento. A memória construiu-se então de uma série de momentos que pela sutileza delineiam um sentimento que enobrece o olhar, o suspiro, a libido. O tempo apura este sentimento cada vez mais. Complexo.

Quando o exótico atrai pela diferença, pela inquietude que gera. Como um filme de Almodóvar integra ao nosso olhar um tom de estranhamento aos padrões sociais. Assim, os dias se renovam nesta orgânica festa que gira em torno da estrela.

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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

o antes que se esvai

 
Desde cantares a tudo o que se comporta nos ares apaixonados. Nas rimas, nos olhares, anseios. As histórias de amor admiradas, buscadas, acreditadas e desacreditadas. O Humano deseja a saciedade e pujança que o amor proporciona dentro de si, não apenas no coração, mas em todo o corpo, perfazendo em eletricidade uma sensação de êxtase.

Cada tentativa clama por materializar os mais infantes desejos de se lambuzar na sensação de felicidade e entorpencência do amor.
Formosa, intensa. Rompeu a terra rumo ao sol, desdobrando-se em folhas, caule, rumo ao broto, ao botão, para ser flor. Amantes. Rompem a haste para levar a flor para sua amada. A flor desperta sorrisos espontâneos, espasmos de uma felicidade que até deixa um rubor à face, o perfume da flor se instala como lembrança de versos de amor. Contudo, a flor murcha ao tempo. Tempo. Esse que passa, esse que fica em marcas.

Perpassar “Como eu era Antes de Você (Me Before You, 2015)” o filme ou o livro de Jojo Moyes é se divertir com o clichê da sutileza rompendo pela insistência a rigidez. Assemelha-se à flor que rompe o solo em busca do sol. Após encantar pelo olhar, dissipar-se pelo perfume, lançar-se pelo pólem, ela retorna ao chão, murcha, para o adubar. Água mole pedra dura, olhar singelo coração seco. Todos, mesmo que em silêncio, traçam suas expectativas quanto ao roteiro, vislumbrando um final feliz. A conceituação de felicidade embora ambígua em sua constituição de fatos é simples em seu fundamento de sensação (paz, saciedade, esperança e energia). No entanto, a história nos apresenta às escolhas. Neste cenário, e em tantos outros, para o indivíduo alcançar um determinado altruísmo romântico às vezes é preciso abrir mão de se estar com o ser amado. Ele queria que ela experimentasse uma liberdade que era pujante em seu corpo, seu modo de vestir e de ver a vida. Ele sabia do frescor do vento que vem e passa. Ele queria que ela deixasse de se sacrificar pelos outros, e sem desculpas para se castrar, pudesse voar. Mas para isso ele deveria sair da paisagem, para possibilitar o verdadeiro voo daquele pássaro colorido que sorria para ele todas as manhãs. Então ele não poderia vivenciar. É como apenas vislumbrar a terra prometida. Ao escolher o presente, ele não quis encantá-la pelo luxo, mas surpreendê-la com algo que realmente a tocasse, que não só ela desejava, mas que retratava parte de sua identidade. Ele a presenteou com meias de abelha, ele a presenteou com a liberdade das possibilidades.

Lembra bem o fim de O Predestinado (2014 - dirigido pelos irmãos Michael e Peter Spierig e baseado no conto All You Zombies de Robert A. Heinlein), quando para alcançar seu objetivo (acabar com o Terrorista e a sucessão de seus atos) ele deveria abrir mão de suas convicções e sentar ao lado do ser perseguido (pois matá-lo era se tornar o terrorista). A reflexão é maior que o texto e o transcende (Vale a pena assistir Transcendência - 2014 - com o Johnny Depp). Pois de maneira sutil acena para um pensamento que revê as nuances do amor e fundamentos que modulam nossas escolhas, expectativas e apetite.

O que estamos dispostos a fazer para alcançar os objetivos? Rever a lógica e a base estruturante da nossa identidade? Questionar nossos limites e expandir as fronteiras?

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segunda-feira, 30 de maio de 2016

Bias tão nossas


 

Tantas são elas, que controlam nosso corpo, delineiam no horizonte o alcance de nossos braços, o ritmo dos passos e a ousadia dos olhares. Fazem morada no indivíduo a ponto de se confundir com a identidade de quem as possui, ou por elas são possuídos. Entrelaçados a elas buscamos aprimorar o reflexo do espelho sem nos ferir gravemente com os cacos. Bias, tão nossas. Bias nada fofas que dão medo "Medo que dá medo do medo que dá".

As ruas e noticiários têm sido pautados pelas nossas fobias. Lampejos de virtudes, de harmonização social até incitam certo frescor no olhar, mas, no entanto, nossas fobias nos pautam. Seria bom se fosse para refletirmos sobre como vivenciar e transpor as intempéries das fobias; mas o que vemos é o registro das consequências de medos maturados em seres despreparados. Pessoas queimadas, corpos mutilados, redes sociais congestionadas, diálogos violentados, matriz energética estagnada, ciclistas, motociclistas, pedestres e motoristas em vias de guerra, guerra urbana, umbigos gritam em palanques, cidadania encarcerada, relacionamentos dilacerados por um utópico e cruel bem comum, que não vem.

Percebemos a fobia como a expressiva materialização da angústia de um medo; vemos o empoderamento de uma castração psicológica que porventura pode estar em segundo plano na mente do indivíduo, mas que é base para as atitudes quase que automáticas; com consequências que transformam não apenas a identidade e caráter de seu possuidor, mas que reverberam no ambiente e em seu respectivo equilíbrio.

As atitudes provindas delas são recorrentemente um instinto de autopreservação que muitas vezes gera agressão ao próximo. Esse medo de que sua identidade e seus valores percam espaço na organização social, de forma a ter supostamente corrompidas suas virtudes, diminuídas suas articulações políticas e sociais, faz com que o indivíduo rejeite a diferença, obstrua o caminho da diversidade, e levante o estandarte de uma moderna inquisição, onde a intolerância grita e pune contra o outro, contra o plural. Mas a existência do diferente não pressupõe que seja soterrado ou exterminado o outro, na verdade se trata de uma flexibilização de perspectivas. Há espaço e tempo para todos.

"Tienen miedo del amor y no saber amar / Tienen miedo de la sombra y miedo de la luz / Tienen miedo de pedir y miedo de callar / Miedo que da miedo del miedo que da (Miedo - Lenine - composição: Pedro Guerra/Lenine/Robney Assis)"

Dalgalarrondo (2006 - apud Mira y López 1964) apresenta o medo como uma alteração dos aspectos emocionais que desencadeia em escalas até a sua inativação, tomando determinada proporção até que o indivíduo alcance estabilidade. Essa leitura concebe seis fases de acordo com a intensidade e abrangência: 1. Prudência; 2. Cautela; 3. Alarme; 4. Ansiedade; 5. Pânico (medo intenso); 6. Terror (medo intensíssimo). Sendo assim, as fobias podem ser encaradas como medos exorbitantes, descomunais, desproporcionais, atrofiadores. O contato com o objeto de fobia estabelece crise, com profunda inquietação e ansiedade por parte de quem possui a fobia. Neste instante de pânico não há lugar para a razão e sobriedade, mas apenas o raciocínio lógico de se livrar do objeto da fobia, seja impondo distância, fugindo, ou agredindo, tentando extirpar da existência. Neste sentido, é possível estabelecer uma relação preliminar: Fobia – Julgamento (da situação) – Punição (do objeto que causa fobia). Essa punição é materializada na intolerância.

A matéria de capa da Revista Puc Minas (Intolerância – Profunda reflexão sobre atitudes hostis e desrespeitosas que têm marcado o mundo contemporâneo. Ed 13 – 2016) apresenta de maneira contundente como “nossas bias” têm interferido na sociedade por meio de uma intolerância enraizada, que abrange aspectos religiosos, políticos, sexuais e raciais. Intolerância essa verificada em gestos, em vocabulários, conceitos visuais, e ordenamento social, estabelecendo-se como fator cultural. No contra-fluxo das atrocidades humanas está o processo de renúncia e denúncia. Denúncia por meio de multiplataformas (oficiais ou não) e renúncia (por meio de movimentos de contracultura) a um padrão de comportamento que só nos distancia do famigerado mundo melhor.

O que seu medo te impulsiona? No que ele te castra? Como ele torneia sua personalidade? Medo ou fobia de insetos, de situações, de ambientes, de sensações, de cheiros, materiais, de sons e até mesmo de sabores. Uma breve pesquisa na internet e você encontra listas de fobias (cada um que até impressiona existir). Contudo, assustador é observar e presenciar como os desdobramentos do medo da diferença, o medo de não controlar e sim ser parte integrante de um grupo social, traçam a realidade. Desdobramentos que podemos resumir em fobia de pessoas. Homofobia, Heterofobia, Transfobia, Politicofobia e polifobias possíveis. Bias traiçoeiras, desde o modo como se instalam na sociedade, até a estratégia de disseminação e ideais para contaminação de novos adeptos. Que as fobias recorrentemente trabalhadas no agenda setting possam nos provocar a uma efetiva melhoria, a partir de pensamentos consonantes para aceitação do plural, contribuindo para uma evolução continuada do modo de perceber a vida e se integrar à paisagem, relacionando uns com os outros sem se perder em utopias, mais ainda assim permitindo sonhos que libertem-nos das bias e elas de nós.

 
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quarta-feira, 11 de maio de 2016

Fantástica fábrica de ilusões



Os aspectos que nos fazem humanos, orgulhosos do que vemos no reflexo do espelho d´água, hora ou outra se contrastam com nuances de nossa vergonha, peculiaridades de uma personalidade que buscamos aprimorar.

O referido aprimoramento nem sempre tem o mesmo ritmo e intensidade que poderia provocar uma efetiva mudança, no entanto já se estabelece como um suspiro da esperança. Suspiro que reverbera e ganha força em narrativas que perpassam gerações.

Assistir, re-assistir e assistir outra vez a Fantástica Fábrica de Chocolate (1970 e 2005) deixa um sabor de quero mais na boca, aquela pequena e intensa fisgadinha no final da língua, onde fica o sabor do "quero mais". Desperta o desejo de revisitar nossos valores, os personagens que assumimos no convívio social e nossa relação com o prazer.

Em 1970, a narrativa mostrava o valor referencial da família como base para buscar melhores condições de vida, em contraplano com o egoísmo e dissimulação presente no ser humano. A história corre sem explicar muito sobre passado e futuro, sem dar detalhes da origem familiar de Wonka e sem especificar demais as mazelas vividas pela família de Charlie, tampouco os desdobramentos após ganhar o prêmio. Durante o filme, a honestidade de Charlie e dos outros é testada não apenas para conseguir um produto secreto, mas especificamente atacando as fraquezas e prazeres individuais.

Em 2005, percebe-se foco maior sobre história e valor da família tendo que especificar origem e futuro, estabelecendo e resgatando referenciais morais, abordando temas como redenção entre pai e filho, fortalecimento de elos verdadeiros  de amizade, de contato humano, de resgate da essência, mostrando inclusive os desdobramentos após Charlie vencer. Na trajetória, o contraplano à ambição dos personagens pela posse desenfreada, pelo transpor limites estabelecendo as próprias regras (pautadas na arrogância egocêntrica).

Após subir os créditos, além das canções das duas versões, ressoa um pensamento sobre como podemos nos encontrar entremeio ao turbilhão de informações, demandas, sonhos e realidade da contemporaneidade. Como aperfeiçoar o ser humano que somos a ponto de contribuir para as relações sociais e principalmente com aquela sensação de satisfação que tanto buscamos antes da última piscada do dia.

A cada mordida em um chocolate (impossível não comer após ver e pensar no filme) a língua se envolve com um sabor que não se adequa a palavra alguma, assim como o ser humano em sua totalidade não se adequa a nenhum rótulo ou regra. A transitoriedade da personalidade humana sobre o tempo e contexto social revela a esperança de que algo não necessariamente novo possa ser efetivo instrumento de evolução, de mudança. Talvez seja a premissa para perenidade de sonhos e vidas, outrora pode se tornar argumento de ilusões que mantém funcionando os pulmões.



Sobre:
Willy Wonka and the Chocolate Factory (pt-br: A fantástica fábrica de chocolate / pt: A maravilhosa história de Charlie) é um filme musical dirigido por Mel Stuart e lançado em 1971, estrelando Gene Wilder no papel de Willy Wonka. A história é baseada no livro infantil Charlie and the Chocolate Factory de Roald Dahl (autor também de Matilda), publicado em 1964, contando a história de como Charlie Bucket encontra um "Bilhete Dourado" e visita a Fábrica de Chocolates Wonka com outras quatro crianças. Em julho de 2005 estreou a versão de Tim Burton, com Johnny Depp no papel de Willy.


Publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/

sábado, 30 de abril de 2016

Listas de listas




Listras de conhecimentos listados em linhas, rankings, especulações da felicidade e facilidades contemporâneas. Resoluto, o cidadão tropeça nas listas de jornais e revistas, compartilha em redes sociais e se liberta ao criar as próprias listas. Seja dica de autoajuda, profissional, espiritual, Cultural, sexual, de presentes, de futilidades, de doenças, de mortos, de indicadores econômicos, de desenvolvimento, de técnicas de se alcançar o desejado, … as variáveis são tantas que complica até listar aqui.
Este mecanismo de requentar assuntos em pautas frias e instigantes ao leitor de “rapidinhas” extrapolou a mídia e as rodas de bate papo e se tornou a nova narrativa do mercado editorial. Livros e veículos de comunicação utilizam desse atributo soterrando o leitor de informações que muitas vezes ele nem entende a finalidade de estarem reunidas em uma lista.
 
Muitas servem de acalento a editores e leitores, uma vez que preenchem  lacunas nas páginas e nas vidas. Impressiona como este artifício está incrustado na narrativa contemporânea. E são atrativos, pois os leitores estão atarefados e com o tempo escasso para se dedicar a uma leitura extensa. Desse modo, as listas são algo que permitem ao leitor se inteirar sobre um assunto específico sem ter de dispensar muito tempo para a leitura. Basta ler os 15 elementos do homem moderno, as 5 Dicas para aumentar a motivação à segunda-feira, os 10 Passos para estar sempre informado, as 7 estratégias para ser uma pessoa interessante e por aí vai….
 
Listas sobre tudo. As músicas para trabalhar, para amar, para chorar, para escrever, para ler… Os melhores filmes de amor, as melhores cenas de desilusão, as palavras mais buscadas na Internet, as cores mais usadas em uma entrevista de emprego, o que não deve se dizer no primeiro encontro, o guia das preliminares do gozo perene, os tópicos essenciais para a preservação da espécie, as palavras menos ouvidas quando se quer um abraço, as pegadas da riqueza, as migalhas do abismo, físico, quântico emocional.
 
O que antes era complementação de uma pauta, um infográfico para atenuar o texto, agora é o próprio texto e cobre toda uma pauta. O processo composto de  Produzir e consumir informação sofre as costumeiras interferências do tempo, da evolução das plataformas e da maneira das pessoas se relacionar com tudo e todos. Assim, cada qual elege em seu sistema de relevância os indicadores que determinam sua dinâmica de consumo / produção de conteúdo. Neste sentido, ao transitar pelas narrativas, o olhar do leitor é fisgado por uma lista que o atualize, que o livre do estresse do dia a dia, que o proporcione risada, um alívio ou o preparo para o porvir. Então, liste suas amarguras ao lado de suas esperanças, trace um infográfico com seu sonhos e reveja como se definirão suas escolhas, sejam elas politicas,  sociais, espirituais, emocionais ou culturais.
 
 

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

sopro

Assim como a brisa e o vento cortam sem ninguém ver; sangro e choro sem ninguém notar que meu sorriso é meu velório. Sucumbi ao labirinto do tempo diante de meus olhos, dentro de mim... e as linhas de Galeano embalam na noite meu sono:

"A ventania - Eduardo Galeano - Livro dos Abraços

Assovia o vento dentro de mim. Estou despido. Dono de nada, dono de ninguém, nem mesmo dono de minhas certezas, sou minha cara contra o vento, a contravento, e sou o vento que bate em minha cara."


Não sabia que existia negra rosa; tampouco que devastasse meu sossego esse sentimento, que me tira o fôlego fazendo me arrepiar, me da paz na madrugada ao tirar meu sono para me ninar. Eu ali no canto, na nota chamada silêncio, observo você, vislumbro os sonhos enquanto saboreio nuances da realidade.

Controle, é o que impuseram a ela. Atrofiada, lançou suas esperanças de felicidade em um recomeço do mesmo, em outro lugar. A poda pode tanto matar quanto fortalecer a planta.


Desconhecia a diversidade e beleza encantadora e peculiar da natureza do mesmo modo que não sabia dos seus efeitos sobre meus sentimentos ao longo do tempo. A maturação intensificou minha ridicularidade e pieguice nos versos, nos gestos, no gozo. Sou prisioneiro da liberdade de amar. Mas...

Aprisionado na leveza de escrever palavras que nem lidas serão e imaginar o nascer de um sol que não virá, não de olhos abertos, ele disfarça significados  no silêncio, ao som da chuva... Na esperança de que a vida continue surpreendente, mudando sempre até que ele se envolva finalmente no amor angelical...

O que há de liberdade na vida além das incertezas? Fora do alcance das amarras do cotidiano, a liberdade do desejo, dos sentimentos e sonhos estão um passo atrás do olhar, do lado de dentro dos olhos, vislumbrando pela vitrine a realidade que quer transformar. Mas romper a membrana para sair pode significar perder a visão, ou mudar as cores das coisas. E quem diz que tudo deve ser da mesma maneira? e quem pode garantir que perder a visão é não enxergar? Apura-se os sentidos, eleva-se a outra dimensão o relacionamento com o que é real, o que é belo, o que nos faz gozar.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Busca por um doodle


O conflito de gerações é um eterno ciclo que apenas aumenta (tal qual o universo), recebendo de tempos em tempos novos ingredientes junto às gerações que passam a integrar este ciclo. O comportamento social se renova do mesmo, mas em plataformas diferentes. Se bem ou mal, o que importa são os desdobramentos possíveis das narrativas estabelecidas.


Gerações intercalam argumentos no diálogo multifacetado na definição de relevâncias. A representatividade de um indivíduo ou acontecimento anteriormente era notória pelo seu registro em enciclopedias, placas e monumentos. Entretanto, desde o enraizamento do Google na rotina de todos os usuários da Internet (quantas vezes acessa o site por dia ou usa um dos serviços da empresa?), os doodles passaram a marcar datas, acontecimentos e indivíduos; lembrando as pessoas o que aprenderam de relance, ou ensinando e instigando buscas àqueles que desconhecem o homenageado do dia. Esta é uma maneira sutil de direcionar o comportamento de buscas e interferir no agenda setting  (Mccombs e Shaw e a teoria do Agendamento) ou um exercício de resgatar ao cotidiano a história da humanidade, os fatos representativos e até os mais os mais pitorescos? Mais do que a resposta, vale o que acontece quando surge um novo doodle. Comentários e conversas em redes sociais digitais, bem como matérias na imprensa (Geral e de nicho). Surgem lembranças e novos conhecimentos sobre algo do passado ou do presente, e quem sabe o vislumbre de um futuro; sempre com bom humor, criatividade e até mesmo inovação ao retratar em uma imagem o assunto escolhido.

Afora esta estratégia, que também fortalece a imagem da empresa, surge na mente de usuários da web, mesmo que de forma quase imperceptível, um novo indicador de representatividade: se já foi um doodle da Google, é importante; merece uma busca. Se antes, seres humanos, buscavam a confirmação de sua existência no outro que estava ao seu lado, com a famigerada globalização ele passou a buscar esta afirmação de existência e utilidade social não apenas na aldeia local e global, mas sim junto a um sistema da web. Se o Smartphone tornou-se a extensão do corpo e vida dos indivíduos (para trabalhar, movimentar finanças, para lazer e etc. Estar sem seu aparelho, ou sem sinal é entrar em estado de aflição e vulnerabilidade), o ranking do Google e do Youtube passaram a ser o indicador de relevância da contemporaneidade. Não é raro pessoas "darem um Google" no próprio nome para ver o que surge, o quão representativo é seu perfil. Se antes alguns queriam ser dignos de serem lembrados em livros, estar com sua marca em uma calçada, seu busto em praças, nomes de ruas, dentre outras formas; agora intuitivamente, os indivíduos querem sua representatividade atestada por um mecanismo de busca (não a biblioteca, onde a representatividade das buscas tem mais resultado acadêmico), com resultados diversos, bem linkados e elencados; e quem sabe atingir o topo: virar um doodle da Google.

A busca é iminente. Entre as respostas, utilidade e futilidade. Versos de porta de banheiro público já perpetuavam ditos populares. tudo o que sobre desce, se cuspir pra cima... Neste ínterim, vale pensar, o que você tem produzido, ou disponibilizado na nuvem, considerando que após um tempo condensando, pode cair irremediavelmente sobre sua cabeças e de outros?

Publicado também na minha página no Obvious  http://obviousmag.org/rumos/



terça-feira, 29 de dezembro de 2015

relance do espelho

Gerações se sobrepõem atrás de um perfil de satisfação e relacionamento eficaz entre poder e prazer. Aspectos seculares do ser humano repetem-se simulando evolução, confundindo pluralidade com vanguarda, travestindo o mesmo com nova roupagem e apresentando-o  como novo.

A sagacidade como busca dar conta de tudo (fluxo de informações e evoluções sociais e tecnológicas) fez com que a geração atual tropeçasse em situações simples, expondo assim sua fraqueza em lidar com a dor, frustração, e improvisação diante das adversidades. Por isso, resiliência se tornou ainda mais um diferencial na escala evolutiva da humanidade. De problemas domésticos, indisponibilidade de eletrônicos, até mesmo tarefas como cuidar da cria desde o nascimento tornaram-se entraves de uma geração de super-heróis e mulheres revolucionárias, de mercado. Falta equilíbrio, maturidade e menos preconceito. A desestabilização emocional dos homens (em eterna puberdade) e das mulheres (sem saber o que fazer ao sair da caverna) é tão evidente e patológica que tem sido tratada como algo comum na timeline da contemporaneidade.

Não sabem lidar com uma bomba de caixa d'água estragada, dias sem internet, momentos sem eletricidade, cuidar da roupa, da casa, da alimentação, cuidar de crianças, lidar com perfis profissionais divergentes,  administrar as finanças e a lista se expande a cada dia. A geração prefere delegar as atividades básicas operacionais e assim exercer seu poder de se entregar ao prazer de nada ter que fazer. Neste ínterim, escolhe a virtuose que lhe apraz, sem se preocupar com a "paisagem" mas apenas no seu momento de gozo nela. Entretanto, têm habilidade em terceirizar. Sabem pagar por serviços (inclusive de escolha) e produtos, para assim se preocuparem apenas com o foco de sua relação de interesse, poder e gozo.

O indivíduo precisa desaprender o que pensa ser e aprender a conviver em sociedade. Fala-se tanto em estabelecer limites, restringir acessos, bater ou não bater. Ninguém nos ensina a "ser social". (Não se trata de aprender a enquadrar uma selfie). O ser humano aprende a ser político na prática, absorvendo do meio a moral e determinando seus próprios valores. Com parâmetros intuitivos, ou referenciados via agenda setting, o indivíduo navega sem leme. As corporações e instituições professam conceitos emblemáticos (ética, compliance, segurança, qualidade de vida, responsabilidade social, sustentabilidade, investimento social privado, e etc.) que são os mesmos de outros tempos, mas agora com outra roupagem. A falta de atitude transformadora infelizmente também; alimentando assim a crítica, textos em perspectivas, as reflexões, bem como a demanda por mudanças. Neste cenário a resiliência brilha nos olhos de quem a tem.

Os produtos culturais encontrados transitam em reboots, remontagens, refilmagens e pouco de um olhar diferenciado que instiga o espectador, a plateia, a se re-ver como personagem com voz (nem que seja narrativa) e potencial de interferência na paisagem que por muito tempo apenas contempla, se torna (e se coloca como) vítima e algoz.

... publicado também em: http://obviousmag.org/rumos/2015/12/relance-do-espelho.html

terça-feira, 27 de outubro de 2015

espaços sentidos



A intensidade dos fluxos contemporâneos evoca reflexão. Metal, plástico, palavras e concreto armado sobre cabeças, sob pés. Recursos humanos e naturais na luta por um futuro aprazível. Cidades atrofiadas, campos mal utilizados. A sociedade tropeça em sua essência na busca por uma sustentável leveza de ser.

Pensar o querer geral e ser racional de Immanuel Kant e também perceber a relação dos seres com os espaços a partir do interesse e suas vertentes diversas. Os indivíduos com objetivos específicos, interesses pessoais se tornam seres sociais. Os seres sociais buscam estabelecer um ordenamento embasado no interesse coletivo. Todavia, o interesse coletivo é por muitas vezes uma roupagem aceitável do Interesse Dominante. Ou seja, um indivíduo articula seu interesse pessoal de forma a viabilizá-lo como o interesse de um ser social com potencial de se transformar em interesse coletivo. Por persuasão, submissão ou identificação para alcançar fins pessoais, outros seres sociais tornam-se adeptos do interesse proposto tornando-o Coletivo. Quando analisado em profundidade, este interesse nada mais é do que o interesse dominante não de um grupo, mas de um ser com poder articulador às vezes imperceptível em sua ação, mas evidente em suas consequências.

O significado de um espaço vai além de sua finalidade. O que um espaço representa para o grupo social e para um indivíduo diz menos sobre a estrutura e mais sobre quem com ele se relaciona. Inspiramos e expiramos sentimentos e sentidos, atribuindo significado às pessoas e espaços com os quais nos relacionamos com o passar do tempo. Neste sentido, quando passamos novamente por um local, é como se passássemos os olhos em um hipertexto construído essencialmente com partes de nós. Os links (de nossas experiências, mecânicas, orgânicas, superficiais ou não com aquele lugar) despertam novos olhares ou antigas sensações. Para isso, o tempo é quem determina o grau de envolvimento no momento da releitura dos espaços. Tempo de exposição, tempo de disponibilidade, tempo da lembrança e da memória. E a maneira como acessamos esses links interfere na dinâmica constituição do nosso caráter e na determinação das escolhas do presente.

A partir deste olhar, podemos conceber os espaços também como organismos vivos, erguidos e sustentados na multiplicidade de ser. A relação com ele vai além da simplicidade de definir se é público ou privado. Na dimensão de nosso relacionamento com ele, ora concebemos o espaço como privado (nossas percepções, sentidos, interesses e significados) e como público (finalidade operacional, interesse coletivo ou estrutural do local). Um local carrega em si apenas sua matéria estrutural ou também guarda os significados que os indivíduos a ele atribuem? Os significados estão em nós e são disseminados pela linguagem que utilizamos para representar os espaços? Refletir sobre esses aspectos pode contribuir para uma madura percepção dos indivíduos quanto à organização social, bem como a construção, uso e ocupação dos espaços. Trata-se de um vislumbre de um horizonte onde existam comportamentos além de La Belle Verte (filme de Coline Serreau - 1996). Talvez dessa forma, a famigerada sustentabilidade possa deixar de ser discurso e se consolidar como um retrato da vanguarda. Esta última materializada a partir de um novo olhar sobre organização espacial e suas possibilidades diante da demanda humana por subsistir e evoluir.

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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

traço

O caminho do traço revela nuances de uma face que há muito tempo o espelho não via. Espasmos de sentimentos silenciados sobressaem sobre as flores sob os raios solares. O jardim é o texto, as pegadas o rastro de uma escrita de amor e cumplicidade.
 
Sua face rompe a brisa com uma interrogação. Seu silêncio deixa escapar as reticências... Sublime silhueta do desespero. Sua presença é o agravo das impossibilidades, mas é bela de uma forma limpa, distante. Admirável é sua face rompendo o ar, perfumando meios olhos, dissipando o perfume da solidão. O desdém se estabelece como propulsor de atitudes de conquista ou de estrangulamento. Você balbucia o precipício sem perceber que apenas repete o eco, luz de uma estrela morta. Assim a narrativa, como um rio, muda seu curso.

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O laço é a rima
o traço corrompe o branco e com o risco purifica a vista,
 delineia meus sonhos no silêncio.
O desfecho no texto que não lido se foi,
sobraram rosas e perfume.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

pontuação;


Quanto mais meios, mais fins. Argumentos, desabafos e narrativas do porvir. Entre imagens que gritam e textos que silenciam: a vanguarda é o insistente "nunca será" que ecoa entre nós.

Assimilação é o diferencial de mercado. Todos produzem todos consomem. Quantos assimilam? Narrativas pulsam onde quer que o cidadão se volte. Sob este aspecto, tudo nos é novo e acessível, mas não necessariamente necessário. Ao se perder em acessar tudo quanto se pode, o cidadão fica na superfície de tudo, ao invés de mergulhar em algo que faça para ele alguma diferença, nem que seja nele mesmo.

O indivíduo que conseguir selecionar e organizar (cada um com seu senso e método)as narrativas que consome e produz, e posteriormente assimila o que é, a partir do que consome, interage e cria, então ocupará (às vezes sem perceber) um lugar especial na organização social, pois seu potencial de interferência no grupo social será mais apurado, uma etapa à frente do automatismo reinante.  Além disso, ele terá uma percepção mais intensa sobre suas experiências e sobre as perspectivas da vida.

A ruptura de tudo aquilo que se esconde corrói nossa alma de forma a contaminar a paisagem com nosso olhar. Isso é o que se propõe mas, inalterado, o ambiente é sutilmente acrescido de sentidos que passam desapercebido. Reféns; de nossos semelhantes, de nossas escolhas e pensamentos. Ninguém há de libertar ninguém. A hipocrisia impera até mesmo na face daqueles altruístas afogados em compaixão. Bandeiraram o Cristo ao invés de vivê-lo. Fazem com uma mão e divulgam com todo o corpo. Pintam arco-íris de ideologias, professam uma tradicional família e massacram valores básicos ao pé do ouvido.

Rompeu o solo a raiz que me sangra. As palavras saem nuas, sem sentido algum alfaiatado. Com suas formas espontâneas e inocentes, suas arestas e seu suor. Já não caibo mais nos clichês que tanto me alimentaram. Narrativas me encantam pela manhã e me conduzem para cama a noite. Quando a amargura entorpece ao coração, cabe à língua dar ou não vazão. E quando o refrigério vem, como um momento de gravidade, você hesita em sobrepor mãos; pois os lábios ressecam, tosse, a pupila dilata naquele quarto escuro; e a tela que brilha fustiga o tempo lá fora. A liberdade que expande e que nos aprisiona, tudo é tão simples e intenso.

Eu não voltei a escrever, pois não consigo respirar. Nunca parei de inspirar e pirar expiração enquanto não conseguem ler. Todos enxergam as frases, sem perceber o que o texto é. Gentileza é poesia, muito mais que verso. E a fé, a fortaleza que nos faz perceber o brilho e o sabor da vida que nos rodeia, que nos entrega e integra. Cansado, com uma paz que não cabe, com os dias que a guiar não veio. Ah, guiar não veio. Nunca virá.

A dimensão do não ser. Tudo está nas nuvens, a internet é o Big Brother (de Arthur Blair) e a grande biblioteca (o backup de nossa arrogância), mas quando chove não encontro mais a gota que eu evaporei. Doce tempo, amargas minhas lembranças de um futuro tão terno. Não há esboço para você e pra mim. Simples assim. Qual é o nosso traço? O que podemos assimilar?

O animal que sou nesse zoológico de trocadilhos. O termo que sou no texto que não escrevo. O tropeço e a pedra no clichê do poeta, no traço no muro, na rima no silêncio.

Tenho sede de paisagens. Tenho sede das suas paisagens, completou o menino que permanece calado.
E o quanto se assimila pode ser o que distancia a mensagem do meio; o significado do indivíduo.
A vírgula me para, o tempo me volta...

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quinta-feira, 27 de agosto de 2015

migalhas em rugas


Quanto tempo é necessário para decompor-se no ambiente o papel? O plástico, vidro e o metal? Quanto tempo é preciso para que o corpo se definhe; que o ser humano se dissipe no ambiente? Uma ideia; uma escolha.

Perpassamos nossos sonhos e frustrações entremeio à realidade do cotidiano em busca daquela sensação de frescor. Frescor de um sorriso, de um sabor, de um acontecimento ou momento em que as pressões humanas são aliviadas. O que pensamos possuir e o que pensamos descartar transformam-se ou se decompõem.  Três a seis meses (Papel), 200 a 450 anos (Plástico), 100 a 500 anos (Metal), 4.000 anos (Vidro), uma ideia, uma palavra, um olhar (nós).

A ordem e a descrição das responsabilidades de cada ser social têm enfrentado recorrentes turbulências. Quem administra e quem é o provedor, como são tomadas as decisões, quem rema e quem controla o barco. Quem cuida do público e do privado. Quem pilota a aeronave e quem mantém a harmonia entre tripulantes e passageiros. Quem escolhe o cardápio, quem prepara, paga a conta e lava a louça. Afora exceções, a sobrecarga de funções sobre um dos seres ou a irregular e intuitiva divisão de afazeres, junto do ritmo urbano imposto como "padrão automático de conduta" tem resultado em seres humanos à beira de um colapso nervoso e social. Muitos, estão a uma escolha de descartar-se da ordem social vigente e se dispor no ambiente, para se decompor ou para experimentar de uma suposta nova realidade.

Neste ínterim emergem modelos alternativos, as modas das academias, dos guetos intelectuais e esportivos, dos orgânicos, dos entorpecentes, da passividade, do vandalismo, do crime e castigo.  Culpar o contexto e o repertório do indivíduo é clichê. É um clichê falar em clichês. Refletir sobre como são estruturadas as escolhas é um desafio. É inegável o poder de interferência do estímulo do ambiente (provindo do famigerado contexto). No entanto, como este estímulo é recebido pelo indivíduo e como o leva a tomar decisão? Acredito que nas rugas de cada um há migalhas da essência, do elixir que estrutura as escolhas e registra no olhar, no corpo e na alma as consequências.

Quando olhamos para pessoas entregues às drogas, à violência, às modas, à utopia do corpo perfeito e da mente brilhante; percebemos o exagero de teorias, receitas, referências, sorrisos e lágrimas. Ao fundo, muitas vezes a angústia da saciedade.

A angústia da saciedade. Transmutada em necessidade de ser feliz. Manifestada como busca em realizar sonhos. Materializada em capacitação profissional, viagens, religião, relacionamentos, posses, poder, enriquecimento e reconhecimento. Para alguns ainda, a aceitação é o estandarte.

A autoafirmação da identidade, saber e sentir que existe e tem importância; considerando que o reconhecimento passa pelo o outro; pela convivência social e até mesmo com a natureza. Todavia, incomoda a sensação do algo a mais. A paz abstrata e tão real que poderia não nos saciar, mas abrandar a angústia é única para cada um, mesmo que seja a mesma (ou semelhante) para muitos. Sem respostas definitivas, às vezes o prumo e o rumo está em refletir sobre as escolhas, seus efeitos e desdobramentos; sem tornar-se prisioneiro da reflexão; pois o tempo não para, não passa, ele é.
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Santos mortos - Poetas da Dor - parte 2


As narrativas às vezes são a membrana superficial...

Seja sol ou madrugada, janela aberta. O vento varre da minha face as ilusões. Fecho os olhos e consigo ver além do que penso ser. Percebo como os outros constroem seu repertório de experiências e códigos e os empregam em vida. Sinto as agulhas das emoções alheias penetrarem meu sossego.

Tanto buscamos descobrir o novo e catalogá-lo a fim de concebermos conceitos, interpretações e alcançar a certeza, para assim partir para outra descoberta ou simplesmente controlar as coisas catalogadas, ser superior. Dominar o que se ama, o que se conhece. Isto é percebido em todas as dimensões do comportamento humano; na sua relação com a natureza, com a sociedade, sentimentos e tudo o mais.

O processo de santificação (ao contrário do Bíblico) depende fundamentalmente da morte e não da vida. Ao morrer, o indivíduo comum passa a ser lembrado, admirado e considerado pelos fatos benéficos relevantes, tendo as mazelas de conduta e caráter amenizadas, quase apagadas da memória. Porque isso não é feito em vida? Valorizar as pessoas pelos acertos, focar o julgamento nas qualidades ao invés de em vida julgá-lo pelos erros, e em morte reconhecer seu valor de semideus? Quem morre é lembrado pela parte dele que construímos em nosso imaginário, a partir da convivência com a pessoa, ou com a narrativa que alguém criou sobre a pessoa em questão. Afora exceções, quem morre é lembrado como bom e os vivos têm seus defeitos realçados. Tropeços.

As narrativas então estabelecidas tratam os indivíduos vivos como seres os quais os erros e desvios sobressaem às qualidades. E assim, uma sociedade de sonhos hipócritas é consolidada. A trajetória do indivíduo, travestido de ser social, é analisada sobre vários aspectos. A sociedade, evitando o processo de autoconhecimento proposto pela máxima no Oráculo de Delfos, subjuga o próximo e disseca seu caráter com o objetivo de condenar ou absolver o cidadão. Como parâmetro de análise, utiliza padrões morais e de excelência que estabeleceu a partir dos respectivos anseios. Padrões consolidados junto ao grupo de afinidade, composto de pessoas que comungam dos ideais e um ou outro de ideia divergente, para garantir contraponto.

Para sobreviver a essa dinâmica social o indivíduo pode ignorá-la e conviver; pode subverter os parâmetros, interferindo neles, quebrando paradigmas construindo outros; ou pode sucumbir às manipulações sociais.

Ignorar é o que a maioria faz. Ignora e convive, pois o indivíduo naturalmente percebe que enquanto ser social ele também julga e opera os próprios padrões. O cinismo rege a história de vida de tantas pessoas. Assumem personagens, acreditam intensamente no rótulo que carregam, e ainda tentam impor uma realidade e modo de pensar a quem por perto estiver. E assim o terreno  está preparado para frustrações. (Que surgem também de tantos outros lugares).

Subverter os parâmetros, a partir da interferência e sobreposição de paradigmas é feito com a utilização das ferramentas culturais; as artes em suas diversas dimensões (artes plásticas, artes cênicas, literatura e etc), bem como pelos pilares históricos (manifestações populares e articulação de grupos que atravancam o sistema corrente estabelecendo outro padrão comportamental).

A operacionalização das ferramentas culturais nem sempre têm como finalidade alterar os parâmetros supracitados. Em sua maioria, as intervenções almejam reforçar preceitos, divertir, arrecadar recursos financeiros ou materiais, e até mesmo ser afago ao ego dos autores e mecenas. Entre mecenas e mercenários, o caleidoscópio: Mensagem / público / narrativas criadas / artistas e indivíduos / o ardor / as amarras da liberdade.

A intensidade de R. Wagner, com sua superioridade e pureza pernósticas; a força de Tchaikovsky, e as nuances de sua contradição; é recorrente a tentativa de representar o elixir do que torna humana a carne e sofrível a alma, passível de amor e ruína. Interessados em nossas mazelas, mergulhamos para compreendê-la e não para alterar o surgimento de novas e a continuidade das antigas. O final do ato não encerra a obra, e o estrondo repentino não sucumbe a sutileza do compasso. E o amor?

Seja em Arthur S. ou em 1 João 4, o amor é a ideia original. Felicidade possivelmente incompatível, pois nele também há dor. Aspirações, paixões, vontade e representação. Sob o óculo de A. Schopenhauer percebemos como o ser humano busca a sobrevivência como qualquer outro organismo vivo: guiado pela vontade [mesmo sem compreender sua origem] lembrado pela representação [não em plenitude] de seu desejo. A felicidade é o fiel oscilante de uma balança que de um lado tem o amor (ideia original, desejo natural) e do outro lado tem a vontade (a energia e os atos que a representam).

Após observar certas nuances do indivíduo (que pode muitas vezes ser caracterizado como o estrangeiro de Camus), inclusive enquanto ser social e organismo vivo, percebe-se que o fator determinante da santidade está atrelado aos atos em vida e não em morte (embora a morte santifique seus atos). Sendo os atos em vida constituídos de movimentos naturais, escolhas orgânicas por sobrevivência / evolução / continuidade; e não apenas por caridade. 

Toda relação é por interesse, ok Kant. este interesse ultrapassa a dimensão social, orgânica e material, atingindo também uma dimensão poética, emocional e espiritual. O interesse não é maquiavélico por completo, tampouco altruísta por demasia. Independentemente da existência de seres exemplares (santos) a sociedade os estabelece ou reconhece para saciar a necessidade de conforto, de calmaria, de fugir do estresse cotidiano (composto pelo fluxo, contrafluxo e colisão de indivíduos em busca de "realização" em todas as vertentes / desejo), vislumbrando o admirável.

Entremeio à busca por saciar o desejo pela ideia original e os desejos básicos; afora a busca por salvação e santificação bíblica, por reconhecimento e conforto/aconchego, o indivíduo tenta ultrapassar as interrogações da vida e não se alienar nas reticências, pois a vida do indivíduo está sempre sobre dois pontos:


Quando respiro e quando não,
O amor me alcança.
Rumos seguem, mesmo em silêncio. 
Dobrei o horizonte sob os joelhos e ponderei; 
rumos seguem, mesmo introspectivo. 



quinta-feira, 6 de março de 2014

Pautas conjuntas


http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed788_pautas_conjuntas

Lidar com o ego é o recorrente desafio social. Setores não se habilitam ao diálogo, mas à alternância de poder. As assessorias de imprensa precisam de reflexão e renovação constante. As redações (cada vez mais enxutas) precisam compreender o modus operandi da construção conjunta de uma pauta. O conceito de diálogo é equivocadamente confundido com difusão unilateral de mensagem e indução a um pensamento crítico e comportamento de consumo.

O processo econômico carece de uma transformação consequente da evolução do indivíduo como sociedade, embora a sensação seja a de continuidade de um clique que intercala manifestações entre o “desenvolver”, “informar” e “preocupar”. A crise ambiental pode ser compreendida como crise do conhecimento de como reconhecemos o mundo e a maneira que ele precisa de nós. Deve-se trabalhar de forma profunda os aspectos da notícia. O tema meio ambiente precisa sair do gueto das pautas com maturidade. Cobrir as faces sustentáveis em todas as pautas é fundamental. Aspectos como gestão política, manejo de recursos, orientações e recomendações científicas precisam ser apurados com responsabilidade.

Diante da intensificação das adversidades ambientais, é preciso adequar o modelo de vivência agrícola e urbano. A começar pela necessidade de efetivar os conceitos trabalhados em ações (ex: cidadania). Entretanto, como a imprensa tem abordado o tema e contribuído para o processo de transformação social? O que move um país são as pautas ou o lobby que as provoca? Sistemas ditam o comportamento. As pessoas são reféns das tecnologias criadas para facilitar a vida.

O ego em metástase

Mobilidade, acessibilidade e transferência de dados prendem as pessoas no trânsito, na web, nos discursos e tarifas. Lucro pelo lucro, com selo de sustentabilidade. Os interesses oscilam entre lobistas. Governos, indústrias, órgãos certificadores, ambientalistas (sem voz, mas com barulho). A impunidade é o problema maior da gestão pública e corporativa, pois abre precedente. Afora o perfil de organizações de vanguarda, as capacidades instaladas das empresas têm como parâmetro a disponibilidade e produção de matéria-prima do passado e não do futuro; considerando o presente como momentâneo, especulando melhoria.

A comunicação precisa amadurecer. Processos ou processadores? Os prêmios oferecidos (ex: Délio Rocha, Sebrae etc.) deveriam valorizar os olhares efetivos e narrativas de utilidade pública, e não massagem ao ego das assessorias por trás dos prêmios. É preciso resgatar o prazer pela leitura (seja em qualquer canal). Comunicar com o público sem forçar absorção, mas construir junto. Este seria o amadurecimento iminente.

Intelectuais se escondem. O ego em metástase os faz aparecer pela doença que se tornaram, e não pelas narrativas de vida que poderiam estabelecer. A forma como ocupamos o território e o percebemos precisa evoluir. Saber quem somos, o que nos faz seres sociais e vislumbrar o porvir.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

tipografia orgânica


Acordo e revejo  Life in a Day (o longa, projeto de retalhos do you tube); a encenação do espontâneo. O desafio de montar o enredo e a facilidade de obter cenas repetidas e ângulos comuns, pois somos repetitivos e iguais em essência (criativa?). Excesso. A tela passa por vaidade, prazeres, ridicularidades, simplicidade e irreverência. Tudo ao mesmo tempo, por toda a parte. Remendos de felicidade X verdade. Nossas particularidades mostram-se sutilmente especiais. Especiais por serem nossas, únicas em si, e não por serem mais ou menos relevantes na esfera social. Mais do que a essência do detalhe; o lugar que ele ocupa no tempo e espaço.

O filme constrói uma mensagem que comunica a humanidade a partir dos fragmentos. A comunicação espontânea, remontada. As interpretações à flor da pele.

Transpor a imperceptível lâmina d'água da realidade e misturar-se ao outro. a justaposição de Eiseinstein e a liberdade de Bazin. O epicentro da vanguarda em algo que se revela não como novo, mas como alternativa ao fluxo da modernidade. A reflexão sobre o que é o dia, a vida e um no outro.

Essa tua ruminança não é genialidade. É uma coceira do ego, da vontade de dominar. A alternativa então é ser cafona e sumir na massa, para que você me conte nua; me continua na curva da cintura desse nosso devaneio. Quando a palavra silêncio preenche toda a minha boca você surge. Contempla sentada ao meu lado. Ah, a tipografia orgânica desse seu olhar;

Em tempo, observar um grande artista embrenhar-se pelos números em prol de alternativa para sustento e desenvolvimento só anima quando percebo que a desesperança urbana será golpeada pelos olhares do meu amigo artesão da vida, que modelará os números em um cálculo que dobrará o concreto de nossos corações e transformará os espaços em ideias habitáveis. Que Deus mantenha a visão.

Outros filmes se repetem diante dos meus olhos, Diário de um jornalista bêbado e os Amores da casa de tolerância. A realidade em estado cru, a fantasia nua de narrar histórias marcantes. O cinema ainda é alívio, mesmo quando nos sufoca.

Hoje permito-me estar absorto na névoa que se esvai e revela a silhueta do infante sorridente a correr sob os raios de sol da manhã. O que ela [névoa] revela fascina-me todos os dias, todavia, a maneira como ela se dissipa intriga-me. Ela vai sem nada levar. Eu fico nu orvalho, admirando o novo dia do qual faço parte.

eu passo!

passocomunicacao.blogspot.com

terça-feira, 17 de abril de 2012

Valor às marcas


O desejo de ser referência para a opinião pública está mais atrelado a uma busca por lucro e controle de mercado do que prestação de serviço à vida. Diante das mudanças bruscas das últimas décadas, o poder e valor das marcas já não pode ser trabalhado como um anúncio, uma placa, um nome gritado aos quatro cantos do esférico mundo.

A regionalização das narrativas, em linguagens e temas tem sido a estratégia padrão para integrar os consumidores e fidelizar o novo cidadão digital. O modelo de construção das marcas ultrapassa os espaços publicitários, e alastra-se pelo espaço editorial, pelo espaço físico das cidades e pela manifestação cultural. É necessário conhecer a natureza do resultado a que se propõe obter. O valor a ser construído depende dos parâmetros que constituem a cultura da organização.

Seja a partir das sucursais (muitas em extinção); seja os grandes meios de comunicação com uma gestão integrada de afiliados (Globo com 29 grupos de comunicação e 122 emissoras – sendo 117 afiliadas); seja nas empresas com um corporativismo velado sob a tutela dos conceitos-produtos: Responsabilidade social, Qualidade de Vida e Sustentabilidade. Todas as frentes de comunicação anseiam tocar o público, controlá-lo, saciar as vontades que os próprios meios criam. Mas como se posicionar diante dessa massa?

Os gestores, com raiz no modelo antigo de administração, são resistentes a assumirem a transparência como virtude. Eles a consideram um risco, uma ameaça à saúde do negócio. Dessa forma, cerceiam a liberdade dos profissionais de comunicação (dentro ou fora das redações) como um indivíduo pensante. São poucas as empresas e áreas de comunicação que sustentam uma postura transparente e sóbria na construção de discursos, práticas e relacionamentos. A marca (seja de uma indústria ou de um veículo de comunicação) deve ir além do símbolo, precisa representar um valor, um caráter perceptível nas práticas.

A integração de serviços e a livre escolha são estandartes do mundo contemporâneo. O indivíduo precisa sentir liberdade para consumir informação e o acesso deve ser resultado de uma fórmula cruel, onde a instantaneidade deve estar disponível em multiplataformas a um custo baixo [ o que muitas vezes desconsidera o valor de produção e do produto].

TV, jornal, rádio, tudo na palma da mão. O smartphone dita o ritmo de vida moderno. O rádio foi então revitalizado pelo twitter, os jornais pelo facebook e a TV pelos portais de convergência de conteúdo. A maneira como a Rádio CBN e a Itatiaia utilizam o twitter para alinhar e expandir a programação, provocar interatividade e prestação de serviços tem dado fôlego ao fazer jornalismo. O mesmo acontece com as fanpages dos jornais. As notícias provocam diálogo direto com os leitores e aponta caminhos possíveis para aprofundar nos temas veiculados. Muitos têm aprendido a trabalhar tendo a interferência do público como instrumento do processo narrativo.

O turbilhão do padrão de absorção das novas gerações é um dos desafios do atual modelo de consolidação de marcas por meio de ações de comunicação. A cultura de timeline impera. F5 é o piercing na língua da juventude. Engajar todos na cadeia de produção e absorção de conteúdo é algo inevitável.

Engajar o empregado/consumidor é dar poder a ele. Isso é um paradoxo da gestão atrofiada que não percebe os benefícios do equilíbrio entre autonomia e arbitrariedade. Para que as organizações, midiáticas ou não, obtenham representatividade perante o público é preciso trabalhar à sombra da confiança e não hesitar para mantê-la intacta. A ruptura da confiança reinicia todo o processo de sedução do outro, trincando as marcas. Enfim, o processo de comunicação está cada vez mais vulnerável, pois embora tenha suas premissas básicas (tal qual leis da física) sua instabilidade despertou como um vulcão acordado. No desconforto procura-se por referência. É fundamental refletirmos a respeito de qual valor há nas marcas que espalhamos ao vento, para não sermos fustigados pelo que sair do vulcão que criamos.

Publicado também o Observatório da Imprensa  http://observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed690_o_valor_das_marcas

sábado, 3 de março de 2012

o sabor da linguagem


Enquanto no escurinho há teatro e cinema, e à mesa (e aos olhos) repousam orgias gastronômicas, sem reservas, respira-se entremeio aos fluxos urbanos. Dentre As mais fortes, o bufão. Não o filho do demônio, mas o riso grotesco, as entranhas do homem expostas numa risada. O espelho que anda diante de nossas palavras reflete nossos pensamentos. Encenar a espontaneidade é respirar. O processo de formação de público, estimulado pelas campanhas de popularização do teatro e da dança colherão frutos a longo prazo. Todavia, a iniciativa deveria contaminar também as salas de cinemas, com estratégia de exibição de filmes "não comerciais" seja ficção, documentário, curta, média ou longa metragem.

Frustração é consequência de visão limitada [embebida em paixão], entendimento raso. Diante dos desafios, o talento traz a confiança, mas apenas a sabedoria a mantém. Apesar de tudo o que cansa no humano, os poros escondem mais do que pelos; o suspiro e as palavras muito mais do que significados.

A felicidade está em encontrar a plenitude da vida no gerúndio, no significante. Chocolates e olhares. A amargura o distingue, realça a ternura de seu sabor, delineia o espanto, o medo de se envolver; a vontade e a energia. Tudo em uma mordida silenciosa, seguida de uma intensa e vagarosa dança da língua. Amelie ou Angelique. Poulain ou Delange.

O som de degustar um chocolate. Caminhar na chuva emotivamente anônimo meia noite em paris; texas. Inocente, ingênuo e intenso, o amor se faz em um chocolate e impregna-nos ao se desfazer na língua.


Entre o que nos faz humanos e o que nos faz palavras, o picadeiro pós-moderno: a cidade
O circo é o palhaço. "O gato bebe leite, o rato come queijo. E você?"