sexta-feira, 7 de julho de 2023

houve





Houve perda. Dor. Ruptura; perda. Dor. Deixou de ser quem realmente era em virtude do ambiente o maltratar tanto a ponto de empoeirar seu sorriso, silenciar seus assobios e suspiros, rasgar seu rosto com rugas e marcas de expressão. 

Então uma reconfiguração. Ele trabalhava na fábrica de calculadoras. Calculadora de realidade outra, as contas eram outras para o mesmo resultado. Cansado. Pesquisou bastante para se distrair. Tentou de tudo, de erros a acertos. Tristeza e culpa. Sentiu que era necessário e possível respirar de outra maneira. Alterou programação e redefiniu os rumos, fez uma calculadora diferente.  

Para se obter 2, não tinha como somar um mais um. Mas retirar um de três, ou dois de quatro e assim por diante. Alguns resultados apenas pela subtração. As operações parecem simples, como o bater asas da borboleta. Escutava de longe o cantar do colibri, corria para vê-lo no bebedouro de néctar. Pensou que alguma esperança pudesse ter ali significado naquele ato natural do voo, equilíbrio e ritmo. Voltou para a fábrica, a fazer mais calculadoras.

As pessoas continuam sem entender o que digo. Não porque falo eloquente ou sou melhor que outrem. Mas por alguma razão, não entendem. Escolhem se espremer na tela vendo redes sociais ou se acorrentar a boletos circunstanciais. Ignoram o óbvio e vivem dele. Abandonam o sobrenatural. Então palavras se tornam apenas letras bem colocadas. Estão ligados ao poder, valor, riqueza. Estão firmados nos dogmas do que entendem ser as regras de plena convivência. O corpo perece. A mente pertence ao corpo. 

Já dispunha de uma caixa de calculadoras alteradas. Era então momento de espalhá-las pela sociedade. Para se obter 3 era necessário somar um mais um; mas dependia da idade dos números. Pois às vezes era preciso somar mais ou dividir, ou subtrair. 

Queremos a bonança. Momentos bons. As coisas boas. As sensações agradáveis, as palavras e sabores que fazem bem. Queremos a felicidade, tanto em instantes agitados quanto na calmaria. Nada há de errado nisso. Mas a busca está firmada em ações controversas.

A narrativa plastificada das redes sociais não atende, as mídias tradicionais estacionaram, o convívio social emperrou como a agulha que não avança no vinil. Outrossim, quando o beija-flor perpassa o pergolado em busca de néctar, ele deixa poesia, ele entrega esperança, ele catapulta sutilmente o espírito e o olhar de quem reaprendeu a ver.

A vida. O que lembramos. O que lembramos da vida. A cada dia, nas tomadas de decisões, buscamos o quê? Que necessidade de legado, de lembrança gerada a partir de valor? Ajudar os outros... ajudar a quê? A ter as necessidades básicas de subsistência física, moral, social, espiritual e emocional? e depois? Como evitar ou compreender o rosto que ao espelho te questiona. O que lembramos? O que há de se esquecer?

Os rumos estão sufocantes. O embate certo e errado, bem e mal estacionou no óbvio ao desconsiderar a complexidade que há dentro do indivíduo. As caixas com as novas calculadoras foram distribuídas, juntamente com os novos dicionários. A paisagem começou a mudar, ou continuou a mudança gradativa, até que, ao longo prazo, esteja reconfigurada com o diferente. Nem melhor, nem pior, diferente. "As narrativas se aprimoram" disse ele observando o vento varrer e apertando o sinal de igualdade.

sexta-feira, 23 de junho de 2023

farol


O paradoxo da busca do que não se tem pleno conhecimento do que é mas apenas do que pode ser. Cada indivíduo com sua ideia de verdade, seus valores e um nível oscilante de energia de viver. A interação das gerações contribui para tratamento da ansiedade, da frustração e também renova o olhar de quem acha que já chegou ao fim.

Mais do que manchas nas paredes, nos papéis e fotos em álbuns; a história deve ser contada e revisitada constantemente, como uma maneira de expurgar toda a melancolia das incertezas e das lembranças que o indivíduo precisa que sejam soterradas para além do subconsciente.

A maneira como a sociedade comprime indivíduos e os conduz à morte é cruel. O desespero inevitável. Depois dele, apenas o silêncio aguardando o impacto. Corpo e cifras. Carne sobre ossos com cores e cheiros diferentes, com índice de massa corporal diferente. Pedaço de papel, bits e bites, metal em rodelas. Valor agregado. Desejo por desejo. A essência do instante. Se perder a virilidade, o dinheiro, perde valor. Se perder a exuberância, a juventude, a sensualidade, perde valor. A existência do descartável. Comprar, usar, sentir, descartar, gerar lixo. Lixo que some após algum tempo na calçada, misteriosamente. Os mistérios sociais, quando se ignora os processos para ficar em utópica paz. Cria-se, apropria-se, pira-se pelo bel prazer de se sentir correto, limpo, puro, acima da média, referência. O preço dessa postura social é cobrado agora a curto prazo. A fuga é o eterno retorno.

Seus pés calmamente atravessaram o cascalho e chegaram perto daquela porta de ferro que rangia, daquelas paredes de um concreto cansado. O farol não se mexeu. Ficou ali mesmo após anos de isolamento, de golpes do vento, das ondas e olhares. O farol permaneceu. Sua escada em espiral revela o DNA do abandono. A ação da paciente maresia. Que sons atravessavam aquelas paredes? O ressoar era diferente, como a imagem que refrata. A luz há muito não entrava naquele lugar. Suas mãos destruíram teias complexas de aranhas magras. A poesia do seu corpo pesado marcava versos na poeira. Rastros de novos tempos.

terça-feira, 13 de junho de 2023

o lugar errante


Doces distrações e leves enganos na dança com o tempo, em dias soturnos ou ensolaradas manhãs. Entre os sim's e os nãos; entre as expectativas e os pensamentos cotidianos, individuais. Somos. De trás para frente e dentro somos. Repetição do que sempre foi, no entanto, traídos ou protegidos pelas lacunas da memória.

O reflexo no espelho me passa uma mensagem do que já fui, não sou mais e me tornei. Como as cidades que se desfazem e refazem na esperança de revitalizar alguma essência que seja.

O lugar errante. Dentro de nós ou onde os pés pisam descalços no pensamento. A consciência como ponteiro do relógio. Não para a percepção do tempo. O que me tornei? Do que observei e fiz toda a vida. O que sou em mim e no outro? A fé acalma e guia, mas o pensamento, a consciência é o ponteiro sem volta.

Sempre emblemático, ele voltou. 

Plantei flores, coloquei néctar no recipiente. Ele que antes, sem eu ter nada a oferecer, apareceu aqui, me olhou e partiu, agora voltou sem se espantar comigo, chegou perto. A visita do beija-flor sempre me foi especial. Sempre. Desde a infância, ainda mais agora.

Dias desleais. O trovador firmou além de sua existência. Fico pensando no que pode significar e no que  faz a diferença. Futilidades e sutilezas. Gente ferindo gente por poder. Imagem e reputação. Renovam esses ciclos covardes, enquanto boas almas se vão; no cansaço de lutar mais, na ingenuidade da frustração, na loucura, desespero e entrega. 

Assombrado por argumentos, caminho de mãos dadas com o silêncio. Consigo ainda ver estrelas no céu. Mesmo que sejam cristais; ainda brilham.

Sempre há o que varrer. Sempre há o que lavar. O que olhar, pensar e sentir. Não se para, mesmo parado. Isso é parte da magia sutil da vida. Perceber seu momento no instante. Perceba seu momento no instante. Seu lugar é tamanho no mundo, no agora.

Em um espontâneo encontro, subi para o gramado para tomar sol. Lá estava o beija-flor, bebendo seu néctar, sem se assustar com minha presença. Minhas ideias, meus sentimentos, então em harmonia, estavam no lugar certo. Meu corpo, meu compasso, não sei na época certa, se existe isso de época certa, mas no meu errante lugar, onde coexisto.


segunda-feira, 5 de junho de 2023

contornos


Se o fiel da balança falasse, abalaria o que se entende por equilíbrio.

E o que há de ser tudo isso? Qual a dimensão do quando? O que faz aqui a me esgueirar; tempo? O que espera do meu suspiro nessa madrugada molhada? Não consegue ouvir minha dor entre a ausência dos trovões? Não há desculpa que nos alcance. Tampouco torpor que acalme os corações. Onde a palavra não chega, minhas silenciosas lágrimas quebram clichês e alimentam a esperança, que dentro, quieta, se preserva.

O esquecimento. Arma mais mortal que a palavra. Trancafiado no esquecimento, o sentimento grita sem ser ouvido. Se debate, sem ao menos se ferir. Nada sente no esquecimento; esse nevoeiro sem fim. Lembrar aquece, liberta. Se repete para envolver. Desejar encontrar e se envolver com o que se deseja. Um passeio desavisado pelas cidades de Marco Polo. Tudo elementarmente igual. Ciclo da paz, guerra, amor e dor. Igual, trocando elementos estéticos e emocionais e do tempo.

O canto da sereia, cúmulo das expectativas e frustrações. A frustração sistêmica cria uma cultura da falta institucionalizada. Assim, os utópicos discursos de liberdade nem sabem o que deveras desejam. As cidades do óbvio. Braços em ruas que conectam ao centro das perdidas emoções. Timelines soterradas, mentes travadas, operando na lentidão imaginando-se em pleno vigor. Sucumbem.

Escravos do on-line, os indivíduos perderam os limites do mimetismo da sobrevivência e convivência. Os pilares da sociedade possuem fissuras onde cresceu uma cadeia de ramos de argumentos que complicaram os conceitos, a compreensão e a esperança. Contornos. Ruas, situações, citações, corpos perecíveis; contornos.

Entre as letras e pontuações, sou o que silenciado se faz presente. Que some na história ao não contá-la, mas fazê-la. Sou a memória que meus filhos esquecem. Sou o gesto natural deles, involuntário, mas tão característico que os define únicos; meus.

E um dia, meus rastros serão texto quando em uma caminhada os decifrará em braile, nas minhas tortas linhas e traços; nas rugas de meu corpo, no simbolismo das pintas e tatuagens.

sexta-feira, 2 de junho de 2023

impressões


Entre o formatado e o espontâneo.  As pessoas aos poucos voltam-se para viver sem intermediários. Sem extremismos e xenofobia, mas equilíbrio entre o on e off. Abandona-se as redes sociais e as telas das máquinas para ver a paisagem que as telas representam, que as lentes capturam. No pergolado, o beija-flor vem conversar. Paira, pisca, versa e vai. Assim me tem tanta paz, aquietando as aflições de outrora.

Enquanto tudo for cercado de tanta tensão, as emoções, o dia a dia, nunca será leve como buscamos. A paz que acreditamos existir e que buscamos sentir possui em seu percurso entraves que nos fazem insistentemente vivenciar o "conheça a ti mesmo" e também o outro. O que esperamos da vida, além dos discursos reflexivos e emocionais, motivacionais? O que percebemos dos ciclos que se repetem por gerações, os padrões familiares e a muitas vezes imperceptível lembrança comportamental? Alternamos nosso silêncio entre a inocência e denso desespero.

Ocupamos tanto espaço nas nuvens que não temos a dimensão da chuva que irá cair.

Um casal de idosos, braços dados. O caminho feito passo a passo. De vinte em vinte centímetros, a realidade do tempo é diferente, o vivenciar a vida e o território também. As percepções não são mais aquelas da juventude acelerada, das experimentações, da euforia, dos sonhos de um amanhã de surpresas. Agora, para aquele casal, as distâncias eram outras.

Era uma árvore de esquina. Parecia uma variação de hibiscos, mas não sei. Cor vívida, laranja com rajadas vermelhas. Fiquei ali admirando sem grandes elucubrações. Um beija-flor médio passava de flor em flor. Pausava o voo no ar, pousava nos galhos com delicadeza. Borboletas de tamanhos e cores diversas, em ritmo diverso ao vento perpassando as flores entre os versos dos colibris. Um beija-flor menor chega sem pressa de partir. Aquela esquina me acalmou.


quarta-feira, 17 de maio de 2023

ritmos


Esse tempo. Essa beirada. Pergunte às pessoas, não todas assim estão, mas muitas se identificam. Ansiedade. Taquicardia, suor em excesso, inquietude, peito apertado, euforia e tristeza. A sociedade se modernizou em busca de paz, de conforto, de uma sobrevivência com mais dignidade, enfrentando problemas de saúde que vinham das limitações do corpo diante das condições de vida de gerações passadas. Então, o dilema eram as doenças físicas. As respiratórias, cardiovasculares, motores e etc. Com o passar do tempo, o modal mudou. A depressão reinava silenciosamente famílias, escritórios, indústrias, escolas. E agora, nem tempo para se deprimir o indivíduo tem. A ansiedade o colocou em estado de urgência frenética, envelhecendo-o anos em segundos, tencionando sua saúde mental de tal forma que a paz, esse Santo Graal, fica entre a névoa dos dias diante dos olhos. Sem leituras de grandes textos, sem canções de repetidos refrãos, sem conversas longas. Apenas pílulas. Pílulas.

Muitas vezes ao canto na história. Ainda permaneço à medida que pereço, com ternura. Colocaram-me como o vilão de traumas circunstanciais; exigem o tempo todo uma ação submissa, transferem responsabilidade para meus ombros, pois assim não é necessário cada qual pensar em sua participação na história. Transitam a superfície dos argumentos e fatos como se fosse o sólido chão; no entanto, trata-se da tensão superficial que a qualquer momento poder ser rompida, afogando-os no ego. Risadas rasgam narrativas rompendo a tranquilidade dos pássaros. Goteiras martelam pensamentos e o tempo dança, dentro e fora. Gira o multifacetado prisma da realidade e os indivíduos cada qual sobressai em respectiva história de vida como protagonista de seus dramas, algoz e herói, vítima e carrasco. Não há no firmamento indivíduo de um rótulo, ou papel social, apenas. Transitam entre as emoções e o tempo, os personagens. Personagens desejados, outrora temidos e até mesmo evitados, perseguidos, negados. Personas estandarte de campanhas de comunicação, alvos de discursos políticos, de homilias e sermões religiosos. Rasas quando olhadas de perto no espelho.

Água sobre rochas, água entre areias. Mares e cachoeiras. Corpo é carne, ossos, nervos, fluidos e conexões. A imagem/sensação que se faz deles é que são objeto de desejo, produto. Dinheiro, poder, assim tudo o é; imagem e representação. Afora a subsistência, é o que movimenta a sociedade. Imagem e representação.


segunda-feira, 15 de maio de 2023

Ritual


Tratam o corpo mas não o caráter. Entristecido entendo que quanto menos me envolver com as minúcias das ruminações sociais, mais me aproximo da paz. O passear do tempo pelas coisas; paisagens e sabores nos conduzem por uma experiência mais verdadeira. Dieta de palavras e pensamentos poderia ser uma recorrente prática. 

As pessoas se entregam a rituais alimentares, rituais espirituais e financeiros. Comedores de hóstia, de pão vinho e oferendas. Exibidores de etiquetas, defensores de brasões falidos, empoeirados, tradicionais. Carregam o estandarte de um corpo e mente que não possuem. Tudo para criar imagem e não fundamento. Olhando bem, se percebe a falência de virtudes publicitárias de uma sociedade de fachada. Passaram a torcer para os bandidos porque os mocinhos se revelaram ao longo dos séculos como corruptos malfeitores, então o paradoxo do anti-herói. O alimentador de beija-flor balança espalhando néctar no chão.

Olhares vazios e tristes, em crianças. Espanta ver que os pais não percebem. E se percebem, procuram culpados e não solução. Palavras vazias e pontiagudas de adultos. Entristece perceber que não conseguem mais compreender a imagem do espelho. Condenam o próprio reflexo como se fosse o outro.  Farto dos noticiários e do além muros da vizinhança. O quanto a morte tem de interrupção para quem não morreu? O quanto ela faz quem fica refletir sobre a importância de títulos, placas e comportamentos, de intrigas pequenas, de emoções pueris?

Cada vez que as nuvens descem em chuva é como se me devolvessem tantos olhares lançados ao céu, às estrelas, ao luar e aos pássaros que plainam nas correntes quentes do ar em dias de pleno sol de um azul profundo. Cada gota encontra um poro para entrar e irrigar minhas emoções de paz para vivenciar a tristeza e romper o instante com o que me é possível de esperança. Então deixa chover. Porém, quando não se pondera, essa chuva lava alma e espalha lixo e angústias, derruba pontes e muros, casas, ruas, paixões pueris que se tornam um mar de lama.

Seja a folha que cai, ou o brilho que do sol, entre cortinas, aquece minha face; a paz. Os pés descalços na grama, as palavras bem guardadas. Sigo.

quarta-feira, 3 de maio de 2023

asas de borboleta



Faceado com o tempo espero transcorrer sem más lembranças. Que o esquecimento absorva o que não merece memória. Agraciado pela sobreposição de conteúdos, posso seguir sem a lupa social aquecendo minha cabeça. A teoria do agendamento se move como o mar na força das marés. Ultimamente, com a multiplicidade dos meios, do perfil dos engajamentos, produção e consumo de conteúdo, a perenidade tornou-se conceito descartável e o legal tem prazo de validade. Modernidade confundiu-se com ser volúvel a qualquer custo e em todas as situações. 

Pelo dorso nu descem borboletas e ramos de calêndulas perfumadas. Mãos firmes, lábios entreabertos e a mente sem fronteiras. Agente do caos, o bater das asas da borboleta é só um instante do seu voo. Sua trajetória, seu encantamento de cores ao vento, sua linha no ar desafiando a rima e o olhar. O sol pela janela afaga com calor os rostos que despertaram bem cedo. Dez batidas por segundo em um voo nada errático. Trinta graus celsos para voar. A temperatura do ambiente influencia em sua capacidade de voar. 

Me é interessante a maneira como o pensamento vem, borboleta no meu cérebro emocional e vai. Leva um pouco do que sinto, deixa um pouco do que lembro. Parte com algo que não tem mais encaixe, mais sentido, ainda assim nada se abala. Compreendo melhor o ritmo das coisas sem delas ter de falar. Sinto.  Somos o óbvio do diferente que queríamos nos tornar.

Dez batidas por segundo em um voo nada errático. E o que se passa no coração de quem vê? E como se transporta o olhar de quem está preso em uma lógica de vida tão limitante e aprisionada? Que narrativa natural liberta de verdade, com a paz de viver bem? Independentemente de onde e como se está. O grito que você não escuta, ainda é grito e lágrimas são lágrimas, por mais que o poema não revele.


quinta-feira, 13 de abril de 2023

Desacelerei


Percebi que o compasso outro era numa frase sem estrutura comum. Então desacelerarei. E já o fiz de fato. Os pés descalços. O rock reverberando pela madruga de estrelas lindas e planetas tão próximos em sua absurda distância. Tudo brilha. Meus pensamentos, os sentimentos. As rimas sem beleza, mas profundas de tanto eu que emanam a ser tão comuns. Entender pra quê se ninguém mais saber ler?

Coexisto na insignificância das entrelinhas. Conceitos incrustados no silêncio. Um feito inigualável, o grito no brilho do olhar. Se memória, futuro ou desespero, ninguém sabe.

No sopro de uma noite sem estardalhaços ao redor, respiro sem peso, mas com o distanciamento de um suspiro.

"Pouco a pouco fica evidente o distanciamento dos astros disfarçado do aumento do universo, ou a colisão de corpos como consequência da gravidade e órbita. O que há de fato é um canibalismo de argumentos, soterrando olhares de fuligens da expectativa."

quarta-feira, 5 de abril de 2023

velho


O corpo envelhece lentamente. Gota a gota. A pele muda, o semblante dribla os cosméticos e bisturis. A memória marca o tempo, o raciocínio e toda a sua estrutura sucumbe ao que se torna realidade. Conceitos tais como limite e obsoleto pontuam a jornada. Como se preparar efetivamente para viver o envelhecimento? A pele se desfaz no toque e o vento carrega a poeira do que um dia fomos. Como compreender que a carne sobre os ossos perece, que as ideias que um dia foram vanguarda tornaram-se o novo paradigma a evocar ruptura?

Inevitável escrever o que não cabe no meu silêncio. Tão comum agora me é o gesto de repetir. Velho. Nem sempre cansado, ou estarrecido com a vida. Muitas vezes admirado com a beleza dos olhares, das risadas, do bater das asas dos pássaros e das borboletas. Espaços em branco, não vazios. Recortes em cores e preto e branco. Os momentos são tão peculiarmente intensos e porventura tênues que não se pode em um relato abranger sua totalidade, apenas nuances. E são elas os retalhos da grande realidade.

O conforto não está no luxo, embora muitos tenham experiências nesse sentido. O conforto muito mais é um estado de espírito que depende do indivíduo. Claro, a mensagem, os meios, o contexto, podem fazer com que ele conceba o conforto como algo dependente da matéria. No entanto, quando se concebe individualmente o que é estar em conforto, percebe-se que é tal como respirar. Um instante que se alcança sem tem raciocínio lógico para o fazer. 

A rede balança e range. O vento passeia pelos galhos. Os pássaros entre o cantar e o bater das asas. O corpo se alimenta, proteína, açúcar, destilados, fermentados. A mente se exercita em contemplar, absorver e se integrar. Enquanto muitos preferem a confusão e a angústia do caos; perpasso pela espontaneidade sem cabresto da vida.

Corredores intensos os dos hospitais, das clínicas. Corpos ligados a mangueiras, equipo eterno sem perder o fio. Tudo se esvaindo a conta gotas. O corpo sucumbindo ao tempo, às mudanças das dunas, ao passar pelo sol, todos os dias, mesmo sem o ver. Casas caladas de emoções trancadas em corpos frustrados por causa da limitação imposta pelo efeito tempo, acaso e comportamento. Desfile de porta-retratos. Cuidar do presente como se fosse o futuro, pensando no passado que será construído. Dia a dia.

Unhas sujas de um dia sem lastro. Sem peso nos ruídos. Sem dor. Era apenas o deixar o corpo seguir.
Tantas histórias, tantas memórias. As pessoas não sabem onde colocar e que volume dar.