quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Soro - 6 ml


 O corpo pesado, o sorriso dificilmente reluzia em sua face, pois a maneira como as pessoas ao redor o tratavam foi pouco a pouco sufocando-o, ferindo-o no silêncio dos dias comuns. As lembranças batiam nas paredes e só depois de o ferir, desfazem-se como bolhas de sabão.


  • Hoje a tristeza me alcançou. Cansa. A insistência das pessoas em manter abertas as feridas dos outros, simplesmente para estampar um falso sorriso social. Tanto sentimento conturbado, tanta sensação que precisa de freio, de silêncio, de tempo; mas esse já não passa. Parece ter sido enterrado.


A terra desmorona, escorre como leite com achocolatado. Desfaz a fina malha asfáltica, desce com sonhos, frustrações, dívidas, suor, concreto armado. Desfaz o que parecia ser duradouro, abre uma cratera na percepção da realidade, na consciência da vulnerabilidade da vida, das posses, dos status. Desmorona a terra e a chuva não para. Ele observou a paisagem mudar de longe. Ali, perto, tudo permanecia; até mesmo a chuva.

Sua tristeza não era compaixão, tampouco desdém. Ele se desdobrou durante anos, dispersando no universo uma energia para tornar o ambiente mais sereno. No entanto, agora, ele apenas seguia a canção, como tantos dizem. Entretanto, ninguém fala sobre o que fica e o que vem, quando a canção acaba.


quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Soro - 5 ml

 


O controle ineficaz do corpo à madrugada.

Nem sono, nem sonho. Nem liberdade, nem prisão. A tecedura de uma rotina de esmurrar o vento, no pensamento, buscando paz. Pingava a gota no equipo. Uma caiu do teto, em sua testa. Outra emergiu de seus poros. Uma derradeira escorreu pela janela do quarto. O ato de observar funcionava como um ponteiro. Era como se o tempo passasse, em inércia, dentro de um gota que não trouxe cura, nem alívio. Ela o observava de longe, esgueirando à porta; a Realidade. Ele nem mais a ignorava, nem a percebia. Talvez fosse a doença, pensava ela.


Papel hario v60, alvo, à espera da água. Noventa e dois graus sobre o pó moído minutos atrás. Eram grãos colhidos nas Gerais. Ele preparou uma bela xícara, foi até o quintal para tomar seu café. No pires, biscoitos de nata recheados com goiabada. A sensação da grama aos pés descalços, o aroma do café, o sabor do biscoito e os pensamentos que giravam em carrossel em sua mente cansada.


Não tinha como saber a maneira que trascorreriam suas lágrimas depois que partiam do coração, preciptavam pelos olhos e desciam pelo rosto rumo ao chão. Se densa, infiltra no solo, nutre raízes e ainda assim penetra os lençóis freáticos e flui pelas entrelinhas. Se leve, ainda na superfície evapora, não desaparece, muda de forma.


Anuviado céu das expectativas e correria urbana. Com o sopro de uma ideia se desfaz a tempestade, embora fique aquele vento.


Ele se levantou; pronto; caminhou até o trabalho. As ruas apresentavam uma paleta de cores emocionais, o embate delas ao invés de formar um arco-íris, causava confusão. Ele estava cansado. Chegou ao trabalho e com a mesma intensidade de todos os dias foi assertivo e ciente dos riscos e dos resultados. Não ficou nenhuma pendência. Ela se espantava.


Apenas ela sabia da doença. A Realidade. Talvez por ter percebido ele se afastar dela, não por loucura, desespero, mas outra coisa, que ela entendeu ser uma doença. Ele não se importava com ela, dissociou-se.


Ela deixou de fazer sentido no seu dia a dia, ele nem a percebia mais; não a via. Ele observou a borboleta errante, certa de si, voando de forma a pincelar no céu cores de encanto e esperança. No fundo o azul céu e a certeza de que os rumos mudaram. Ele ainda podia sentir. Talvez tamanha fosse a intensidade dos seus sentimentos, que o dia a dia ali naquele escritório fosse percebido de forma diferente.


Com sorriso nos olhos, perpassou a brisa rumo à cafeteria dos fins de tarde. O cheiro de livros junto aos aromas de café eram seu predileto clichê. Ela o perseguiu até a porta, mas não entrou, não se sabia se era por causa da doença dele.


O expediente terminou e ele se permitiu a caminhos diferentes. Subiu a rua que fazia arder a panturrilha. Desviou-se dos ombros na estreita calçada. Escolheu um caminho diferente.


A chuva vinha sempre do mesmo lado do céu. Dos montes verdes, ao longe, atrás da sua casa. Ele sempre gostou de observar a formação das nuvens e esperar pela precipitação após os ventos. Era este sempre um momento de contemplação, de acessar lembranças e de esvaziar-se. Neste dia lembrou de como a conheceu. Passava de carro pela rua em horário tranquilo quando a viu desfilando na calçada. Ela, de pele alva, ou era jambo, de cabelos loiros ou morena flor, passava despercebida pelos beija-flores. Ele chegou bem perto com o carro, diminuiu a velocidade, abriu o vidro de foi categórico:


  • Bom Dia! Entre. Venha ser a co-piloto de todos os meus dias, permitindo a mim ser o seu. Você será a flor que em si é o próprio jardim, o elixir do sentimento que mantém a vida, a esperança, a paz.



Ela olhou com estranhamento. Ele possivelmente diz a todas, pensou. E se com o passar do tempo, diante das aparas de um relacionamento ele o mesmo fizer em outra rua qualquer? Ela titubeou. Entretanto, quanta sinceridade no olhar, ela se encantou. Ele insistiu. Ela entrou.


A maneira como ela saiu o marcou de uma forma tão peculiar, a ponto de não ser percebido pelos tantos personagens do seu dia a dia. Ele sabia das mudanças, pois sabia olhar pela janela. Acontece que pouco a pouco ele perdeu a prática de voar no olhar, de pousar no pensamento. Talvez fosse a doença; entretanto apenas a Realidade parecia saber.


Ele às vezes tinha espasmos de recordação de sensações de outrora. Seus dedos transformando a massa, sua mente se desvencilhando de qualquer pensamento que causasse dor. Ali, de pé na cozinha, enquanto de forma calma manejava a faca, cortava a massa já temperada, formando pequenos travesseiros. Via-os emergir da fervente água e os dava um choque na água gelada. Ponderadamente, dispunha a massa no refratário e por cima colocava o molho, temperado com parcimônia. Comeu à mesa, sozinho, olhando para o gramado lá de fora. Anotações perdidas iam com o vento pelo chão. Nem se importava mais em colocar no papel tudo o que pela cabeça passava. Não que não visse propósito, mas que já não tinha o mesmo sabor.


Os dias de trabalho eram mais uma das tantas contagens regressivas. Ele terminava o serviço diário mais uma vez sem deixar pendências. Saiu sem perceber ambas.


Comma. Invariável. O poder dos lábios dela sobre o vento ao balbuciar algo em direção a ele. Entretanto as palavras de Comma já não passavam pelos ouvidos dele. De longe, impiedosa, a Realidade observava o esmaecer da expectativa, mas a persistência de um sentimento. 


O toque involuntário de seus corpos em um corredor, no disputar desatento por uma folha na máquina de fotocópia, por um copo descartável na copa, por um lugar no elevador. Era mais do que o esbarrar, eram lampejos de esperança. Entretanto, ele não alimentou. Talvez fosse a doença, e só a Realidade percebia.


A Realidade a afasta dele. O escritório era uma sucursal de uma dimensão onde a humanidade era sensível, vulnerável, desesperadamente carente e cruel.


  • Ninguém me vê. Não me sentem ou me conhecem. Não se trata de fama, ou máscara, é outro reconhecimento. Ninguém vê a ninguém. Quando precisamos de nos agarrar em algo, quando lançamos o olhar em busca de um afago que nos proporcione respiro, muitas vezes desfalecemos dentro do crescente poço dentro de nós. [Comma encontrou um ponto final]


Ele não se tocou. Não percebia os sentimentos que orbitavam sua pele, tampouco tinha ciência das lágrimas que ainda corriam de seus olhos à noite. Ele não conseguia nem mesmo se sentir. Paulatinamente perdeu o contato consigo mesmo. O que poderia o retirar do automatismo modo de abster-se? Nem mesmo a Realidade o alcançava. A doença beirava seu estágio final.


Doença? Seria a apatia controlada um sintoma? Desprender-se da realidade de forma a nada, intensamente, fazer algum sentido, sentimento, importunar, pressionar ou encantar. Ele, exilado de si e do outro, seguia na silenciosa e sem lamúria marcação de versos, dia, noite, tardes, manhãs e madrugadas. A Realidade não concebia como normal alguém se dissociar dela; seja de perto ou longe. Rotulando anomalias, transformando-as em doenças. Contudo, a ele nada mais tinha assim tanta importância. Era como se ele não estivesse fora, mas completamente dentro e sem amarras.



quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Soro - 4 ml

 


A expectativa. Poderia ser o título daquele dia.

Ele saiu de casa, mas já na esquina teve de retornar, esqueceu de algo sem saber o que era. Tocou os bolsos, como todos o fazem, não sentiu falta de nada, mas sabia que faltava algo. Dentro de casa percorreu os cômodos à procura do que não sabia. Comeu maçã, bebeu suco, coçou a cabeça, olhou tudo e foi para o quintal. Lá no fundo, sentou-se no banco de madeira, daqueles de praça, mas confortáveis. Estava em uma posição privilegiada, no aclive. Encontrou. Era a paz. Gostava de sentar ali e observar a paisagem, ouvir as poesias gritadas pelas suas lembranças. Retendo momentaneamente o tempo que não mais passa. Os pés descalços trocavam energia com o solo. Às vezes, o piscar dos olhos nos apresenta tudo em um timelapse especial, tão particular, que só faz sentido enquanto os olhos estão fechados. E este universo, em expansão, é inacessível até mesmo para si, quando as pálpebras se recolhem. Seus olhos brilhavam regendo o silêncio. Saiu de casa novamente. Todavia, o piscar de olhos a conta-gotas, permeia todos os seus instantes.


A pasta feita de papel pardo às mãos quase pendia ao chão. Seus passos firmes sempre paravam nos setenta e sete degraus. Ele habitava aquela estação de trabalho durante a semana. 


Os poetas na estante não o avisaram, tampouco o prepararam. Hoje ela estava diferente. Arredia, traiçoeira, firme, às vezes afável, outrora cruel; a Realidade fazia questão de o lembrar do que ele não esquecia. 


Sem tropeços ou soluços ele foi assertivo em cumprir todas as atividades daquele dia. Nenhuma pendência ficou para outro tempo. Sem deflagrar dos poros suor, sem ter a derme rasgada por mais uma ruga, ele planava pelo dia.


Comma, este era o nome dela. Sempre o recebia com um olhar de ternura. 


  • Difícil a tentativa de dar conta do universo de realização de alguém. Tão complexo e complicado. Quase não tenho a capacidade de cuidar do meu universo, das minhas coisas. Enquanto no rádio escuto “everybody is gonna learn sometimes”; no umbral o pássaro negro repete “never more”. Fico entre os silêncios, o eco, a canção e o retrato.

  • Não se prenda.


Embaraçada nos conceitos, distanciando-se dos clichês, compreendeu não de imediato, sobre o que ele a disse. Ela se via nos olhos dele. Sentia paz na respiração dele tão perto de seu rosto, o calor de suas mãos quando as tocava despretensiosamente, a maneira dele beber café, o modo como escrevia nos livros e deixava-os para ela ler. Ele ampliava as obras. Contudo não sabia ela que se tratava de um testamento. Ele não falava da doença, ninguém a percebia. A gota do soro pingava como uma maçaneta de bumbo, soava dentro dele a dança do tempo com a esperança. Enquanto o enquadramento de como ele via o gotejar lembrava um filme de Ritchie, a trilha sonora tinha o som de Tom Yorke e Bjork, tendo ao fundo as risadas de uma mulher de branco, batom vermelho, estilo Almodóvar.

 

Se breve delírio, ou o quadro real, o silêncio acobertava a certeza, e ele a carregava todos os dias, indo trabalhar sem transparecer, ou falar sobre a doença. Se solução, se espontânea estratégia, se peripécia do destino, ou livre desatino, importa menos do que as interrelações que ele passou naqueles dias.


Nem mesmo seus passos tinham ciência de sua caminhada solitária, cheio de animais e pessoas ao redor, repleto de emoções, pensamentos e silêncio dentro. As tardes em seu fim sempre tinham algo diferente no vento, nas cores do céu e no cheiro do ar. Há tempos foi acolhido. O filhote amadureceu. Chopin vinha com suas patas, como se no chão tocasse piano. Era o nobre escudeiro, acompanharia ele durante toda a doença e além dela. Madrugadas de luar e sem luar, sentado em seu universo particular, com o escudeiro ao lado, com o caderno nas mãos. Seu renovar estava fora dos padrões, seu anseio por reconhecimento não seguia o clichê. Talvez fosse a doença.


Quando o dia estava para dar vírgula; quando suas pálpebras pesaram; ela ligou. Ele não entendeu. Estava tão perto. Os diálogos passaram a ser apenas bites e bytes. Vocalizar era fruto de garimpo, ainda assim, ele se levantou e foi, mas nunca chegou. Talvez fosse a doença.


Ela não entendia como ele insistia em viver sozinho naquela casa vazia. Não compreendia a energia dele para trabalhar sem deixar pendências, sem fazer laços, sem estender o expediente, sem reclamar, sem falar das lembranças, sem amontoar bitucas no corredor. Ela não sabia, mas talvez fosse a doença.



quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Soro - 3ml

 



Embora... As frases são castradas pelos instantes em que o sentimento se apodera dos pensamentos. Embora não fosse um problema, a solidão não poderia perdurar mais, ele sabia. Todavia, como trazer alguém para seu prisma, seu mundo e modo? Como ir para o mundo de outro, como integrar-se, no processo entre ceder e avançar, ouvir e também falar. Ele perdeu o ritmo; ou apenas mudou.


A manhã de chuva já ao chão não o assustou. Com o tempo à terra enterrado, ele permanecia desprendido da membrana social. Envolto das amenidades sociais, mas sem delas ser refém. Seus pés pisaram sobre o tapete de flores vermelhas, flores rosas, folhas secas. O noticiário insistia em o fazer não ouvir os pássaros. Quando o líder religioso não interpreta as escrituras como agrada os indivíduos, ou como socialmente se aceita, criam-se outras doutrinas, estabelecem-se outras igrejas; se o partido político se racha e passa as rédeas a outras mãos, ou restringem a voz, criam-se partidos para chamar inteiramente de "seu"... que essência perigosa, essa do controle, pensava ele.


Algumas pessoas se identificavam tanto com ele; talvez por isso o ignoravam, e não conseguiam o entender. Poucos suportam ver a si mesmo todo o tempo, ainda mais ver-se em outra pessoa. Ele não mais com isso se preocupava. 


O espinho na carne. Clichê da ostra. A impureza  no meio equilibrado, evoca reações; às vezes tem-se a pérola. O espinho na carne. Parece doer mais quando se está a retirá-lo; mas ele tinha a sensação de libertar-se do emaranhado que para muitos era socialmente comum, mas para ele, tratava-se de um arcabouço que o castrava como ser, tornando-o humano por demasia.


Ele, de certa forma, teve a leve sensação do que chegava junto ao vento. Ele não estava preocupado. A rua em hipérbole guardava o lar de suas mais profundas elucubrações. Ele via crescer e se formar a residência de sua paz. Na incerteza, a paz.



quarta-feira, 28 de julho de 2021

Soro - 2ml

 


A tela do smartphone se destacou. O close-up de um leão sério. Como se houvesse outra expressão em um leão. Entrou em modo de economia de energia, 

mas a imagem imponente do leão permanecia olhando para ele. Ficou 

pensativo,  a selva na qual era

bem-vindo o abandonou. 

Nem isso mais importava.

Ele finalmente estava em paz.


As pessoas não querem paz. O coletivo. Quando se juntam, o assunto gira pelas dores, amores, anseios, frustrações e sobre a vida do outro. Os diálogos se tornaram cansativos embates. Não se aprecia um silêncio compartilhado, tampouco a conversa despretensiosa, sobre os detalhes da vida que suportam a sociedade. A dureza dos muros e fachadas. Pessoas que se erguem como edifícios, que se escondem na intensidade do fluxo das grandes cidades. Olhos marejados, querendo a tranquilidade do acordar, tomar o café, estar em paz. Desfrutar da paisagem o alto da serra, ou no quintal, seja noite, dia ou madrugada. Respirar. Procurava o ar. Lembrou-se dos shows, quando no meio da plateia, ele conseguia olhar para cima, e respirar o ar fresco acima da camada abafada. Procurou o ar, no silêncio, no vento, nas páginas.


Ninguém percebia mais; ele cumpria suas tarefas do dia e saía. Na cafeteria, sentava-se à mesa perto do vitral. Era como estar acompanhado durante o café, por uma bela companhia. Em silêncio, ele não parava de conversar. Descontrolado, pois se ouvidos não têm pálpebras, imagina os ouvidos internos. Não conseguia silenciar-se, pois estava a construir a morada de suas angústias, muito mais eficiente do que a caixa de Pandora. Ainda mais efetiva do que as paredes de Dédalos. E fruto de uma jornada maior do que os círculos de Dante.


Não era mais um na multidão, pois não se tratava de uma grande cidade. Não era o misterioso estrangeiro de Camus que se esgueira pela sociedade, pois todos que o olhavam percebiam e se lembrava daquele dia, de alguma forma, pensavam nele e seguiam. Alguns rostos parecem ter a mesma fôrma.


A taça de vinho estava pela metade. Não era incômodo assentar-se sozinho à mesa no restaurante. De fato, era até reconfortante. Após os devaneios de uma mente solitária, ele passava a assistir o derredor e suas peculiaridades.


Neste dia, na mesa ao lado tinha a conversa de um casal. O homem contava uma história de uma empresa, apelidada carinhosamente de o Grande Faraó, que trai que por ele derrama sangue e suor. A mulher ouvia a tudo com bastante atenção. Os escravos faziam de tudo para o Faraó: cortavam cabelo, riam das histórias repetidas, mentiam em juízo, cuidavam de aspectos pessoais como trabalho escolar da filha, levar a filha para vacinar, para se inscrever em escola, e tudo o mais que concerne a um bom escravo. O curioso era que o Grande Faraó utilizava recursos de impostos para fazer propaganda de seu reinado, tudo com a chancela de uma visão social sobre as cidadelas em que tinha terras. Avançando neste modelo, ela começou a utilizar os escravos para eles criarem projetos, que com os recursos dos impostos, defenderiam o nome e legado do grande faraó. Anos se passaram e agora esta estratégia enraizada no reino se tornou também medida para que o Faraó não desse aumento de salários aos escravos, pois deu a eles pagamento via parte dos impostos, e ainda tornou-se esta medida em defesa, quando a grande praga matizes chegou ao reino. Entretanto, algumas pragas surgem para equilibrar o ambiente. Faraó não percebeu. Então, a estratégia de usar os escravos como terceiros em ações viabilizadas com recursos de impostos do reino serviu para acabar com a praga criando um marco social bem no meio do ambiente conflituoso, para dar publicidade ao altruísmo do Faraó, para amenizar os ânimos dos camponeses em mais outras três cidadelas onde havia intenso conflito com o Faraó (que a todos cala com poder, palavras e dinheiro). No entanto, percebendo que de tão usual, tornou-se vulnerável a imagem do governo perante a sociedade por usar esta estratégia, o Faraó decidiu queimar os escravos em praça e eximir-se de qualquer envolvimento. Contudo, os escravos não morreram; e no ressequido solo do deserto a flor se ergueu, floresceu um oásis.


A mulher ao final da história desligou o gravador. Da mesa ao lado, ele percebeu que o casal não estava em um momento íntimo de troca de confidências, mas que tratava-se de uma entrevista, daquelas boas de se ouvir, pois em versos miúdos, o homem dava nomes, cifras, endereços e demais atributos para completar as lacunas da história com fatos que soltos estão mudos, mas conectados formam toda a trama, não capaz de derrubar o faraó, mas pelo menos mudar seu rosto.


A taça de vinho secou. A resposta muitas vezes está nas perguntas sem resposta.



quarta-feira, 21 de julho de 2021

Soro - 1ml

 


Sopro. Conta-gotas do soro no hospital. Imagem em close da gota que cai. Adoram close. Pinga a roupa estendida no varal. Hoje lavei roupa, como em muitos dias. Hoje a lua estava esplêndida, semelhante a muitas semanas. Procurei em tantas coisas o antídoto da realidade, que sempre soube que estava ali, no silêncio dela ao dormir, no movimento dos meus filhos a dormir. Na maneira sublime e plena deles interagirem com o que existe, com o que conhecem e o que passam a conhecer. Não era antídoto que precisava, não estava com virose, foi apenas a enfermidade da falta do tempo. Conta-gotas. Abertas janelas acenam a dobra do horizonte. Sabemos, não há feitiço, nem tempo. Estamos. Não preciso dizer meu nome. Você está olhando para mim.


Piscou. A princípio como um pano de fundo, depois um risco no céu. Choveu; de poucas gotas no vidro a rios ruidosos descendo fachadas, escorrendo pelas ruas. Piscou. As pálpebras ainda estavam cansadas. Chorou. Não foi uma gota apenas, mas um riacho que brevemente secou-se no silêncio do quarto frio.


Esse medo da morte, iminente rompimento na nossa ideia bairrista de eternidade. Essa mania de desejar que tudo dure para sempre para si, mas não para o outro, uma vez que não pensamos no espaço para o outro, e no que implica a intermitência da morte; uma vez já desdobrada por Saramago. A perenidade como estandarte de uma sociedade paradoxal, pois se alimenta do caráter punitivo que compartilha através de gerações.


Um humor sem traje trejeitos e trajetória era o alívio cômico. Olhar pela janela lateral sempre foi tão agradável quanto olhar pela frente. O que de fato encanta é a dinâmica do horizonte. Intocável enquanto distante, dissipado quando se aproxima, pois o corpo em movimento não concebe o que é vivenciar a proximidade, a inserção no horizonte, mas apenas consegue o contemplar, na esperança de alcançá-lo, mas ter no lugar um novo horizonte para olhar.


Antes de avançar, necessário perceber o que há ao redor. Um giro lento, porém breve de cabeça. Se outrora estive na casa de cartas, enterrando décadas de habilidade em desviar de articulações maldosas e de sanguessugas da alma, por outro me restabeleci em uma associação de gentis malucos, um universo à parte, com o resumo de todos os estereótipos do mundo. Estava feliz. Entre tantos heterônimos de pessoas tão peculiares.


Um deles, perdido na fórmula alcalina das bebidas que traziam um pouco de sanidade a ele, juntamente com o tabaco. Andar era seu escape, como uma panela de pressão soltando vapor. Seu silêncio e semblante enigmático marcavam sua personalidade que às vezes fora da realidade, às vezes integrado em demasia a ela, rasgava o ar com uma gargalhada insana. 


Um outro, insatisfeito com a vida como as pessoas se portam nela, pois ele enfrentou situações extremas para conseguir suprir as básicas necessidades sociais. Não tolerava o performismo social e se portava com indignação, a não ser que esteja bêbado ou galanteando alguma mulher, que não a sua. Ele empossava a voz para ler bulas de remédio e reclamar de tudo o que seu olhar tocasse. Cansado da vida, seu rejuvenescimento era etílico, ou entre os poros de uma mulher.


Era possível uma pessoa se transformar? Ou ela apenas tem um caráter volúvel que se manifesta de uma forma para cada núcleo social que habita? Sendo que o conflito nasce dos desencontros de núcleos divergentes. Perfis semelhantes em instantes diferentes. Tinha um que de perto, era o contrário de tudo o que diziam dele, e até mesmo, o contrário de quem ele realmente foi durante décadas. Ele, quando de baixa guarda, revelava com o semblante o cansaço de uma vida. A fé o restaurou, e ele transitava entre o buscar se integrar aos novos tempos e saciar-se da paz de estar entre pessoas queridas.


Havia também o ancião. Exausto, mas com um vigor. Uma memória que cabia milhares de civilizações, personagens e desdobramentos, da fundação à extinção. Era a enciclopédia orgânica, com um olhar apurado sobre a realidade e um senso estético de espantar a muitos jovens. Bem humorado, suas piadas eram sem rir, as melhores. Entretanto, quando confuso, não raro, em um rompante fazia tremer as paredes com a rouca voz de ira. Paradoxo das passionais pessoas amáveis. Oscilar entre a doçura e o amargor, conforme a temperatura da realidade. 


A maneira como se desdobram os dramas de cada um nos permite compreender que cada um, em seu universo particular, tem dores e amores que direcionam suas lágrimas e seus suspiros. Seja de dor, torpor. Isso nos ajuda a permanecer dentro de nossos quintais emocionais, sem fazer estardalhaço do que nos dói ou faz sorrir. A intermitência da lâmpada fluorescente, como um abajur de Thompson, me lembrou o porquê de ter trocado tudo em casa por Led. 


Conta-gotas. A chuva se lança das nuvens e começa a fazer barulho. Os intervalos entre uma gota e outra. Cai no metal, nas grossas folhas das plantas, na terra, no plástico dos toldos, nos telhados de metal, na minha face, dentro de mim. Aumenta o ritmo, o frio vem com o frescor. Sem trovões, raios ou plateia, a chuva de ritmo marcado me banhou naquela manhã. A narrativa da intermitência me faz pensar no comportamento das pessoas, algumas tantas que se portam como algozes dos demais. cansa, minhas memórias escorrem com as lágrimas na chuva. Barato clichê.


Os intervalos me eram de refrigério. Os sinos tocaram na pizzaria. O som agudo nos inquietava. O desconforto e o encantamento trouxeram paz e iluminaram meu modo de perceber a vida; mais uma vez. A criança era puro voo, batendo talheres nos pratos, fazendo música ao coração de quem o pedia para continuar, de quem o via crescer, de quem o viu nascer. Um momento simples, mágico e dependendo do ponto de vista até mesmo irritante, mas encantador. Meus filhos. Anjos atemporais. Eu era o transitar sem amarras pela malha social. Aprendi a me encantar com o que há de sutil, silencioso e sem palavras.


Quando o simples sonho realizado ressoa pela sala, reverberando as paredes, é encantador o modo como transforma as rugas em estandartes do sorriso de satisfação. O corpo passa sem a consciência do que carrega. Olhares se entrecortam sem perceberem o que entregam. Semente.


Curioso, pois chove. E com ela toda elegância das sonoras gotas da madrugada; o frescor abafado do beijo silencioso da brisa, que passa ainda em contraste com o que me resta de luz, que da lua vem. Ela me lança, então, sutilmente provando meu desconhecimento de mais palavras capazes de manifestar em plenitude o que vem a ser depois da chuva, enquanto chove.


  • Seu tempo acabou.


Levantei-me e saí. Compreendendo que ninguém dispõe de muito tempo para conhecer a névoa que é caminhar na mente das outras pessoas. E olha que eu nem estava em um divã. Apenas um café. Desci a escadaria do beco com pressa, mas sem desespero. Cogitei a ideia de levar algo para comer no escritório, mas eu não trabalhava em um escritório. Passando em frente a loja de livros usados, meu templo, meu cemitério, pensei em levar uma edição rara de o Burrinho Alpinista para presentear. Não haviam braços para meus abraços, ouvidos para minhas palavras, olhares para meus traços. Desde o dia. Desde o dia. Meus passos marcam na cidade o rumo daquele que fica. Porque não podemos escolher entre sonhar e estar acordados? Sonâmbulos. A consciência da aparência oscila. A sonoridade de algumas palavras me fazem mais sentido que o conteúdo, conceito, lembrança, o rastro. Estranha sensação. Estar acordado em Shell Beach. E uma vez assim, não se volta a dormir como antes. Vejo as pessoas em seus automatismos e suas percepções; afogados no fazer prático. Tenho a estranha sensação de que nada novo há de ser, como traçou Wilhelm, a não ser viver de forma plena, intensa e em paz, cada instante. Apoteótica como vem, se vai; a realidade.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Soro - breve introito

 


Essa ideia de eterno. Após descomprimir verdades insólitas, apoteótica como vem, se vai a realidade. "Embora... As frases são castradas pelos instantes em que o sentimento se apodera dos pensamentos. Embora não fosse um problema, a solidão não poderia perdurar mais, ele sabia. Todavia, como trazer alguém para seu prisma, seu mundo e modo? Como ir para o mundo de outro, como integrar-se, no processo entre ceder e avançar, ouvir e também falar. Ele perdeu o ritmo; ou apenas mudou".

Porque escrever um livro? Para estimular a leitura nos intervalos entre telas. Para lançar o olhar sobre essa ideia de perenidade. Essa mania de interiorizar a eternidade e tornar complexo o relacionamento com o outro, com o tempo e a realidade.

Este é o quarto livro que escrevo. Após me aventurar nos primeiros três via produção independente, sem patrocínio, busco viabilizar a próxima obra, primeiro com trechos dela por aqui toda semana, e posteriormente como e-book e possivelmente na versão impressa, quem sabe um dia. Boa leitura.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Cada um tem seu rosebud

 


Seja breve. Sem rodeios. Sem expectativas.
Afora os julgamentos. Através das referências.
Seja memória, mas também lembrança.
Uma rima.
Apenas uma.

terça-feira, 6 de julho de 2021

pão


Outdoor, Ads, elemídias, painéis, displays, aplicativos e aplicações, papel, dinâmicas e gracinhas. Muitas vezes, a impressão é de que setores corporativos de comunicação parecem se revestir de estratégias e ações para ser vitrine (case de sucesso) para os pares e não para cumprir a atividade fim. O pão nosso de cada dia. A informação em avalanche tem de ser repensada. Tanto as plataformas, os conteúdos e os tempos. As narrativas precisam ser elaboradas sem o chicote da razão e com a flexibilidade dos contextos, sem corromper a mensagem. Considere o grau de autoconhecimento, autogestão emocional, empatia e repertório do indivíduo e sua atuação como ser social.

A inteligência emocional (Domina-te a ti mesmo) é mais que um termo corporativo, mas um aspecto crucial para refratar a imagem ao espelho. O autocontrole evoca sistemas de exaustão; verdadeiras portas emocionais de respiro. Há de se valorizar.

Trabalhar elogios não é semear a paz. Tampouco a rispidez das opiniões sinceras traz harmonia. Apenas a maturidade entre narrar, absorver e transmitir é o que prepara o terreno social para a paz. "Para ser do tamanho do que vê, oh Bernardo, é preciso lavar os olhos  e retirar a fuligem social"

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quarta-feira, 23 de junho de 2021

Passagens corporativas

Sinergia entre setores (TI, RH, Comunicação e etc): Estimular os funcionários ao aprimoramento é uma prática de gestão! Disponibilizar ferramentas gratuitas e online para que todos possam se organizar e fazer parte é cuidar, sendo que a atitude fala diretamente com a marca da instituição. Sem reinventar a roda, utilizando da simplicidade e assertividade da mensagem por meio das plataformas disponíveis ! #AAPI #elearning #gestão #mobile #displays


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A mensagem ganha a cidade, a marca pontua a identidade por meio das diversas plataformas! Muito bom ver o planejamento ganhando forma, a equipe produzindo e as ações atingindo o esperado, o orçamento equilibrado e a possibilidade de fazer mais… vem novidade por aqui… 

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Analisar o tráfego de forma efetiva; equilibrar orçamento disponível, indicadores desejados, apetite a performance e compreender a mensagem e o público a se consolidar. Fluxos favoráveis, resultados mensuráveis #narrativa #Ads #googleads AAPI #AAPI #Comunicação #ConsultasGrátis #Saúde

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A rotina acelerada das áreas de comunicação corporativa testa não apenas a criatividade e necessidade de propor e executar o novo com excelência, mas fundamentalmente, fazer o básico no dia a dia de forma assertiva, utilizando bem o orçamento, as plataformas, as narrativas e a mão de obra. Criticar menos, responsabilizar menos, evoluir.