No dia em que tentaram me matar trataram-me como uma erva
daninha, esquecendo-se que me plantaram, podaram e fertilizaram. Fizeram-me de
um vinho de sabor ralo, sem nem ao menos beber-me, sabendo ainda assim meu
sabor peculiar, para descartarem-me catalogaram minhas qualidades como a
escória do que se pode ter na prateleira. Venderam a própria alma e pagaram com
a minha. todavia, desconheciam o fato de minha alma não pertencer a mim.
Pensaram que eu seria meu nome. Então, jogaram sobre ele todas as pragas conhecidas,
subestimando a morada das virtudes silenciosas. Eles erraram. Não serei eu o
agente punidor. Não verei eu a vingança ou justiça sobre a atrocidade que
tentaram fazer. Sopraram ao vento uma riqueza e já não podem mais alcançar.
Quando foi que eu permiti estacionar em meu coração aquela que me expulsou de
mim mesmo? Nos dias em que me entristeço amadureço. Neste momento em que o
desespero usa do vento para sondar minha janela, meus anjos sorriem e me salvam
sem perceber que têm o timing perfeito. Eles não desistem. Com uma
sensibilidade sobre humana. Demorei para perceber. Tarde demais? Quando o tempo
não passa mais, o silêncio de senta ao lado da paz.
Ruidosos olhares pelas ruas rasgadas de silêncio e dor. Ruas
que em significante tinham incrustados o suor das corridas matinais, os gritos
de uma madrugada de desespero e solidão. Quando o peito quase explode na
tentativa de conter no corpo um sentimento de dor, de angústia, da extremidade
do amor. O chão negro, asfalto gasto incapaz de refletir as estrelas. Esquinas
sem verso, com um poste apagado. Delinquentes sem coragem de mexer com aqueles
olhos negros, com aquele semblante supernova. Vapores baratos de bueiros
antigos. Fornos persistentes de padeiros cansados. Ruas que se interligam como
as veias do corpo. A brisa corria as ruas feito soro nas veias. Ruas amargas
com as cores de uma vida em que o legado é a calvice, as rugas e as palavras
não lidas, e quando lidas não compreendidas, não por genialidade, mas por falta
de entrega do leitor. Ele não estava na mesma dimensão delas. Tampouco
estacionara em encruzilhadas. Sua rima rangia pelas ruas. Ruas insípidas,
frígidas, mudas. Ruas por onde um coração desanuviou e decidiu transcender.
Depois da chuva, depois das luzes dos postes chegarem a
ponto de evaporar as últimas gotas. Ele, frente a frente com a Realidade. Teve
a oportunidade de desfazê-la, de enterrá-la, ou a subverter. No entanto,
virou-se, escolheu se distanciar. A Realidade nunca havia passado por aquilo.
Não soube então lidar com a lacuna. Distanciar-se é se aproximar.
Quando a última gota cai. O recipiente vazio é a
interrogação do porvir. Reposição ou alta? Quando a chuva começa; quando da
nuvem desprende a transformação da primeira gota, ou quando a primogênita cai
ao solo, sendo instantaneamente absorvida, ou sobre a ponta de um nariz, sendo
retirada com as mãos, ou quando se confunde à lágrima, ou quando evapora no ar
deixando a incógnita do que poderia ter sido? Não é a resposta que irá
contribuir com a paisagem, tampouco a enxurrada de perguntas.
Conta-gotas sem gotas. O olhar sem argumento, sem
arrogância, sem expectativas ilusórias, mas a esperança de um instante de paz.
Desde que o tempo fora enterrado, era o que ele tinha. Paz; e agora ela
percebia o que viria junto com sua escolha.
Ele achava curioso como ela lavava a louça; sempre começando
pelos talheres. Era simplesmente um encanto a espuma, o metal e a água nas mãos
tão delicadas e cheias de história. Ela se admirava como ele cozinhava; sempre
começando pela escolha do vinho ou do café. A taça como o prumo dos versos, a
faca sem pressa, embora ágil, para picar e arrumar; as mãos como a de um
regente. Sabores que valiam um poema. Os ciclos eram renovados sem a cobrança
da Realidade, sem as marcações do Tempo.
As ruas não estrangulavam seus passos. Quantas cidades
coexistem dentro de uma? Marco Polo teria se fascinado com as ruas dentro das
ruas do olhar de quem habita o ambiente por outro viés que não o convencional.
Eles sabiam que não estava esta aventura nos livros, pois aquele acesso, era o
acesso deles e de ninguém mais.
A Realidade falhou mais uma vez. E neste ponto do enredo
compreendeu que não era doença. Teria de escolher outra pessoa para tentar se
aproximar dele, deles? A Realidade se debatia em si, com o olhar vidrado nos
vitrais da casa em que nunca mais entraria.
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