quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

escorreu



E o que vem a ser o propósito? Se esquivar da essência com a distração de observar o outro? Entregar-se ao ócio, ou apatia em relação às demais pessoas e perceber que é cativado ou pela dor, ou pela posse e vivência de situações e objetos prazerosos? Ter dinheiro, vivenciar o que o dinheiro possibilita.

Na criação de filhos, a criação de templates para fantasias sua boa imagem externa de bom pai e mãe? Nos escondemos todo o tempo, nos esquivamos do que é essencial para fazer saltar aos olhos os elos dos algoritmos que criamos para termos mais tempo para ser, do que ter.

No desespero de proteger nossa hipocrisia, machucamos quem dissemos tanto amar. macucamos e nos isolamos. Embora fiquemos comovidos com enredos apaixonantes de união, aproximação e valorização do outro.

Não sabemos o que fazer com o tédio e imputamos a ele a perdição, a atrofia dos sentimentos, a individualização. Somos seres banais se julgando donos de verdades, de julgamentos, de condenações.  Não enxergamos, não mesmo, nossas interferências na vida das outras pessoas. Não controlamos, de forma alguma, a maneira como vão interpretar e reverberar nossas palavras, nossos gestos.

Quando tentamos ficar fora desse padrão velado como liberdade, sofremos por entender estarmos deslocados. Não somos dessa rua, estamos de passagem; entretanto não controlamos nem o piscar dos olhos.

O que vem a ser esse famigerado ao peito. Que nos faz guerrear, plantar e incendiar. Romper a alvura em versos e rasgas as mágoas ao travesseiro de um lugar de paredes úmidas, de lençóis suados e de um eco ensurdecedor.

O que está atrás de tanto brilho. Tanta imagem clichê, tanta angústia e tanta euforia clichê? O que há de se revelar? As narrativas são como a pipoca no cinema. Nos racham os lábios. Comemos até sem fome. Sem perceber o gesto. Apenas repetindo. Reencontrar a inocência da infância. Mas é lá que está também o início desse se perder na contemplação.

Lembro da criança de pés descalços, no intervalo das brincadeiras, olhando o céu, ou o gramado, ou um buraco no muro, ou uma trilha de formigas. Atordoado como que deslocado. Era tão intenso estes instantes, que ele não consegui a compreender. Sua cabeça não desligava, parecia mais um cavalo selvagem fazendo hipóteses de tudo ao redor, olhando do específico ao geral, construindo argumentos no silêncio, alimentando uma coragem que enfrenta até mesmo a dor.

Então vinha a bola, o pique, os raios, a terra, tampinhas, figurinhas, poste, banho jantar, brinquedos, televisão e cama.  Perdeu a conta de quantos circuitos fechados, e também dos dias bons pela simplicidade. Mas eles passam. Assim como o vento do guardador de rebanhos. 

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