sexta-feira, 20 de novembro de 2020

A multiplicação de Mike Teavee



Ô Cridê; fala pra mãe, que a TV saiu da sala e agora empoderou-se na mão de cada cidadão. Senhor Wonka, um chocolate por favor, daqueles que nos fazem ficar anestesiados diante das mazelas que o indivíduo permitiu se incorporar ao comportamento natural cotidiano. Viciados em F5, para estarem sempre atualizados. Ter acesso a mais fatos (sejam estes determinantes na sociedade ou apenas sobre a rotina, extremamente corriqueira, da vida de uma pessoa). Ficar vidrado na vida de uma pessoa ou família e deixar de lado a própria; sem perceber a incoerência. Instaurar o mimetismo e transformar seus hábitos por meio das influências digitais recebidas, buscadas. Claro, muitas transformações para o bem acontecem. O joio e o trigo são separados no final, não é mesmo? Entretanto, o padrão de interferência social do comportamento das "teletelas" guiando olhares, palavras, dedos e decisões, aponta para uma atrofia, uma neutralização das questões humanas profundas, um processo de tornar superficial o saber, o sentir, o ver e interagir com o outro (fisicamente, pois sempre há um emoji, essa nova onomatopeia, para aconchegar digitalmente).

Andar pela rua, frequentar situações sociais costumeiras em almoços, reuniões, encontros, ou o lazer no sofá, nas varandas, ainda também nas calçadas, e tantos outros lugares. Realizar as tarefas diárias, do café, caminhada, banheiro, ócio e tanto mais. Mike Teavee multiplicado como gremilings. Tudo sempre conectado. Tudo sempre com a tela ali. Com a necessidade de lançar ao universo digital o que se passa, o que se sente, o que se come, a perspectiva da foto alcançada. Comunicar não é pecado. A dose da mensagem é o segredo para não atravancar o processo. O que chama a atenção é como o fluxo de comunicação está interferindo (ou revelando) o caráter das pessoas de forma tão rápida. A liquidez de uma sociedade. Seja no filme, na vida ou no universo estendido chamado realidade, obcecado com filmes violentos de gangsters, imitando o que vê nas telas e obcecado pela felicidade e satisfação alheia; não é mera coincidência. As pessoas estão não sendo sugadas pelas telas, mas estão se entregando a elas. Justificativas brotam de todos os lados, inclusive do divã.

Produtores de conteúdo, corporativos ou não, embrenham-se na corrida maluca de (sendo também personagem alvo do processo) entender a demanda, o comportamento de consumo da audiência, de produzir, reverberar e mensurar os resultados. Virou negócio. Arte, preço, produto. Não é um mundo de pura imaginação, mas um se entregar contínuo à alienação que satisfaça o passar das horas e soterrar o famigerado "conheça a ti mesmo".




Dica

O canal da Maíra é um refrigério narrativo, sempre com uma abordagem interessante; com um ritmo diferente de olhar e respirar a vida. Vale a pena




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